terça-feira, 22 de maio de 2012

A impugnação de normas regulamentares



O regulamento administrativo é uma decisão de um órgão da Administração Pública que visa, ao abrigo de normas de Direito Público, produzir efeitos jurídicos em situações gerais e abstractas. Esta definição, como refere MARCELO REBELO DE SOUSA[1], resulta da modificação a que foi sujeita a definição de acto administrativo presente no artº 120 do CPA, e que segundo o Professor permite identificar o regulamento administrativo como um acto positivo, imaterial e unilateral; porque emitido por um órgão administrativo, um acto da administração; porque emitido ao abrigo de normas de Direito Público é, necessariamente, um acto de gestão pública; tendo em vista a produção de efeitos jurídicos dever-se-á considerar um acto jurídico; e produzindo-se esses efeitos em situações gerais e abstractas, trata-se de um acto normativo.

Posto isto, e porque enquanto forma da actividade administrativa, os regulamentos estão sujeitos ao princípio da legalidade (tanto na vertente de preferência de lei como na vertente de reserva de lei) a questão que aqui pretendemos aludir prende-se com a questão de os regulamentos ilegais serem susceptíveis de impugnação contenciosa podendo os tribunais declarar a sua ilegalidade com força obrigatória geral, como resulta dos artº 268º, nº 5 da CRP e artºs 72, nºs 1, 2, 4 e 76º, nº 2 do CPTA.

Segundo VASCO PEREIRA DA SILVA[2], a impugnação de normas administrativas, como resulta do artº 72º e ss do CPTA é aplicável a todas as actuações gerais e abstractas, ou às que possuam apenas uma dessas características, emanadas de autoridades públicas, no exercício da função administrativa.

Numa nota história, cabe referir que na altura que antecedeu a reforma do Contencioso Administrativo, era possível reagir contra os regulamentos administrativos de três formas:
- a via incidental, sendo o regulamento apreciado apenas indirectamente, como incidente da questão principal;
- através de um meio processual genérico de declaração de ilegalidade de normas administrativas;
- e, por último, através de um meio processual especial de impugnação de normas.

Do actual regime, e seguindo o que ensina a regência, cabe referir que o legislador distingue três regras distintas. A primeira, a regra geral, que é a que resulta do artº 72º, nº1 do CPTA de onde resulta que a declaração de ilegalidade tem como pressuposto a existência de três casos concretos em que a aplicação da norma tenha sido recusada com fundamento na sua ilegalidade. A segunda, relativa à acção pública, determina que pode o Ministério Público, a requerimento ou oficiosamente, pedir a desaplicação e a declaração de ilegalidade da mesma (artº 73º, nº3 do CPTA) – o que resulta numa extensão da sua intervenção no processo. E a terceira regra, relativa à acção para defesa de direitos, assim como a acção popular, relaciona-se com a possibilidade de ser declarada a ilegalidade ainda que se trate de uma norma jurídica de exequibilidade imediata, produzindo apenas efeitos no caso concreto – artº 73º, nº2 do CPTA.

Pelo que é exposto, pode retirar-se, juntamente com VIEIRA DE ANDRADE, e, tal como resulta dos artºs 72º e 73º do CPTA, que existem duas modalidades de impugnação de normas, uma vez que se admite o pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral e o pedido de declaração de ilegalidade no caso concreto[3].

Para VASCO PEREIRA DA SILVA, havendo um processo destinado a apreciar a legalidade de um regulamento, e concluíndo-se pela ilegalidade, que tal só possa valer para aquele caso concreto. E isto porque, da perspectiva constitucional, a não aplicação da norma jurídica corresponde à ofensa do direito fundamental de impugnação de regulamentos (artº 268º, nº5 CRP), como à violação dos princípios basilares da Ordem Jurídica, como será o princípio do Estado de Direito Democrático. Parece também de duvidar do facto de, ainda que sendo declarada ilegal, a norma jurídica subsista no ordenamento jurídico.

O que se retira da doutrina analisada é, sem duvida, uma opinião desfavorável a esta opção do legislador.

Uma última questão relativamente a este tema prende-se com a sentença de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral. Esta tem eficácia retroactiva e repristinatória, nos termos do artº 76º, nº 1 do CPTA, não afectando, no entanto, os casos julgados nem os actos que se tenham tornado inimpugnáveis, numa disposição claramente influenciada pelo regime da inconstitucionalidade. No entanto, e para VASCO PEREIRA DA SILVA, não se afigura correcto submeter como limite o acto inimpungável porque, tal como justifica, os actos consequentes de regulamento inválido são nulos, nos termos do artº 133º do CPA, como tornar um acto ilegal inimpugnável iria contrariar disposições constitucionais.

O problema coloca-se quando não seja possível a repristinação do acto anterior, seja porque é considerado ilegal ou inconstitucional. Aqui discute-se da admissibilidade da condenação da Administração, por parte do tribunal, à prática do regulamento devido. Tal solução, pelas características próprias do acto em si, embora se possa referir que cairiamos num vazio normativo, iria em ultima análise implicar a violação da Margem de Livre Decisão da Administração e o próprio princípio da Separação de Poderes.


[1] MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO MATOS, Direito Administrativo Geral – Actividade administrativa, Tomo III, 2ª Ed., D. Quixote, 2009
[2] VASCO PEREIRA DA SILVA, O contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª Ed., Almedina Editora, Coimbra, 2009
[3] José Carlos VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa – Lições, Editora Almedina, Coimbra, 2011

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