terça-feira, 15 de maio de 2012

Da exigência das Sanções Administrativas no Contencioso Administrativo




O direito contra-ordenacional nasce no seio do Direito Penal e Processual Penal nos termos do Regime Geral das Contra-ordenacões. Acontece, porém que o legislador português foi atribuindo à Administração um poder sancionatório próprio. Ou seja, poder legalmente conferido à administração para aplicar medidas de natureza punitiva, mediante actos de autoridade susceptíveis de definir unilateralmente a situação jurídica  dos restantes sujeitos jurídicos.

Este tipo de podes sancionatórios tem vindo a ser “colonizado pelo ilícito de mera ordenação social” como nos diz ANTONIO DUARTE DE ALMEIDA.


Acontece porém, que o contencioso administrativo tem vindo a acolher os anteriores ilícitos criminais que o legislador decidiu descriminzalizar ou não punir criminalemnte: as contra-ordenacões.


A ideia de descriminalização de determinadas condutas não obteve acompanhamento no contencioso administrativo, tanto no que toca à harmonização como adequação. Para alem disso, como se trata de um domínio de fronteira existem muitas dúvidas sobre que jurisdição é competente. No fundo o problema que se nos coloca é o de conflito positivo de jurisdições, já que os limites confinantes não estão ainda definidos: se da jurisdição penal ou administrativa.


Ainda durante o Estado novo, EDUARDO CORREIA defendia que tais ilícitos deveriam ser julgados pelos tribunais administrativos. Devendo-se para isso proceder a uma extensão de competência destes, para alem da apreciação de mera ilegalidade. De outro modo, continuava o Professor de Coimbra, estar-se-ia a criminalizar decisões que justamente se não quis criminalizar.


O regime legal dos ilícitos de mera ordenação social atribui competência aos tribunais comuns (artigo 61º DL 443/82 de 27/10), aplicando subsidiariamente o direito processual criminal e equiparando os poderes instrutórios desta contra-ordenação pelos de policia na investigação criminal (artigos 41º e ss.). Há assim uma aplicação prima facie pelos órgãos administrativos seguida de ponderação judicial. O legislador optou assim pelo controlo da aplicação destas sanções através dos tribunais judiciais, não optando pela posição de EDUARDO CORREIA.


Autores há que defendem esta solução em virtude do quadro contencioso administrativo português objectivo (já pretérito) em que a fiscalização jurisdicional dos tribunais administrativos ficava limitado a um controlo de mera ilegalidade. O que significa que sendo necessário uma ponderação de mérito mais profunda nas sanções administrativas o juiz não as podia conhecer.


Por seu turno, JOAQUIM PEDRO CARDOSO, ensina-nos que a escolha do legislador deu-se por 3 motivos: a) dificuldade na definição do direito contra-ordenacional; b) necessidade de corresponder a equilíbrios conjunturais subjacentes à decisão; c) características do recurso nos termos previstos na lei.


COSTA PINTO, sobre esta matéria, reflete que actualmente não se consagra uma autonomia do acto que aplica a sanção: “quando um acto de autoridade administrativa passa a ser visto simultaneamente como um acto administrativo e um acto integrador de processo de contra-ordenação, (...) o seu regime deverá ser o do ilícito de mera ordenação social (...) e não o regime do Código de Procedimento Administrativo. Um regime diferente criaria um risco de bloqueio completo da actividade sancionatória da administração por cruzamento de regimes e garantias jurídicas.”


Neste âmbito há diversas desadequações e divergências entre jurisdições, em virtude da parquíssima harmonização e adequação de regimes jurídicos. ANTÓNIO DUARTE DE ALMEIDA lança muitos exemplos disso mesmo.


Uma diferença estrutural que salta à vista de qualquer jurista é a de que o exercício de poderes administrativos é feito através de processo escrito, enquanto que no processo judicial a pedra angular é a oralidade e imediatividade da prova.


Por seu turno, a actividade administrativa, ainda que sancionatória, pauta-se pela prossecução do interesse público assegurado pela estrutura orgânica, interna e hierárquica da administração. Ao contrario, uma vez aplicada a coima o MP não tem acesso a estas formas priveligiadas de acesso. Para alem de que segundo alguns autores a prática de contactos entre a administração e MP para a estruturação de acções é quase nula.


A actividade instrutória em sede de decisão administrativa sancionatória não é aproveitado no processo judicial, em virtude da renovação a actividade probatória toda no processo de impugnação e a desconsideração de aspectos relevantes tidos em conta no procedimento administrativo, mas não submetidos a audiência de julgamento.


Parece ainda de difícil compreensão a subjugação destas condutas à analise neste tipo de processo. O MP e o juiz criminal que detêm competências genéricas estarão mais aptos que a Administração na ponderação de questões que são especificas e tão próprias do Direito Administrativo.


De facto, não obstante o artigo 32 do Regime de Ilícito de mera ordenação social falar em subsidiariedade; o que se passa na prática é o inverso. O Direito Processual Penal é chamado à colação a título principal pela perda de relevância da actividade sancionatória em sede de impugnação judicial da decisão (artigos 59º e ss). Pelo que, ao contrario do que em petições de principio o legislador tem dito, assiste-se a uma progressiva “desautonomização” destes tipos de ilícitos, face ao ilícito penal.


Esta circunstância é de duvidosa legitimidade, ainda para mais consubstanciada no facto de ser possível alegações diferentes nos dois momentos de apreciação da conduta de forma a alterar os pressupostos da aplicação da sanção. No nosso entendimento há então uma inadequação do âmbito jurisdicional de tutela. É evidente que a imposição de sanção é um acto administrativo, pelo que se pergunta porque é que não se entende o artigo 212/3 CRP como uma reserva material absoluta de jurisdição? Se assim o entendermos o regime legal é inconstitucional: já que só a jurisdição administrativa poderia tutelar situações emergentes de relações jurídicas administrativas.


A maioria da doutrina e assim também o STA, assim não tem entendido. O Prof. VIEIRA DE ANDRADE diz-nos que “o legislador constituinte se satisfez com a definição de um âmbito regra, de um modelo típico, compatível com adições e substrações que o não descaracterizem.”


A resposta deverá, pois, passar, de iure condendo, pela autonomização do regime geral das contra-ordenações e dos regimes especiais de ilícito de mera ordenação social, para que não sobrando dúvidas e  não haja contradições, de remeta estas questões para o contencioso administrativo, nos termos do artigo 213/3 CRP?

Desta forma, as questões relativas à fiscalização de actividades económicas, financeiras, de energia ou urbanismo seriam tuteladas em sede de Jurisdição plenamente administrativa, que conhece e se especializa nestas questões, permitindo em ultima ratio (mas não menos importante) uma maior protecção dos direitos, liberdades e garantias dos particulares, como também uma mais eximia protecção do interesse público.

Mas a questão da prática jurídica não pode ser vista de um olhar utópico, desfasado da realidade concreta a que se visa aplicar. De facto surgem razões de praticabilidade que parecem impedir resposta afirmativa à pergunta acima deixada à consideração.

Em Portugal, não estão implementados muitos tribunais administrativos e caso reduzíssemos a apreciação jurisdicional destas matérias apenas a estes tribunais, as zonas geográficas mais interiores ficariam sem sobra de dúvida prejudicadas.

Foi também neste sentido que o Tribunal Constitucional apreciou a conformidade constitucional do regime legal instituído, no Acórdão 522/2008.

Assim, também entendemos. 
Mas não deixamos de fazer a critica: não deve, nem pode ser este o paradigma que se deve instalar. Pelo contrario. Fazendo vingar os argumentos aduzidos supra, à medida que o Estado tenha possibilidade de fazer germinar mais Tribunais Administrativos deve corresponder, gradualmente, a uma deslocação deste tipo de processos para a Jurisdição Administrativa.



BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
Pinto, Frederico de Lacerda da Costa. O ilícito de mera ordenação social e a erosão do princípio da subsidariedade da intervenção penal. In: Direito penal económico e europeu : textos doutrinários / compil. Instituto de Direito Penal Económico Europeu, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. - Coimbra, 1998. - Vol. 1

Almeida, António Duarte de. O Ilícito de mera ordenação social na confluência de jurisdições: tolerável ou desejável, In: Cadernos de Justiça Administrativa, Nº 71, (Set.-Out. 2008)

GOMES, VITOR. As sanções administrativas na fronteira das jurisdições. Aspectos
Jurisprudenciais. In: Cadernos de Justiça Administrativa, Nº 71, (Set.-Out. 2008)
  


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