segunda-feira, 21 de maio de 2012

Pretensões respeitantes a normas regulamentares

1. Delimitação do conceito de regulamento administrativo:



Os regulamentos são normas jurídicas emanadas no exercício do poder administrativo por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada, que seja para tal habilitada por lei.[1]

Os regulamentos são normas jurídicas, no sentido que são dotados das características da generalidade e abstracção, mas estão, no entanto, no patamar inferior do ordenamento jurídico. Necessitam de uma lei para serem emitidos, a chamada ‘’lei habilitante’’, e não podem ser contrários à lei ordinária.



2. Pretensões respeitantes a normas regulamentares:



O que está em causa são litígios relacionados com normas regulamentares, ou seja, com normas emanadas no exercício da função administrativa, e a sua produção obedece ao Direito Administrativo, competindo aos tribunais administrativos fiscalizar a observância dessas regras.

O CPTA regula esta matéria nos artigos 72º e seguintes, tendo por objecto a declaração da ilegalidade de normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo (art.º 72º n.º 1).

Segundo o art.74º, a dedução do pedido de declaração de ilegalidade das normas regulamentares não está sujeita a prazo, ou seja, pode ser pedida a todo o tempo.

As pretensões que podem ser intentadas respeitantes a regulamentos administrativos são as seguintes:

- Desaplicação incidental de normas regulamentares;

- Declaração da ilegalidade de normas regulamentares sem força obrigatória geral;

- Declaração da ilegalidade de normas regulamentares com força obrigatória geral;

- Condenação à emissão de regulamentos;



Vejamos detalhadamente cada uma destas pretensões nos pontos seguintes.



3. Desaplicação incidental de normas regulamentares:



Quando um particular é objecto de uma decisão concreta que lhe aplica uma norma regulamentar que considera ilegal, ele pode reagir contra essa decisão concreta, suscitando, então, o incidente da ilegalidade da norma regulamentar aplicada.

Se o tribunal considerar procedente o incidente, recusa-se a aplicar a norma regulamentar que considera ilegal e por isso anula ou declara nula a decisão impugnada pelo particular, de modo a evitar consequências da norma regulamentar ilegal.

A legitimidade para intentar este incidente consta do artigo 55º CPTA, respeitante à legitimidade activa para impugnar actos administrativos, sendo por isso uma legitimidade que contém um leque alargado de sujeitos que podem pretender este incidente para afastar uma norma regulamentar que lhe é aplicada por via de uma decisão concreta, e que considere ilegal.



4. Declaração da ilegalidade de normas regulamentares sem força obrigatória geral:



Estão aqui em causa os casos em que uma norma regulamentar lesa directamente os seus destinatários, mas sem que tenha havido uma decisão concreta de aplicação, como na pretensão anterior.

O artigo 73º CPTA prevê a possibilidade da impugnação directa da norma regulamentar, ainda que esta impugnação seja orientada apenas a obter, da parte do tribunal, uma recusa de aplicação da norma a título principal. O que significa que não tem força obrigatória geral, a declaração da sua ilegalidade só vale para o interessado, e o que se visa é obter a desaplicação da norma regulamentar a este.

O tribunal não elimina, assim, da ordem jurídica a norma regulamentar, apenas declara a sua ilegalidade sem força obrigatória geral, que apenas terá efeito quanto à situação do interessado, a quem a norma não será aplicada caso o pedido seja procedente.

A restrição do artigo 72º n.º 2 não tem aplicação, porque este só tem em vista as situações de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral. Ora, tal significa que a declaração sem força obrigatória geral pode ser fundamentada na inconstitucionalidade da norma impugnada.

É ainda necessário fazer referência ao que conta no artigo 75º, uma vez que este preceito estabelece que o juiz não está limitado, na sua apreciação, aos argumentos que possam ser invocados contra a norma impugnada, podendo decidir ‘’com fundamento na ofensa de princípios ou normas jurídicas diversos daqueles cuja violação haja sido invocada’’.

Quanto à legitimidade, a declaração da ilegalidade sem força obrigatória geral, pode ser pedida por quem alegue ser lesado pelos efeitos de normas que se produzem imediatamente na sua esfera jurídica, sem dependência de qualquer acto concreto de aplicação. Assim como por qualquer das pessoas ou entidades legitimadas a fazê-lo em defesa dos valores referidos no artigo 9º n.º2 CPTA. É isto que é estabelecido no artigo 73º n.º2 CPTA.



5. Declaração da ilegalidade de normas regulamentares com força obrigatória geral:



O artigo 76º CPTA faz referência aos efeitos desta declaração, e estes são a eliminação da ordem jurídica da norma regulamentar ilegal com efeitos retroactivos e repristinatórios.

Em princípio esta declaração produz efeitos retroactivos, mas há casos em que tal não acontece, e são os ressalvados pelo n.º3 do art.º 76º, nomeadamente, as situações consolidadas, para salvaguardar a segurança jurídica. Por outro lado, o juiz também pode decidir que a retroactividade seja afastada ou limitada, quando razões de segurança jurídica, de equidade ou de interesse publico de excepcional relevo o justifiquem, desde que devidamente fundadas. É o que o art.º 76º n.º2 determina.

Quanto aos fundamentos, existe uma limitação, a que consta do artigo 72º n.º 2 CPTA, não podendo, por isso, se fundamentar na inconstitucionalidade da norma impugnada, art.º 281º n.º1 CRP.

Só o Tribunal Constitucional pode declarar com força obrigatória geral a inconstitucionalmente de qualquer norma, mesmo as ditadas pela administração.  

Repete-se o contante no artigo 75º CPTA, que o juiz não está limitado aos argumentos invocados contra a norma regulamentar.

Relativamente à legitimidade para pedir a declaração com força obrigatória geral, pode ser requerida pelo Ministério Público, sem dependência de quaisquer requisitos, art.º 73º n.º3 CPTA, oficiosamente ou a ou mediante requerimento apresentado pelas pessoas e entidades mencionadas no artigo 9º n.º2. No entanto, o Ministério tem o dever de deduzir o pedido quando tenha conhecimento de três decisões de desaplicação de uma norma com fundamento na sua ilegalidade – art.º 73º n.º4 CPTA.

A declaração pode também ser pedida por quem tenha sido prejudicado pela aplicação da norma ou possa vir a sê-lo em momento próximo, no entanto com o limite de que tal pedido só pode ser intentado quando a norma em causa já tiver sido julgada ilegal por qualquer tribunal, em três casos concretos – art.º 73º n.º1 CPTA. Basta um interesse de facto, não é preciso um direito subjectivo, uma vez que a norma lesou o particular, bastando esta lesão para a lei. Esse interesse é pessoal, tem que haver um prejuízo na sua esfera pessoal diferenciado em relação à restante colectividade.

O interessado lesado por uma norma directamente aplicável, mas já julgada ilegal em três casos concretos, não está obrigado a pedir a declaração de ilegalidade dessa norma com força obrigatória geral. Ele pode limitar-se a pedir que a declaração seja proferida com efeitos restritos ao seu caso concreto, com o intuito de evitar o risco de se ver confrontado com uma decisão que tenha os efeitos constantes no art.º 76º CPTA.



6. Condenação à emissão de regulamentos:



É o artigo 77º CPTA que permite reagir contra a omissão ilegal de normas administrativas, que sejam necessárias para dar exequibilidade a actos legislativos carentes de regulamentação.

O regime do art.º 77º n.º2 não só atribui ao tribunal o poder de dar conhecimento da situação de omissão ao órgão competente, como também lhe atribui o poder de fixar o prazo, não inferior a 6 meses, dentro do qual a omissão deverá ser suprida.

Apesar de o artigo fazer referência a ‘’aprecie e verifique’’, o facto é que esta declaração de omissão está mais próxima de uma sentença de condenação do que de uma sentença de meramente declarativa ou de simples apreciação, e isto porque ela reconhece a existência de um dever omitido e estabelece um prazo para o seu cumprimento. A inobservância deste prazo é qualificada como uma desobediência à sentença, o que habilita o beneficiário desta a desencadear os mecanismos de execução adequados, fixando um prazo limite com imposição de uma sanção pecuniária compulsória aos responsáveis pela persistência na omissão. Artigos 164º n.º4 d), 168º e 169º.

A legitimidade consta do n.1 do art.º 77º, e pertence ao Ministério Público e demais entendidadas defensoras dos interesses do art.º 9º n.º 2, e quem alegue um prejuízo que seja directamente resultante da situação da omissão.















[1] Freitas do Amaral

Sem comentários:

Enviar um comentário