segunda-feira, 21 de maio de 2012

Da admissão da extensão dos efeitos das sentenças



De acordo com o disposto no artº 156, nº 2 do CPC, sentença é o acto pelo qual o juiz ( a quem cabe administrar a justiça) decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa. Cabe aqui apreciar da extensão dos efeitos destas, possibilidade que resulta do artº 161º do CPTA, modificado pela última vez pela Lei nº 4-A/2003, de 19 de Fevereiro.
Reconhecia-se, tradicionalmente, numa posição defendida por MARCELLO CAETANO[1], que os efeitos de uma sentença anulatória seriam inter partes ou erga omnes consoante o fundamento da anulação fosse subjectivo ou objectivo, por respeitar a factos que só se verificassem no impugnante ou resultar de uma ilegalidade objectiva, respectivamente.
No entanto surgiu uma nova figura no Contencioso Administrativo: a da extensão dos efeitos de uma sentença, nos termos do artº 161º, nº 1 do CPTA, que pode ser pedida quando tenha sido anulado um acto administrativo desfavorável (numa acção administrativa especial) ou quando se tenha reconhecido uma situação jurídica favorável (numa acção administrativa comum). Refere-se quanto a esta possibilidade o facto de só se justificar esta extensão se o fundamento for comum ou se se tratar de um acto plural. Assim, referiu o Tribunal Constitucional que “(...)não competindo ao Tribunal Constitucional, nesta sede, tomar partido sobre a interpretação tida por mais correcta da norma em causa, há que conside­rar, como um dado da questão de inconstitucionalidade que cumpre apreciar, que o entendi­mento sufragado pelo acórdão recorrido foi o de que o instituto em causa não se circunscreve aos “actos plurais”, sendo aplicável face a actos administrativos individuais, desde que, porém, se verifiquem os demais requisitos elencados no preceito. Ac. TC Processo n.º 141/08, de 2 de Julho de 2008.
Esta extensão pode beneficiar aqueles que por se encontrarem na mesma situação jurídica e que tenham, ou não, recorrido à via judicial, a menos que existam contra-interessados (nº 5) – caso em que o recurso à via judicial é necessário, prendendo-se esta exigência com a necessidade de dar corpo ao Principio do Contraditório.
No entanto, esta admissão não pode ser entendida como passível de ser realizada em qualquer caso, uma vez que, como resulta do nº 2 do artº 161º do CPTA, tal só é permitida caso existam processos em massa.
Cabe clarificar que, a extensão dos efeitos da sentença só é válida quando existam vários casos perfeitamente idênticos (casos de funcionalismo público e no âmbito de concursos – o que, em nota comparatística, difere do que acontece em Espanha, onde é admitida a extensão em matéria tributária e de funcionalismo), quando existam cinco sentenças transitadas em julgado ou três sentenças proferidas em processos seleccionados nas situações de processos em massa.
Para haver extensão, esta tem que ser solicitada à Administração e, caso esta pretensão não proceda, ou decorra o período de três meses sem que haja uma decisão daquela, ao tribunal que tenha proferido a sentença, decorrendo a tramitação como um processo de execução de sentenças de anulação de actos administrativos. Esta remissão deve-se ao facto de as sentenças anulatórias terem uma dimensão declarativa. Como esclarece VIEIRA DE ANDRADE[2], o processo de execução de sentenças de anulação de actos administrativos não é um verdadeiro processo executivo, não extraindo apenas as consequências materiais de uma decisão anterior mas, antes, um processo cujas dimensões declarativas se retiram do facto de a sentença conhecer a situação, produzindo ou concretizando autonomamente efeitos condenatórios.
Tal sentença tem que ser considerada como uma sentença de mérito e é susceptível de recurso – no caso de o tribunal que proferiu a sentença ser um tribunal se 2ª Instância, não sendo o tribunal normalmente competente para a sua execução, o prof. VIEIRA DE ANDRADE considera ser, nesse caso, necessário fazer-se baixar o processo ao tribunal de 1ª Instância, para a execução quando se determine a extensão dos efeitos daquela.
Para o mesmo autor, esta solução legal levanta desde logo alguns problemas:
a)      A primeira prende-se com a necessidade de serem proferidas várias sentenças;
b)      E, mesmo quanto a estas, os efeitos podem ser estendidos aos restantes, a requerimento dos interessados, imediatamente para efeitos de execução de sentenças, como se retira da aplicação conjunta dos artº 48/5 e 176º, pelo que, a exigência de três processos só pode valer para os que não tiverem tido o seu processo suspenso;
c)       Ainda, pelo facto de podendo os efeitos ser estendidos aos que não recorreram à via judicial, tal poderia colocar em causa a estabilidade do caso válido. VIEIRA DE ANDRADE levanta aqui a questão de indagar se não seria pertinente exigir uma prova, ainda que não fosse da diligência processual, pelo menos da boa fé dos beneficiários (o que não chocará certamente, já que tal exigência de boa fé é feita para a situação de execução de sentença que atinjam beneficiários de actos consequentes dos actos anulados – artº 173, nº3 CPTA). Consideramos ser aqui de referir uma decisão do Tribunal Constitucional relativamente à constitucionalidade deste artigo, onde ser explana  que “é verdade que a eficácia de um acto administrativo inimpugnável – e que portanto gozava de alguma estabilidade na ordem jurídica – pode vir a ser inutilizada, por aplicação do artigo 161.º do CPTA. Mas essa destruição dos efeitos, não obstante o «caso decidido», não significa uma intolerável quebra da confiança na estabilidade das relações jurídicas inerente a um Estado de Direito. 
O acórdão recorrido sublinhou, citando a propósito o Acórdão do Tribu­nal Constitucional n.º 17/84, que o cidadão deve «poder prever as inter­venções que o Estado poderá levar sobre ele ou perante ele e preparar‑se para se ade­quar a elas. (…) Deve poder confiar em que a sua actuação seja reco­nhecida pela ordem jurídica e assim permaneça em todas as consequências juridica­mente relevantes». Ora, a introdução na ordem jurídica do artigo 161.º do CPTA não é uma ruptura inesperada da irrelevância (em determinadas situa­ções) do caso decidido. A lei, a doutrina e a jurisprudência desde sempre admitiram – como veremos – hipóteses em que o caso decidido não gozava de total protecção.” Ac. TC Processo n.º 141/08, de 2 de Julho de 2008.
Há uma possibilidade claramente justificada de se estender os efeitos das sentenças aos que, quando não tenha havido hipótese de coligação ou apensação de processos, tenham impugnado o mesmo acto num outro processo.
Consideramos que, como nota própria, e na medida em que um dos princípios relativos à prossecução processual é o principio da economia e celeridade processual (pelo qual se define que o processo deverá ser, tanto quanto possível, o mais eficiente e célere, devendo-se evitar trâmites desnecessários ou demasiado complicados, ou até mesmo inúteis ou dilátorios), este está subjacente à alteração do Código do Procedimento Administrativo que resultou na previsão da extensão dos efeitos da sentença, pelo que estando preenchidos os requisitos do artº 161 não se vê porque não recorrer a esta possibilidade que conduzirá, em certa medida, ao descongestionamento dos Tribunais Administrativos.


[1] MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo II, 8ª Ed., Editora Almedina, Coimbra
[2] José Carlos VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa – Lições, Editora Almedina, Coimbra, 2011

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