sábado, 19 de maio de 2012

Garantias Contenciosas do Particular em Relação ao Acto Interno

Os processos previstos no CPTA são os urgentes e não urgentes. Estes subdividem-se em duas formas de processo: a acção administrativa comum e a acção administrativa especial. Enquanto as causas a que o CPTA faz corresponder á forma de acção administrativa comum tramitam segundo os termos do Código de Processo Civil, segundo os artigos 35º nº1 e 42º nº1 CPTA, as correspondentes á forma de acção administrativa especial tem um modelo próprio de tramitação especificamente regulado no CPTA, art. 35º nº2; 46º nº1 e 78º e ss`. Esta contraposição feita pelo CPTA assenta sobre o critério de se saber se o processo diz ou não respeito ao exercício de poderes de autoridade por parte da administração. É nesta base que, nos termos do art.46º CPTA, seguem a forma de acção administrativa especial os processos impugnatórios dirigidos á remoção de actos de autoridade praticados pela Administração, entenda-se os actos administrativos ou normas regulamentares, e os processos que visam condenar a Administração á emissão desses actos de autoridade. Os demais casos caiem na alçada da Acção Administrativa Comum. As pretensões que seguem a forma de Acção Administrativa Especial são de quatro tipos: (1) impugnação de actos administrativos, com vista á respectiva anulação ou declaração de nulidade ou inexistência, nos termos dos artigos 46º nº2 a) e 50º a 65º CPTA; (2) condenação á prática de actos administrativos ilegalmente recusados ou omitidos, á luz dos artigos 46º nº2 b) e 66º a 71º CPTA; (3) impugnação de normas regulamentares dirigida á declaração da respectiva ilegalidade, á face dos artigos 46º nº2 c) e 72º a 76º CPTA; (4) declaração de ilegalidade por omissão das normas regulamentares legalmente devidas, nos termos dos artigos 46º nº2 d) e 77º CPTA. Todos os casos que não caiem na previsão destas normas tramitam segundo as regras da Acção Administrativa Comum. Da impugnação de actos administrativos, o primeiro pressuposto de que depende a dedução em juízo da pretensão impugnatória do particular é o da legitimidade. Esta matéria está tratada de modo genérico no art. 9º nº1 CPTA e de forma especifica no art. 55º CPTA. Nos termos do art. 55º nº1 a), tem legitimidade para impugnar um acto administrativo que alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos legalmente protegidos. Convém tentar perceber qual o alcance da expressão “interesse directo e pessoal” referido no artigo. Segundo MÁRIA AROSO DE ALMEIDA a utilização da fórmula “interesse directo e pessoal”, em contraposição á ideia de lesão de “direitos ou interesses legalmente protegidos”, que é apresentada como um exemplo e, logo, como uma das suas formas possíveis de concretização, aponta no sentido de que a legitimidade individual para impugnar actos administrativos não tem de se basear necessariamente na ofensa de um direito ou interesse legalmente protegido, basta a circunstancia de o acto estar a provocar no momento em que é impugnado, consequências desfavoráveis na esfera jurídica do autor, de maneira que a anulação ou declaração de nulidade desse acto lhe traz pessoalmente a ele uma vantagem directa ou imediata. Continua, nesta linha, a afirmar que a anulação ou declaração da nulidade de actos administrativos pode ser solicitada por quem nisso tenha interesse, no sentido de que reivindica para si próprio uma vantagem jurídica ou económica que há-de resultar desta anulação ou declaração de nulidade. Sublinha ainda o facto de o CPTA ter abandonado a fórmula “interesse directo, pessoal e legítimo”, fórmula esta acolhida nos artigos 821º nº2 do Código Administrativo e 46º nº1 do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo. O CPTA abandonou a referencia ao carácter legitimo, isso porque, no entender deste mesmo autor, este requisito não possui uma real autonomia, se apenas reportado á ideia de que o interesse que move o autor não pode ser ilícito. O carácter pessoal do interesse quererá significar a existência de que a utilidade que o interessado pretende obter com a anulação ou declaração de nulidade do acto impugnado seja uma utilidade pessoal, portanto, que ele reivindique para si próprio, ou seja o impugnante á parte legitima porque alega ser o titular do interesse em nome do qual se desencadeou o processo. O carácter directo, por seu turno, prende-se, admitindo que o impugnante é efectivamente o titular do interesse, com a questão de se saber se existe um interesse actual em pedir a anulação ou declaração de nulidade do acto que é impugnado, no sentido de que existe uma situação efectiva de lesão que justifique a utilização do meio impugnatório. Portanto este requisito já não tem a ver com a legitimidade processual em si, mas sim com a questão de se saber se o alegado titular do interesse tem efectivamente necessidade de tutela judiciária, ou seja, tem a ver com o interesse pessoal ou o interesse em agir. Em suma, o interesse pessoal prende-se com a legitimidade processual, enquanto o interesse directo prende-se com o interesse processual. Cabe destacar que o CPTA atribui ainda nos termos do art.9º nº2 e 55º nº1 f), a qualquer pessoa, independentemente de ter interesse pessoal na demanda, a legitimidade para propor, nos termos da lei, processos principais destinados á defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como “a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural, e os bens do Estado (…)”. Para MÁRIO AROSO DE ALMEIDA este alargamento da legitimidade processual activa, constitui o plano em que mais se evidencia a filosofia do novo contencioso administrativo de procurar “o necessário equilíbrio entre a dimensão subjectiva e a dimensão objectiva, na certeza de que o aperfeiçoamento do sistema no sentido de proporcionar aos cidadãos a mais efectiva tutela dos seus direitos e interesses em nada contende com aproveitamento, em paralelo, das vantagens efectivas associadas aos aspectos objectivistas tradicionais, que lhe permitem funcionar (também) como um instrumento de protecção dos mais relevantes interesses públicos. Pelo contrário, do que se trata é assegurar o que o contencioso administrativo proporcione a mais efectiva tutela a quem quer que se lhe dirija – admitindo, entretanto, que não sejam só os indivíduos a poderem dirigir-se a jurisdição administrativa, em defesa dos seus direitos e interesses particulares, mas que também se lhe possam dirigir ao Ministério Público, as entidades públicas, as associações cívicas e os próprios cidadãos, em defesas de interesses públicos, colectivos e difusos”. No que tange aos actos susceptíveis de serem impugnados, reza o artigo 51º nº1 que “são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa”. Segundo este artigo, a eficácia externa é o elemento decisivo do acto administrativo impugnável. Esta referencia feita neste preceito á “ eficácia externa” do acto administrativo apenas tem a ver com a natureza “interno ou externo” dos efeitos que o acto se destina a produzir. Por conseguinte para que um acto administrativo possa ser considerado impugnável é decisivo que os efeitos que ele se destina a introduzir na ordem jurídica sejam susceptíveis de se projectar na esfera jurídica de qualquer entidade pública ou privada de forma a fazer com que para estas se possa retirar um efeito útil da supressão do acto do ordenamento jurídico. Para o Prof. Mário Aroso de Almeida, o requisito da eficácia externa do acto administrativo “é o mínimo dominador comum: os actos que não só não afectam a esfera jurídica de ninguém, como nem sequer se destinam a produzir efeitos externos, são os únicos que não podem ser impugnados por ninguém,” concluindo que só estes actos não são actos impugnáveis diante do art. 51º nº1 CPTA. Repara-se que o CPTA, nos termos do art. 52º nº1 consagra o principio de que a impugnação dos actos administrativos não depende da forma sob o qual eles tenham sido praticados. Portanto, independentemente da forma que um acto administrativo apresente – imaginemos por exemplo, que ele esteja inserido num acto legislativo ou regulamentar – ele pode ser impugnado. Nestas circunstâncias, e por que os eventuais interessados podem não se aperceber que o acto legislativo ou regulamentar contém um acto administrativo e, por esta razão deixa expirar, inadvertidamente, o prazo legal de impugnação, o art. 52ºnº2 CPTA, abre, excepcionalmente a possibilidade de estes interessados procederem á impugnação dos actos de execução ou aplicação daquele acto contido em diploma legal ou regulamentar. A mesma solução é dada pelo art. 52º nº3 CPTA para o caso do “ acto que não individualiza os seus destinatários”. São também impugnáveis, nos termos do art.54º CPTA, os actos administrativos ineficazes. A impugnação do acto que é objecto de execução, embora sem preencher os requisitos necessários para o efeito, é uma excepção á regra da impugnabilidade dos actos administrativos ineficazes. Esta excepção é ainda aberta sempre que “seja seguro e muito provável que o acto vá produzir efeitos”, nos termos do art. 54ºnº1 b), ou, noutros termos, sempre que “segundo um juízo de normalidade, e de acordo com a experiência da vida, haja fortíssima probabilidade ou quase certeza” de que o acto irá produzir efeitos, e, por conseguinte, exista um fundado receio das consequências que hão-de resultar desta produção de efeitos e eventual do acto (ainda) ineficaz. Portanto, neste art.54º o legislador valora a eficácia do acto, não no que tem que ver com a questão da substancia do acto, com a questão da natureza (intrínseca) dos efeitos que ele se destina a introduzir na ordem jurídica e, portanto, em saber se em si mesmo ele é ou não um acto administrativo impugnável; mas sim, com a questão (extrínseca) a saber se ele origina consequências que, em determinado momento, justifiquem a sua impugnação. Assim, relativamente a esta matéria, a regra será a de que o acto ineficaz, por não introduzir qualquer modificação na ordem jurídica que possa ser removida através da sua anulação ou, por ventura, declaração de nulidade, a um acto insusceptível de ser impugnado; mas – e esta é a excepção – se o acto sendo ineficaz for, ainda assim, objecto de execução, já se estará diante uma situação de necessidade de tutela que justifica o recurso á via judicial. Portanto, aqui a questão está em saber se existe ou não interesse em agir. Para o Prof. Mário Aroso de Almeida, “quando se diz que a eficácia dos actos administrativos é requisito da respectiva impugnabilidade, o que pretende dizer-se é que os actos administrativos não podem ser impugnados enquanto não tiverem preenchido os eventuais requisitos de que depende o inicio da produção dos seus efeitos” (…), “o que se pretende é evitar a impugnação de actos que, abstraindo da questão da sua (in) validade, não preencham os requisitos de que porventura dependa a produção dos seus efeitos.” Não obstante, quanto ao decurso do prazo para a impugnação destes actos, o ónus de impugnação tempestiva dos actos administrativos só se constitui a partir do momento em que se preencher os requisitos de que depende a sua eficácia, esta conclusão retira-se do próprio art. 54º nº1 CPTA que se refere a impugnação de actos administrativos ineficazes como uma possibilidade dentro dos casos ai previstos, e não como um ónus sujeito a prazo. Quanto ao prazo para a impugnação de actos administrativos, a impugnação de actos nulos ou inexistentes, nos termos do art.58ºnº1 CPTA, não está sujeita a prazo, o particular pode, portanto, impugnar estes actos a todo tempo. Já quanto a impugnação deduzida pelos particulares contra actos anuláveis, “salvo disposições em contrário”, o prazo é 3 meses, conforme o art. 58ºnº2 b) do CPTA. Contudo, ao abrigo do art.58ºnº4 CPTA, qualquer das pessoas ou entidades com legitimidade para impugnar o acto anulável podem faze-lo, mesmo expirado o prazo de 3 meses prescrito pelo art.58nº2 b), desde que, por um lado, ainda não tenha expirado o prazo de 1 ano e, por outro, o tribunal, ouvida(s) a(s) outra(s) parte(s) no processo, em nome do principio do contraditório, considere provada a ocorrência de uma das circunstanciais que se segue: a) a conduta da administração induziu o interessado em erro; b) o atraso na impugnação é desculpável em virtude da ambiguidade do quadro normativo ou das dificuldades que colocava á identificação do acto impugnável ou a questão da sua qualificação como acto administrativo ou como norma; ou, c) verificou-se uma situação de justo impedimento.

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