domingo, 20 de maio de 2012

Objecto da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias (continuação)


Objecto da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias


A vexata quaestio do objecto da intimação tem sido muito debatida na doutrina e jurisprudência portuguesa.
Em jeito de resumo, cinco hipóteses são capazes de determinar o objecto da intimação.

A primeira, consiste, em apenas admitir a extensão a direitos, liberdades e garantias pessoais, plasmados na Parte I, Titulo II, Capitulo I da Constituição da Republica Portuguesa. De facto tem o apoio literal do art. 20º nº5 CRP “criação de mecanismos céleres para a protecção de direitos, liberdades e garantias pessoais”, visto estes assumirem uma estreita conexão com o principio da dignidade da pessoa humana (art. 1º CRP).
Esta posição foi seguida, por exemplo, pelo acórdão do TCAN) de 16 de Dezembro de 2004.
Todavia, esta posição é de rejeitar, visto ignora o disposto no art. 17º da CRP, abrangendo outros direitos, liberdades e garantias de natureza análoga, isto é, que detém em si mesmo uma certa determinabilidade, quando, o intérprete-aplicador, pela sua simples leitura, consiga avistar suficiente densidade de conteúdo, que lhe permita concretizá-la.

A segunda posição, entende que a intimação apenas abrange direitos, liberdades e garantias pessoais, assim como os direitos fundamentais de natureza análoga.
Neste caso, efectivamente existe uma conexão literal com o art. 20 nº5 CRP e art. 17º, afastando os demais direitos fundamentais que se encontram excluídos pelo art. 109º CPTA, por considerarem excessivo a extensão do regime a outros direitos fundamentais, em que a celeridade se subverteria; assim como de descoordenação face ao art. 53º Constituição Espanhola de 1978.
Todavia, esta posição também de se rejeitar, visto a ratio da CRP, que passa pela protecção de um patamar mínimo de direitos fundamentais, deixando os restantes no âmbito do legislador, para este potencializar e maximizar de modo a atingir um patamar óptimo/ideal de protecção dos direitos, ora, no caso, a legislação administrativa foi mais alem do que a protecção configurada no art. 20º nº5, não fazendo sentido restringir essa interpretação, que seria desconforme com o espírito do legislador.
É necessário, interpretarmos igualmente o art. 20 nº5, incluído pela revisão de 1977, não como uma preferência face a outros direitos, que seriam liminarmente excluídos, mas como uma opção do legislador de modo a evitar um exigência ambiciosa e desproporcionada face à anterior tutela jurisdicional.
O juízo de valor elaborado pelo legislador foi sim, o de proteger os direitos “fundamentalíssimos” que embatessem directamente com a dignidade da pessoa humana – os direitos clássicos ou de primeira geração.

A terceira posição advoga a extensão deste meio a todos os direitos, liberdades e garantias plasmados na Parte I, Titulo II.
Ora, como referi anteriormente, esta tese, assim como a primeira posição, é de afastar, visto excluir a aplicação do art. 17º CRP, que permite adaptar o sistema de direitos fundamentais às mutações da sociedade e exigências constitucionais.

Quanto à quarta posição, os autores defensores da mesma, consideram que o âmbito de aplicação da intimação consiste em todos os direitos, liberdades e garantias plasmados na Parte I, Titulo II, assim como aos direitos fundamentais de natureza análoga (acórdão nº5/06 TC).
Pois bem, esta tese afigura-se a mais razoável, visto estender a todos os direitos, liberdades e garantias, sem distinções.
Todavia, importa referir entender devidamente o art. 17º, no sentido de apenas serem direitos fundamentais análogos a direitos, liberdades e garantias, mas fora do catálogo próprio da Constituição, incluídos na própria CRP. Logo, ao contrário do que ensina o Sr. Professor Jorge Miranda, não existe uma dupla analogia, pois por via deste artigo apenas os direitos constitucionais de natureza análoga é que podem beneficiar do regime próprio para direitos, liberdades e garantias (opinião do Prof. Blanco de Morais).
Por via do art. 16º nº1 CRP e da sua cláusula aberta a novos direitos novos infra-constitucionais e de regras de direito internacional publico, é que se estende o âmbito de direitos, liberdades e garantias a direitos extra constitucionais (tese do Prof. Oliveira Ascensão).

E por fim, a última doutrina que entende que o objecto da intimação é extensível a todos os direitos fundamentais, incluindo direitos económicos, sociais e culturais, argumentando que a distinção entre categorias de direitos fundamentais é puramente artificial.
Este tese merece profundas criticas: - por subverter por completo a celeridade de mérito de direitos fundamentais, entupindo os tribunais; - desrespeitar o juízo de valor formulado pelo legislador aquando do art. 20 nº5, não existindo qualquer sentido literal relativo ao preceito; - é necessário existir diferenças de regime, face à natureza de cada direito fundamental, apesar de tanto direitos, liberdades e garantias assim como direitos, económicos, sociais e culturais serem direitos fundamentais.

É claro que, se o legislador entendesse aplicar este meio a outros direitos fundamentais, não instituía a “intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias”, mas sim “intimação para protecção de direitos fundamentais”.
Óbvio que pode ser apresentada crítica, ao que foi referido anteriormente por também se ampliar o âmbito de aplicação da intimação face ao disposto no art. 20º nº5, todavia, é necessário referir que ainda há um minimus de interpretação literal com o espírito do legislador.
Todavia, torna-se premente, face as sucessivas mutações da sociedade e consequentemente do Direito, ampliar a aplicação da intimação a direitos sociais, económicos e culturais que estejam suficientemente densificados normativamente, passível de ser aplicado directamente, não existindo uma violação de poderes entre a jurisdição administrativa e a legislativa ordinária, que optará pelas escolhas primárias do ordenamento jurídico português, as quais devem ser respeitadas pela Administração Pública.

Em suma, a opinião adoptada passa pela ampliação do âmbito de aplicação da intimação a direitos, liberdades e garantias plasmados na Parte I, Titulo II, assim como aos direitos fundamentais de natureza análoga (art. 17º), como de direitos reconhecidos fora da constituição (art. 16º nº1), assim como de direitos económicos, sociais e culturais suficientemente concretizados e densificados normativamente.  



 
Bibliografia:

-       GOMES, Carla Amado, Estudos em homenagem ao Professor Doutor Inocência Galvão Telles, VOL. V, Direito Publico e Vária, Almedina 2003;
-       GOMES, Carla Amado, separata da Revista do Ministério Publico, Ano 26, (Out. – Dez), nº104, 2005;
-       ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 2010, Almedina
-       ANDRADE, José Carlos Vieira de, A justiça Administrativa Lições, 2011 11º Edição, Almedina
-       SILVA, Liliana Cunha, in Intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias – tese de mestrado;



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