Objecto da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias
A
vexata quaestio do objecto da
intimação tem sido muito debatida na doutrina e jurisprudência portuguesa.
Em
jeito de resumo, cinco hipóteses são capazes de determinar o objecto da
intimação.
A
primeira, consiste, em apenas
admitir a extensão a direitos, liberdades e garantias pessoais, plasmados na
Parte I, Titulo II, Capitulo I da Constituição da Republica Portuguesa. De
facto tem o apoio literal do art. 20º nº5 CRP “criação de mecanismos céleres
para a protecção de direitos, liberdades e garantias pessoais”, visto estes
assumirem uma estreita conexão com o principio da dignidade da pessoa humana
(art. 1º CRP).
Esta
posição foi seguida, por exemplo, pelo acórdão do TCAN) de 16 de Dezembro de
2004.
Todavia,
esta posição é de rejeitar, visto ignora o disposto no art. 17º da CRP,
abrangendo outros direitos, liberdades e garantias de natureza análoga, isto é,
que detém em si mesmo uma certa determinabilidade, quando, o
intérprete-aplicador, pela sua simples leitura, consiga avistar suficiente
densidade de conteúdo, que lhe permita concretizá-la.
A
segunda posição, entende que a
intimação apenas abrange direitos, liberdades e garantias pessoais, assim como
os direitos fundamentais de natureza análoga.
Neste
caso, efectivamente existe uma conexão literal com o art. 20 nº5 CRP e art.
17º, afastando os demais direitos fundamentais que se encontram excluídos pelo
art. 109º CPTA, por considerarem excessivo a extensão do regime a outros
direitos fundamentais, em que a celeridade se subverteria; assim como de
descoordenação face ao art. 53º Constituição Espanhola de 1978.
Todavia,
esta posição também de se rejeitar, visto a ratio da CRP, que passa pela
protecção de um patamar mínimo de direitos fundamentais, deixando os restantes
no âmbito do legislador, para este potencializar e maximizar de modo a atingir
um patamar óptimo/ideal de protecção dos direitos, ora, no caso, a legislação
administrativa foi mais alem do que a protecção configurada no art. 20º nº5,
não fazendo sentido restringir essa interpretação, que seria desconforme com o
espírito do legislador.
É
necessário, interpretarmos igualmente o art. 20 nº5, incluído pela revisão de
1977, não como uma preferência face a outros direitos, que seriam liminarmente
excluídos, mas como uma opção do legislador de modo a evitar um exigência
ambiciosa e desproporcionada face à anterior tutela jurisdicional.
O
juízo de valor elaborado pelo legislador foi sim, o de proteger os direitos
“fundamentalíssimos” que embatessem directamente com a dignidade da pessoa
humana – os direitos clássicos ou de primeira geração.
A
terceira posição advoga a extensão
deste meio a todos os direitos, liberdades e garantias plasmados na Parte I,
Titulo II.
Ora,
como referi anteriormente, esta tese, assim como a primeira posição, é de
afastar, visto excluir a aplicação do art. 17º CRP, que permite adaptar o
sistema de direitos fundamentais às mutações da sociedade e exigências
constitucionais.
Quanto
à quarta posição, os autores
defensores da mesma, consideram que o âmbito de aplicação da intimação consiste
em todos os direitos, liberdades e garantias plasmados na Parte I, Titulo II,
assim como aos direitos fundamentais de natureza análoga (acórdão nº5/06 TC).
Pois
bem, esta tese afigura-se a mais razoável, visto estender a todos os direitos,
liberdades e garantias, sem distinções.
Todavia,
importa referir entender devidamente o art. 17º, no sentido de apenas serem
direitos fundamentais análogos a direitos, liberdades e garantias, mas fora do catálogo
próprio da Constituição, incluídos na própria CRP. Logo, ao contrário do que
ensina o Sr. Professor Jorge Miranda, não existe uma dupla analogia, pois por
via deste artigo apenas os direitos constitucionais de natureza análoga é que
podem beneficiar do regime próprio para direitos, liberdades e garantias
(opinião do Prof. Blanco de Morais).
Por
via do art. 16º nº1 CRP e da sua cláusula aberta a novos direitos novos
infra-constitucionais e de regras de direito internacional publico, é que se
estende o âmbito de direitos, liberdades e garantias a direitos extra constitucionais
(tese do Prof. Oliveira Ascensão).
E
por fim, a última doutrina que
entende que o objecto da intimação é extensível a todos os direitos
fundamentais, incluindo direitos económicos, sociais e culturais, argumentando
que a distinção entre categorias de direitos fundamentais é puramente artificial.
Este
tese merece profundas criticas: - por subverter por completo a celeridade de
mérito de direitos fundamentais, entupindo os tribunais; - desrespeitar o juízo
de valor formulado pelo legislador aquando do art. 20 nº5, não existindo
qualquer sentido literal relativo ao preceito; - é necessário existir
diferenças de regime, face à natureza de cada direito fundamental, apesar de
tanto direitos, liberdades e garantias assim como direitos, económicos, sociais
e culturais serem direitos fundamentais.
É
claro que, se o legislador entendesse aplicar este meio a outros direitos
fundamentais, não instituía a “intimação para protecção de direitos, liberdades
e garantias”, mas sim “intimação para protecção de direitos fundamentais”.
Óbvio
que pode ser apresentada crítica, ao que foi referido anteriormente por também
se ampliar o âmbito de aplicação da intimação face ao disposto no art. 20º nº5,
todavia, é necessário referir que ainda há um minimus de interpretação literal com o espírito do legislador.
Todavia,
torna-se premente, face as sucessivas mutações da sociedade e consequentemente
do Direito, ampliar a aplicação da intimação a direitos sociais, económicos e
culturais que estejam suficientemente densificados normativamente, passível de
ser aplicado directamente, não existindo uma violação de poderes entre a
jurisdição administrativa e a legislativa ordinária, que optará pelas escolhas
primárias do ordenamento jurídico português, as quais devem ser respeitadas
pela Administração Pública.
Em
suma, a opinião adoptada passa pela ampliação do âmbito de aplicação da
intimação a direitos, liberdades e garantias plasmados na Parte I, Titulo II,
assim como aos direitos fundamentais de natureza análoga (art. 17º), como de
direitos reconhecidos fora da constituição (art. 16º nº1), assim como de
direitos económicos, sociais e culturais suficientemente concretizados e
densificados normativamente.
Bibliografia:
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SILVA, Liliana
Cunha, in Intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias – tese
de mestrado;
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