sexta-feira, 4 de maio de 2012

Da aceitação do Acto Administrativo no Contencioso


             
            O contencioso Administrativo estabelece a impossibilidade de impugnar um acto  administrativo por quem o aceitou, de forma expressa ou tácita.

Os efeitos processuais da aceitação do acto administrativo estão consagrados no art. 56.º do CPTA. Tal preceito diz-nos que “não pode impugnar um acto administrativo quem o tenha aceitado, expressa ou tacitamente, depois de praticado”, e o seu nº2 diz-nos que a aceitação tácita “deriva da prática, espontânea e sem reserva, de facto incompatível com a vontade de impugnar”.

Esta figura traduz-se numa manifestação de vontade positiva, expressa ou tácita (art. 56.º, n.º 1 e 2 CPTA e art. 217.º, n.º 1 CC), de concordância com o conteúdo de um acto administrativo anulável, por parte do seu destinatário, tendo como consequência fundamental a preclusão do direito de impugnação, nos termos dos arts. 53.º, nº4 CPA e 56.º CPTA.

Em consequência, os actos padecidos do vicio - nulidade não são susceptíveis de aceitação. Repare-se que nos actos nulos não há uma decisão de autoridade da Administração merecedora de tutela acrescida pelo Direito.

Deve perguntar-se qual é, então, o papel da aceitação do acto administrativo no seio do contencioso administrativo. A resposta não é unânime na doutrina.

Tendo em conta o anterior sistema objectivista do Processo  Administrativo - em que  o individuo particular agia como auxiliar da Administração Pública na defesa da legalidade - esta questão era reconduzida a uma questão de ilegitimidade.  Como tal, o particular que aceitasse um determinado acto administrativo não poderia insurgir-se contra a administração ao intentar uma acção de impugnação do acto administrativo.

SANTOS BOTELHO, à luz desse regime, entendia que havia com a aceitação do acto ilegitimidade da parte, sendo esta concretização do princípio da estabilidade do acto administrativo. A este propósito, RUI MANCHETE defendia que estaríamos perante um pressuposto processual negativo de conhecimento não oficioso. Por fim, para FERMIANO RATO entende a questão da aceitação do acto administrativo como uma questão de ilegitimidade.

        Hoje em dia, porém, o nosso sistema processual não é objectivista. Na actual composição subjectivista, o contencioso centra a legitimidade em função da alegação da titularidade de um direito. Não é concebível para o nosso Ordenamento Jurídico actual que se negue aos particulares a titularidade de direitos subjectivos perante a administração pública.

A este propósito PEREIRA DA SILVA, entende que pode ser adoptada uma de duas soluções.
No seu entendimento, ou a aceitação do acto é entendida como um pressuposto processual negativo, ou seja, a declaração de vontade por parte do sujeito não lhe permitiria então prosseguir a acção; ou então, de acordo com a nova lógica subjectivista do contencioso é reconduzida a uma questão de interesse em agir.

O Professor de Lisboa acaba por concluir pela segunda alternativa. Diz-nos, o próprio, que a aceitação do acto conduz ao desaparecimento da efectiva necessidade de tutela judiciária, ou seja, o assentimento do particular em face do acto faz capitular a hipótese de existir uma acção em relação ao acto em causa. Não fazendo sentido autonomizar tal figura, sendo um  interesse em agir similar ao do processo civil.

VIEIRA DE ANDRADE, entende que a aceitação do acto constitui um pressuposto processual autónomo, pois, “para além de ser diferente da renúncia ao direito de impugnação, também (…) não significa uma renúncia à posição jurídica substantiva”. O professor de Coimbra defende que a aceitação do acto trata-se de um mero acto jurídico, em que o particular vai perder o direito devido a uma sua atitude, aceitando voluntariamente (livre e esclarecidamente) os resultados desfavoráveis desse acto.

Cumpre apreciar.
De facto, não nos parece que o problema se coloque numa lógica de legitimidade. Essa discussão, aliás, já parece apagada no tempo.

Entendemos, então, que a aceitação do acto tem como intuito a segurança e certeza jurídica, em razão da estabilidade do acto administrativo, mas também, em certa medida, pensando em razões de economia processual.

Entendemos que se trata de um pressuposto especial e negativo, mas que está intimamente conexo ao interesse em agir. Aliás como diz PEREIRA DA SILVA,  se fosse autonomizado este pressuposto, perderia quase por completo o seu conteúdo. Ora, traduzindo-se a aceitação do acto no acatamento dos seus efeitos desfavoráveis a impugnação não teria qualquer utilidade, já que o direito ao acto favorável se extinguiu na esfera do particular. Não havia, pois, nada a salvaguardar através da anulação do acto aceite.

É evidente que a aceitação do acto administrativo constitui uma restrição ao direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva (arts. 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 CRP). Como sabemos trata-se de um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (art.º 17.º CRP).  

Neste sentido a doutrina e jurisprudência têm salientado a necessidade de recorrer aos princípios próprios da interpretação dos direitos, liberdades e garantias, que impõe uma interpretação restritiva das restrições.

O primeiro requisito apontado é a da necessidade de que a aceitação seja espontânea. Este pressuposto pode ser inferido do art. 56.º, n.º 3 CPTA e visa excluir todo aqueles actos praticados no âmbito do dever de obediência, por exemplo.

O acto tem de ser voluntário. Isto é, a vontade de aceitar deve ser livre e esclarecida. Tem aqui aplicação todo o regime da falta e vícios da vontade, reguladas nos termos da lei civil, designadamente art. 240.º e ss. do Código Civil.

No seguimento do que então foi dito, tem-se entendido que a aceitação do acto, para ser perfeita e válida, deve ser feita num momento posterior ao acto (art. 56.º, n.º 1 in fine CPTA), mas principalmente tem de ser feita num contexto em que o particular tenha um conhecimento perfeito do conteúdo do acto e da sua eventual ilegalidade.

Num importante apontamento jurídico, o Conselheiro Carlos Cadilha entende que não existe aceitação do acto quando, atenta a situação fáctica, outro comportamento não era exigível ao particular, visto que a rejeição total do acto agravaria a sua posição jurídica global de forma inaceitável.

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