O
objectivo do procedimento cautelar é claramente assegurar a utilidade da sentença
final no processo principal, acautelando o efeito útil de uma futura decisão
judicial. No fundo, este procedimento existe unicamente como uma consagração do
princípio da tutela judicial efectiva, pois em muitas situações, sem que exista
a decretação de uma providência cautelar o particular não retirará qualquer
utilidade da sentença. Estamos então a transmitir a ideia bem patente desta
garantia dos particulares, prevista no artigo 268º, nº 4 da Constituição.
Antes da reforma do Contencioso
Administrativo de 2002, que estabeleceu o Código de Processo dos Tribunais
Administrativos (CPTA), encontrava-se em vigor a Lei de Processo dos Tribunais
Administrativos (LPTA). No âmbito desta lei e no que diz respeito ao
procedimento cautelar, estava prevista no artigo 76º a possibilidade de se
requerer aos Tribunais Administrativos a suspensão da eficácia do acto
administrativo. Todavia, este meio apenas podia ser accionado se se
verificassem três requisitos (cumulativos), dos quais passo a enunciar: a
execução do acto tinha de provocar prejuízo de difícil reparação para o
requerente; a suspensão não podia causar grave lesão do interesse público e do
processo não podiam resultar fortes indícios da ilegalidade da interposição do
recurso. O procedimento era então manifestamente insuficiente, o que conduzia a
uma situação de inconstitucionalidade por omissão, prevista no artigo 283º da
Constituição.
O CPTA determina o regime aplicável
aos processos cautelares nos artigos 112º a 134º. Segundo o artigo 112º, nº 1,
será admissível qualquer providência cautelar, desde que se mostre adequada a
assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo. O nº 2 do mesmo
artigo traduz um elenco de providências, mas é meramente exemplificativo. Para
além disso, demonstra-nos que a providência pode ser recusada quando os danos
que resultarem da sua concessão se mostrem superiores àqueles que resultariam
da sua recusa. Com efeito, terá de se proceder a uma análise detalhada dos
vários interesses em jogo, tendo em conta o princípio da proporcionalidade. Só
assim se consegue comparar a situação do requerente com os interesses
contrapostos aos seus. Este mesmo artigo procede ainda a uma distinção de duas
categorias de providências: as denominadas providências antecipatórias e as
providências conservatórias, existindo um regime próprio para cada uma delas.
Enquanto as primeiras visam que certo direito seja conferido provisoriamente,
pelo que constitui uma inovação na ordem jurídica preexistente (Ex: atribuição
provisório de um subsídio - 120º, nº 1, c), as segundas destinam-se a
salvaguardar o status quo existente
há data de interposição do procedimento cautelar, evitando assim que se produza
certo efeito considerado nefasto (Ex: suspensão da eficácia do acto
administrativo. 120, nº 1, b). O requerente terá de demonstrar que a pretensão
que formulou, no processo principal não é manifestamente infundada (fumus non
malus iuris) e existe um fundado receio da constituição de uma situação de
facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (periculum in
mora). Pata terminar e sem me pretender alongar nesta questão, é apenas de
salientar que a providência se deve limitar ao estritamente necessário, de modo
a proteger os interesses do requerente. Todavia, também este pode ser
responsabilizado civilmente, de acordo com o artigo 126º, nº 2, caso cause
danos (com dolo ou negligência grosseira) ao requerido e a eventuais contra
interessados.
Decretação provisória da providência
cautelar e relação com a intimação para a protecção de direitos, liberdades e
garantias
O artigo 131º do CPTA prevê um
regime deveras relevante em matéria de direitos, liberdades e garantias, uma
vez que estabelece que pode ser decretada provisoriamente uma providência
quando o exercício destes direitos não se coadune com o procedimento cautelar
normal e exista uma situação de especial urgência. Pergunta-se nesta hipótese,
se se deverá a mesma manter o direito ao contraditório do requerido? Penso que
não existirá grandes dúvidas nesta questão. Tendo em conta o artigo 131º, nº 4
tal direito deverá ser conservado, excepto em casos em que a audição do mesmo
ponha em causa o exercício do direito. A decisão deste procedimento é
provisória (131º, nº 6), sendo que caso a providência subsista,
transformar-se-á numa decisão final do procedimento cautelar. Dito de outra
forma, estamos perante situações em que é necessário obter em tempo útil, logo
com caractér de urgência, uma decisão (ainda que provisória) sobre a questão de fundo, sob pena de nos depararmos com uma situação de intolerável denegação de justiça.
A intimação para a protecção de
direitos, liberdades e garantias é um processo principal, urgente, que se
encontra consagrado nos artigos 109º a 111º do CPTA e veio dar execução ao
disposto no artigo 20º, nº 5 da Constituição. Este processo deve ser utilizado
quando seja necessário uma rápida decisão definitiva de mérito em que se
pretenda impor à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa
que se revele indispensável a assegurar o exercício, em tempo útil, de um
direito, liberdade ou garantia, ou por não ser suficiente, nas circunstâncias
do caso concreto, o decretamento provisório de uma providência cautelar. A
celeridade da tramitação da intimação variará consoante a urgência que esteja
presente no caso concreto. Quando a questão seja complexa far-se-á uso da
tramitação da administração especial, segundo o artigo 110º, nº 3, mas
reduzindo-se os prazos a metade, caso contrário seguirá um regime de tramitação
mais célere (110º, nº 1 e nº 2). Em situações de especial urgência, em que
esteja em causa a potencial lesão iminente e irreversível do direito, liberdade
ou garantia o Tribunal poderá tomar decisão, à semelhança do que acontece na
decretação provisória da providência cautelar em situações de especial
urgência, no prazo de 48 horas, quando entenda ser necessário uma especial
celeridade na tomada da mesma.
Conhecendo agora estes meios
processuais, cabe proceder à sua distinção. Quanto ao regime de direitos,
liberdades e garantias, coloca-se desde logo uma questão: caberá neles apenas
os denominados direitos puros, ou poderemos abranger ainda direitos
fundamentais de natureza análoga? E qual o campo de aplicação destes meios
processuais, já que ambos tratam da protecção de direitos, liberdades e
garantias face a actuações da Administração? No que diz respeito à primeira
pendência, é de relembrar o artigo 17º da CRP que dita a aplicação do regime de
direitos, liberdade e garantias aos direitos fundamentais de natureza análoga,
fazendo pois uma equiparação de regime, o que é relevante para concretizar o
alcance desta questão. Assim, em sintonia ambos os procedimentos devem abranger
os direitos, liberdades e garantias previstos no Título II da Parte I da CRP,
bem como outros direitos fundamentais dispersos pelo texto constitucional, de
natureza análoga, podendo dar-se como exemplo o direito de propriedade. Esta é
a posição defendida pela maioria da doutrina, nomeadamente por Carla Amado
Gomes, Isabel Celeste Fonseca, Maria Fernanda Maças e José Vieira de Andrade.
Segundo este não é mesmo legítima a extensão que é feita para a protecção de
eventuais interesses, que tenham meramente uma ligação instrumental com a
realização de direitos constitucionais. Todavia, orientação distinta é
defendida por Jorge Reis Novais, que considera direitos, liberdades e garantias
para efeitos de intimação, aqueles que resultam da concretização por lei
ordinária de direitos fundamentais.
No que toca ao campo de aplicação,
enquanto a intimação deve ser utilizada quando a protecção que seja requerida
pelo particular apenas seja possível mediante uma decisão a título definitivo
do mérito da causa, não sendo necessário uma decisão posterior do Tribunal, a
decretação provisória de uma providência cautelar simplesmente deverá ser usada
de forma a salvaguardar a decisão a proferir no processo principal, a que a
providência se encontre adstrita. Trata-se de uma composição provisória e instrumental do litígio, que é suficiente para proteger o direito, liberdade ou garantia em causa, desde que a providência seja decretada com a máxima urgência, após o momento da sua solicitação. Aliás,
qualquer tipo de providência cautelar não pode ser utilizada quando tenha como
efeito a geração de uma situação de facto que torne desnecessária a sentença a
emitir no processo principal. Com efeito, o primeiro é subsidiário do segundo,
exigindo para a admissibilidade do recurso a tutela prevista nos artigos 109º e
seguintes, que não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma
providência cautelar. Deste modo, é mesmo de concluir que a intimação para
protecção de direitos, liberdades e garantias não é a via normal de reacção a
utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e
garantias. O meio normal de defesa dos direitos fundamentais são precisamente
as acções administrativas comuns ou especiais, associadas eventualmente à
dedução de um pedido de decretamento de providências cautelares, destinadas a
assegurar a utilidade da sentença.
Por fim e no que diz respeito à extensão da
subsidiariedade definida no artigo 109º, cabe perguntar se esta apenas se
reflecte relativamente às providências cautelares de carácter genérico, segundo
o disposto no artigo 131º ou será que também é subsidiária relativamente a toda
e qualquer providência cautelar especificamente orientada para a defesa de certos
direitos, liberdades e garantias? A maioria da doutrina tem entendido que o
nexo de subsidiariedade estabelecido entre a intimação e o decretamento
provisório de qualquer providência cautelar de natureza genérica não pode
deixar de se estender às providências cautelares específicas de protecção de
direitos, liberdades e garantias. O nº 1 do artigo 109º prevê pois, uma
subsidiariedade mais ampla, do que a estipulada na própria norma, uma vez que
faz todo o sentido que o recurso à intimação tenha também como pressuposto a inexistência
de qualquer outro meio processual especial de defesa de direitos, liberdades e
garantias. Para além da questão da subsidiariedade, cabe ainda referir, que o
requerente da intimação terá que alegar e provar (ainda que de forma sumária)
que só a procedência do pedido de intimação lhe proporcionará a plenitude do
exercício do seu direito, demonstrando assim a indispensabilidade da intimação,
face ao caso concreto.
Bibliografia:
· ALMEIDA, Mário Aroso de, “O Novo Regime do Processo dos
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· ALMEIDA, Mário Aroso de, “Tutela executiva e declarativa no
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· ANDRADE, José Carlos Vieira de, “Tutela Cautelar”, Cadernos
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· FIRMINO, Ana Sofia, “Processos Urgentes”, Novas e Velhas
Andanças do Contencioso Administrativo – Estudos Sobre a Reforma do Processo
Administrativo, A.A.F.D.L., 2005.
· GOMES, Carla Amado, “A intimação para protecção de que
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50.
· MAÇAS, Fernanda, “Meios Urgentes e Tutela Cautelar –
Perplexidade quanto
ao sentido e Alcance de alguns Mecanismos de Tutela Urgente”, A Nova
Justiça Administrativa, Centro de Estudos Judiciários, Coimbra Editora,2006.
· SILVA, Vasco Pereira da, “O Contencioso Administrativo no
Divã da Psicanálise”, Almedina,
2005.
· SILVA, Vasco Pereira da, “Todo o contencioso administrativo
se tornou de plena Jurisdição”, Cadernos de Justiça Administrativa, nº 34.
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