O contencioso Administrativo estabelece a impossibilidade
de impugnar um acto administrativo por quem o aceitou, de forma expressa ou
tácita.
Os efeitos processuais da aceitação do acto administrativo
estão consagrados no art. 56.º do CPTA. Tal preceito diz-nos que “não pode
impugnar um acto administrativo quem o tenha aceitado, expressa ou tacitamente,
depois de praticado”, e o seu nº2 diz-nos que a aceitação tácita “deriva da
prática, espontânea e sem reserva, de facto incompatível com a vontade de
impugnar”.
Esta figura traduz-se numa manifestação de vontade
positiva, expressa ou tácita (art. 56.º, n.º 1 e 2 CPTA e art. 217.º, n.º 1
CC), de concordância com o conteúdo de um acto administrativo anulável, por
parte do seu destinatário, tendo como consequência fundamental a preclusão do
direito de impugnação, nos termos dos arts. 53.º, nº4 CPA e 56.º CPTA.
Em consequência, os actos padecidos do vicio - nulidade
não são susceptíveis de aceitação. Repare-se que nos actos nulos não há uma
decisão de autoridade da Administração merecedora de tutela acrescida pelo
Direito.
Deve perguntar-se qual é, então, o papel da aceitação do
acto administrativo no seio do contencioso administrativo. A resposta não é
unânime na doutrina.
Tendo em conta o anterior sistema objectivista do Processo Administrativo - em que o individuo particular agia como
auxiliar da Administração Pública na defesa da legalidade - esta questão era
reconduzida a uma questão de ilegitimidade. Como tal, o particular que aceitasse um determinado acto
administrativo não poderia insurgir-se contra a administração ao intentar uma
acção de impugnação do acto administrativo.
SANTOS BOTELHO, à luz desse regime, entendia que
havia com a aceitação do acto ilegitimidade da parte, sendo esta concretização
do princípio da estabilidade do acto administrativo. A este propósito, RUI
MANCHETE defendia que estaríamos perante um pressuposto processual negativo de
conhecimento não oficioso. Por fim, para FERMIANO RATO entende a questão da
aceitação do acto administrativo como uma questão de ilegitimidade.
Hoje em dia, porém, o
nosso sistema processual não é objectivista. Na actual composição
subjectivista, o contencioso centra a legitimidade em função da alegação da
titularidade de um direito. Não é concebível para o nosso Ordenamento Jurídico
actual que se negue aos particulares a titularidade de direitos subjectivos
perante a administração pública.
A este propósito PEREIRA DA SILVA, entende que pode ser
adoptada uma de duas soluções.
No seu entendimento, ou a aceitação do acto é entendida
como um pressuposto processual negativo, ou seja, a declaração de vontade por
parte do sujeito não lhe permitiria então prosseguir a acção; ou então, de
acordo com a nova lógica subjectivista do contencioso é reconduzida a uma
questão de interesse em agir.
O Professor de Lisboa acaba por concluir pela segunda
alternativa. Diz-nos, o próprio, que a aceitação do acto conduz ao
desaparecimento da efectiva necessidade de tutela judiciária, ou seja, o
assentimento do particular em face do acto faz capitular a hipótese de existir
uma acção em relação ao acto em causa. Não fazendo sentido autonomizar tal
figura, sendo um interesse em agir
similar ao do processo civil.
VIEIRA DE ANDRADE, entende que a aceitação do acto
constitui um pressuposto processual autónomo, pois, “para além de ser diferente
da renúncia ao direito de impugnação, também (…) não significa uma renúncia à
posição jurídica substantiva”. O professor de Coimbra defende que a aceitação
do acto trata-se de um mero acto jurídico, em que o particular vai perder o
direito devido a uma sua atitude, aceitando voluntariamente (livre e
esclarecidamente) os resultados desfavoráveis desse acto.
Cumpre apreciar.
De facto, não nos parece que o problema se coloque numa
lógica de legitimidade. Essa discussão, aliás, já parece apagada no tempo.
Entendemos, então, que a aceitação do acto tem como
intuito a segurança e certeza jurídica, em razão da estabilidade do acto
administrativo, mas também, em certa medida, pensando em razões de economia
processual.
Entendemos que se trata de um pressuposto especial e
negativo, mas que está intimamente conexo ao interesse em agir. Aliás como diz
PEREIRA DA SILVA, se fosse
autonomizado este pressuposto, perderia quase por completo o seu conteúdo. Ora,
traduzindo-se a aceitação do acto no acatamento dos seus efeitos desfavoráveis
a impugnação não teria qualquer utilidade, já que o direito ao acto favorável
se extinguiu na esfera do particular. Não havia, pois, nada a salvaguardar
através da anulação do acto aceite.
É evidente que a aceitação do acto administrativo constitui
uma restrição ao direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional
efectiva (arts. 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 CRP). Como sabemos trata-se de um
direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (art.º 17.º
CRP).
Neste sentido a doutrina e jurisprudência têm salientado a
necessidade de recorrer aos princípios próprios da interpretação dos direitos,
liberdades e garantias, que impõe uma interpretação restritiva das restrições.
O primeiro requisito apontado é a da necessidade de que a
aceitação seja espontânea. Este pressuposto pode ser inferido do art. 56.º, n.º
3 CPTA e visa excluir todo aqueles actos praticados no âmbito do dever de
obediência, por exemplo.
O acto tem de ser voluntário. Isto é, a vontade de aceitar
deve ser livre e esclarecida. Tem aqui aplicação todo o regime da falta e vícios
da vontade, reguladas nos termos da lei civil, designadamente art. 240.º e ss. do
Código Civil.
No seguimento do que então foi dito, tem-se entendido que
a aceitação do acto, para ser perfeita e válida, deve ser feita num momento
posterior ao acto (art. 56.º, n.º 1 in fine CPTA), mas principalmente tem de
ser feita num contexto em que o particular tenha um conhecimento perfeito do
conteúdo do acto e da sua eventual ilegalidade.
Num importante apontamento jurídico, o Conselheiro Carlos
Cadilha entende que não existe aceitação do acto quando, atenta a situação
fáctica, outro comportamento não era exigível ao particular, visto que a
rejeição total do acto agravaria a sua posição jurídica global de forma
inaceitável.
Sem comentários:
Enviar um comentário