sábado, 5 de maio de 2012

Impugnação de Normas e Declaração de Ilegalidade por Omissão – Pressupostos

 No que a esta matéria diz respeito, podem ser colocar três problemas, aos quais tentarei dar resposta:
·         Interpretação a dar à previsibilidade presente no artigo 73.º/1 do CPTA;

·         Será que o Ministério Público tem discricionariedade para atuar ou não atuar quando lhe é requerido para pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral pelas entidades do artigo 9.º/2 do CPTA, com base no artigo 73.º/3 do CPTA?

·         Impossibilidade ou não de ação popular no domínio da impugnação de normas regulamentares com força obrigatória geral?
O artigo 73.º do CPTA trata dos pressupostos para a impugnação de normas e declaração de ilegalidade por omissão. Contudo, podemos diferenciar a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral e a declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral. O artigo 73.º/1 do CPTA regula a legitimidade para todas as pessoas para a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral colocando dois pressupostos: tem de haver um prejuízo resultado da aplicação da norma ou então esse prejuízo tem de ser previsível que venha a ocorrer em momento próximo e, cumulativamente, a aplicação dessa norma já terá de ter sido previamente recusada em três casos concretos. Em relação ao primeiro requisito pode colocar-se a questão de saber o que se deve entender por previsível. Esta demonstração caberá ao autor, que no caso em que não houve ainda prejuízo consumado, é previsível e iminente que esse dano venha a ocorrer na sua esfera jurídica. Como refere Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira (1) cabe ao tribunal realizar dois juízos de prognose: “o da verificação da verossimilhança da lesão e o da constatação da proximidade temporal da aplicação da norma”. Não será correto e aceitável, pedir ao particular que aguarde que a lesão se concretizem ou então que passe de “meramente previsível para perigosamente previsível” (2). Desta forma, em relação a esta primeira questão colocada será correto afirmar que se deve proteger o particular e não criar na sua esfera jurídica problemas que são previsíveis de virem a ocorrer, e esperar que os mesmos ocorram para que o mesmo possa atuar. Assim, o que relava será mesmo a previsibilidade da lesão, sendo que a proximidade temporal um pressuposto complementar, que não poderá ser tido como autónomo. 
            O Ministério Público tem também legitimidade para requerer a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral – artigo 73.º/3 do CPTA. Aqui são dispensados os pressupostos analisados em supra, pelo que não será necessário existir três decisões em que a norma tenha sido previamente recusada. Aqui o Ministério Público pode atuar por iniciativa própria, ou seja, oficiosamente, ou pode atuar porque lhe foi requerida essa atuação por parte das entidades referidas no artigo 9.º/2 do CPTA. Nesta segunda parte pode colocar-se a questão de o Ministério Público ter discricionariedade em atuar ou estará de novo presente, como ocorre no artigo 73.º/4 do CPTA, a obrigatoriedade de atuar? No artigo 73.º/4 do CPTA o Ministério Público é obrigado a atuar quando tenha conhecimento das três decisões que desaplicam a norma em causa com fundamento na sua ilegalidade. Contudo, a mesma obrigatoriedade parece não resultar do disposto no artigo 73.º/3 do CPTA. Uma primeira abordagem será a de afirmar que não estamos perante uma obrigatoriedade dado que a mesma está expressamente prevista no número seguinte e não neste. Mas, com este entendimento, podíamos chegar a uma situação em que o Ministério Público, como não é obrigado a atuar, nada fazia quando lhe era requerida a sua atuação por uma das entidades presentes no artigo 9.º/2 do CPTA. E deste modo, chegaríamos a uma solução pouco favorável às entidades do artigo 9.º/2 do CPTA, pois, neste caso estas entidades não iriam conseguir pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral porque este é o único meio que podem usar, dado que o artigo 73.º/2 do CPTA está previsto para impugnação sem força obrigatória geral. Com isto, o melhor entendimento será aquele que é defendido por Pedro Delgado Alves: “dotar o Ministério Público de alguma margem de manobra, impondo-lhe contudo um dever de especial fundamentação nos casos em que opte por não dar seguimento a um requerimento formulado por uma das pessoas e entidades do artigo 9.º/2 do CPTA”.
            A legitimidade dos atores populares é a que causa mais problemas no que a esta matéria diz respeito. A sua legitimidade vem prevista no artigo 73.º/2 do CPTA caso em que temos a declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral. A declaração de ilegalidade com força obrigatória geral só poderá ser requerida pelas entidades do artigo 9.º/2 do CPTA recorrendo ao Ministério Público, questão já analisada em supra. Como temos apenas legitimidade direta para as entidades do artigo 9.º/2 do CPTA em relação à declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral, pode colocar-se a questão se saber se estas entidades não terão legitimidade no que se refere à impugnação com força obrigatória geral. Para Pedro Delgado Alves a resposta será negativa. Para este autor, será necessário realizar uma articulação entre os artigos 9.º/2 e 73.º do CPTA. Desta articulação podemos ter duas leituras: identificar no artigo 73.º do CPTA uma norma especial em relação à legitimidade para impugnar normas com força obrigatória geral, afastando a aplicação da regra geral; abordar as disposições relativas à declaração de ilegalidade como meros corolários da regra geral, a interpretar nos termos balizados pelos artigo 9.º/2 do CPTA. Toda esta discussão foi iniciada na Assembleia da República aquando das modificações introduzidas em 2003 ao CPTA. A referência feita às entidades do artigo 9.º/2 do CPTA no artigo 73.º/2 do CPTA, foi também proposta para o artigo 73.º/1 do CPTA, mas rejeitada pela Assembleia da República. Com toda esta discussão, tendo em conta a decisão tomada na Assembleia da República e o disposto no artigo 73.º/3 do CPTA, pode afirmar-se que o código quis mesmo impossibilitar de forma definitiva, que as entidades do artigo 9.º/2 do CPTA possam ser partes principais na impugnação de normas com força obrigatória geral. Mas esta solução não se afigura satisfatória dado que, a ação popular se aplica “todas as espécies processuais que integram o contencioso administrativo e pode ser utilizada para a obtenção de qualquer das providências judiciárias legalmente admissíveis” (3). Com esta conclusão, pode afirmar-se que esta questão está longe de ter uma solução consensual, e muito se deve à finalidade da ação popular, ou seja, a defesa da legalidade e a defesa do interesse público.
            Em minha opinião, terá de se ter em conta a interpretação dada ao artigo 73.º/3 do CPTA, pois se daqui resultar uma obrigatoriedade de agir do Ministério Público, podemos afirmar que as entidades do artigo 9.º/2 do CPTA vêm a sua posição defendida, porque, seja de forma direta (para a impugnação de normas som força obrigatória geral) seja por intermédio do Ministério Público (para a impugnação de normas sem força obrigatória geral) podem sempre defender a legalidade e o interesse público. Contudo, considero que não deve ser esta a interpretação a dar ao artigo 73.º/3 do CPTA. A obrigatoriedade não resulta do preceito em causa, resultando apenas um dever de boa defesa do interesse público por parte do Ministério Público, tendo este o dever de atuar quando em causa esteja uma ilegalidade. Deste modo, a posição das entidades referidas no artigo 9.º/2 do CPTA poderá estar fragilizada no que diz respeito à impugnação de normas com força obrigatória geral, por não ter legitimidade direta. Considero que neste caso se pode afirmar que, apesar de essas entidades não terem legitimidade direta para a impugnação de normas com força obrigatória geral, quando realizam o requerimento ao Ministério Público o fazem para defesa da legalidade e para a defesa do interesse público, finalidades semelhantes praticadas por este. Assim, arrisco a afirmar que não se verificará nenhuma recusa em atuar por parte do Ministério Público quando essa atuação for requerida por uma daquelas entidades, com fundamento em ilegalidade ou violação do interesse público. As finalidades destas duas partes são semelhantes, pelo que deverá existir uma concordância entre ambas, no que há defesa da legalidade diz respeito. Em suma, considero que as entidades referidas no artigo 9.º/2 do CPTA poderão sempre recorrer ao Ministério Público, para impugnar normas com força obrigatória geral, sem verem a sua posição enfraquecida visto que ambas as partes têm a mesma finalidade. A recusa do Ministério Público em atuar só deverá ocorrer quando não se verifique nenhuma ilegalidade no regulamento, mas se o regulamento for legal, considero que as entidades do artigo 9.º/2 do CPTA não terão nenhum interessem em impugnar o mesmo.




(1)     Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Código de Processo dos Tribunais Administrativos Anotado, Vol. I, Coimbra, 2004, p. 442 (nota ao artigo 73.º);
(2)     Novos e Velhos Avanços no Contencioso Administrativo, Vasco Pereira da Silva, Pedro Delgado Alves, III Parte, A Impugnação de Normas Administrativas no CPTA, p. 80;
(3)    Novos e Velhos Avanços no Contencioso Administrativo, Vasco Pereira da Silva, Pedro Delgado Alves, III Parte, A Impugnação de Normas Administrativas no CPTA, p. 85.

Outra pesquisa:
Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime dos Processos dos Tribunais Administrativos, 2005;
Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2º edição, 2009;
José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 11º edição, 2011.

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