No que a esta matéria diz respeito,
podem ser colocar três problemas, aos quais tentarei dar resposta:
·
Interpretação a dar à previsibilidade
presente no artigo 73.º/1 do CPTA;
·
Será que o Ministério Público tem
discricionariedade para atuar ou não atuar quando lhe é requerido para pedir a
declaração de ilegalidade com força obrigatória geral pelas entidades do artigo
9.º/2 do CPTA, com base no artigo 73.º/3 do CPTA?
·
Impossibilidade ou não de ação popular
no domínio da impugnação de normas regulamentares com força obrigatória geral?
O
artigo 73.º do CPTA trata dos pressupostos para a impugnação de normas e
declaração de ilegalidade por omissão. Contudo, podemos diferenciar a declaração
de ilegalidade com força obrigatória geral e a declaração de ilegalidade sem
força obrigatória geral. O artigo 73.º/1 do CPTA regula a legitimidade para
todas as pessoas para a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral
colocando dois pressupostos: tem de haver um prejuízo resultado da aplicação da
norma ou então esse prejuízo tem de ser previsível que venha a ocorrer em
momento próximo e, cumulativamente, a aplicação dessa norma já terá de ter sido
previamente recusada em três casos concretos. Em relação ao primeiro requisito
pode colocar-se a questão de saber o que se deve entender por previsível. Esta
demonstração caberá ao autor, que no caso em que não houve ainda prejuízo
consumado, é previsível e iminente que esse dano venha a ocorrer na sua esfera
jurídica. Como refere Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira (1)
cabe ao tribunal realizar dois juízos de prognose: “o da verificação da
verossimilhança da lesão e o da constatação da proximidade temporal da
aplicação da norma”. Não será correto e aceitável, pedir ao particular que
aguarde que a lesão se concretizem ou então que passe de “meramente previsível
para perigosamente previsível” (2). Desta forma, em relação a esta
primeira questão colocada será correto afirmar que se deve proteger o
particular e não criar na sua esfera jurídica problemas que são previsíveis de
virem a ocorrer, e esperar que os mesmos ocorram para que o mesmo possa atuar.
Assim, o que relava será mesmo a previsibilidade da lesão, sendo que a
proximidade temporal um pressuposto complementar, que não poderá ser tido como
autónomo.
O Ministério Público tem também
legitimidade para requerer a declaração de ilegalidade com força obrigatória
geral – artigo 73.º/3 do CPTA. Aqui são dispensados os pressupostos analisados
em supra, pelo que não será necessário existir três decisões em que a norma
tenha sido previamente recusada. Aqui o Ministério Público pode atuar por
iniciativa própria, ou seja, oficiosamente, ou pode atuar porque lhe foi
requerida essa atuação por parte das entidades referidas no artigo 9.º/2 do
CPTA. Nesta segunda parte pode colocar-se a questão de o Ministério Público ter
discricionariedade em atuar ou estará de novo presente, como ocorre no artigo
73.º/4 do CPTA, a obrigatoriedade de atuar? No artigo 73.º/4 do CPTA o
Ministério Público é obrigado a atuar quando tenha conhecimento das três
decisões que desaplicam a norma em causa com fundamento na sua ilegalidade.
Contudo, a mesma obrigatoriedade parece não resultar do disposto no artigo
73.º/3 do CPTA. Uma primeira abordagem será a de afirmar que não estamos
perante uma obrigatoriedade dado que a mesma está expressamente prevista no número
seguinte e não neste. Mas, com este entendimento, podíamos chegar a uma
situação em que o Ministério Público, como não é obrigado a atuar, nada fazia
quando lhe era requerida a sua atuação por uma das entidades presentes no
artigo 9.º/2 do CPTA. E deste modo, chegaríamos a uma solução pouco favorável
às entidades do artigo 9.º/2 do CPTA, pois, neste caso estas entidades não
iriam conseguir pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral
porque este é o único meio que podem usar, dado que o artigo 73.º/2 do CPTA
está previsto para impugnação sem força obrigatória geral. Com isto, o melhor
entendimento será aquele que é defendido por Pedro Delgado Alves: “dotar o
Ministério Público de alguma margem de manobra, impondo-lhe contudo um dever de
especial fundamentação nos casos em que opte por não dar seguimento a um
requerimento formulado por uma das pessoas e entidades do artigo 9.º/2 do
CPTA”.
A legitimidade dos atores populares
é a que causa mais problemas no que a esta matéria diz respeito. A sua
legitimidade vem prevista no artigo 73.º/2 do CPTA caso em que temos a
declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral. A declaração de
ilegalidade com força obrigatória geral só poderá ser requerida pelas entidades
do artigo 9.º/2 do CPTA recorrendo ao Ministério Público, questão já analisada
em supra. Como temos apenas
legitimidade direta para as entidades do artigo 9.º/2 do CPTA em relação à
declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral, pode colocar-se a
questão se saber se estas entidades não terão legitimidade no que se refere à
impugnação com força obrigatória geral. Para Pedro Delgado Alves a resposta será
negativa. Para este autor, será necessário realizar uma articulação entre os
artigos 9.º/2 e 73.º do CPTA. Desta articulação podemos ter duas leituras:
identificar no artigo 73.º do CPTA uma norma especial em relação à legitimidade
para impugnar normas com força obrigatória geral, afastando a aplicação da
regra geral; abordar as disposições relativas à declaração de ilegalidade como
meros corolários da regra geral, a interpretar nos termos balizados pelos
artigo 9.º/2 do CPTA. Toda esta discussão foi iniciada na Assembleia da
República aquando das modificações introduzidas em 2003 ao CPTA. A referência
feita às entidades do artigo 9.º/2 do CPTA no artigo 73.º/2 do CPTA, foi também
proposta para o artigo 73.º/1 do CPTA, mas rejeitada pela Assembleia da
República. Com toda esta discussão, tendo em conta a decisão tomada na Assembleia
da República e o disposto no artigo 73.º/3 do CPTA, pode afirmar-se que o
código quis mesmo impossibilitar de forma definitiva, que as entidades do
artigo 9.º/2 do CPTA possam ser partes principais na impugnação de normas com
força obrigatória geral. Mas esta solução não se afigura satisfatória dado que,
a ação popular se aplica “todas as espécies processuais que integram o
contencioso administrativo e pode ser utilizada para a obtenção de qualquer das
providências judiciárias legalmente admissíveis” (3). Com esta
conclusão, pode afirmar-se que esta questão está longe de ter uma solução
consensual, e muito se deve à finalidade da ação popular, ou seja, a defesa da
legalidade e a defesa do interesse público.
Em minha opinião, terá de se ter em
conta a interpretação dada ao artigo 73.º/3 do CPTA, pois se daqui resultar uma
obrigatoriedade de agir do Ministério Público, podemos afirmar que as entidades
do artigo 9.º/2 do CPTA vêm a sua posição defendida, porque, seja de forma
direta (para a impugnação de normas som força obrigatória geral) seja por
intermédio do Ministério Público (para a impugnação de normas sem força
obrigatória geral) podem sempre defender a legalidade e o interesse público.
Contudo, considero que não deve ser esta a interpretação a dar ao artigo 73.º/3
do CPTA. A obrigatoriedade não resulta do preceito em causa, resultando apenas
um dever de boa defesa do interesse público por parte do Ministério Público,
tendo este o dever de atuar quando em causa esteja uma ilegalidade. Deste modo,
a posição das entidades referidas no artigo 9.º/2 do CPTA poderá estar
fragilizada no que diz respeito à impugnação de normas com força obrigatória
geral, por não ter legitimidade direta. Considero que neste caso se pode
afirmar que, apesar de essas entidades não terem legitimidade direta para a
impugnação de normas com força obrigatória geral, quando realizam o
requerimento ao Ministério Público o fazem para defesa da legalidade e para a
defesa do interesse público, finalidades semelhantes praticadas por este.
Assim, arrisco a afirmar que não se verificará nenhuma recusa em atuar por
parte do Ministério Público quando essa atuação for requerida por uma daquelas
entidades, com fundamento em ilegalidade ou violação do interesse público. As
finalidades destas duas partes são semelhantes, pelo que deverá existir uma
concordância entre ambas, no que há defesa da legalidade diz respeito. Em suma,
considero que as entidades referidas no artigo 9.º/2 do CPTA poderão sempre
recorrer ao Ministério Público, para impugnar normas com força obrigatória
geral, sem verem a sua posição enfraquecida visto que ambas as partes têm a
mesma finalidade. A recusa do Ministério Público em atuar só deverá ocorrer
quando não se verifique nenhuma ilegalidade no regulamento, mas se o regulamento
for legal, considero que as entidades do artigo 9.º/2 do CPTA não terão nenhum
interessem em impugnar o mesmo.
(1) Mário
Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Código de Processo dos
Tribunais Administrativos Anotado, Vol. I, Coimbra, 2004, p. 442 (nota ao
artigo 73.º);
(2) Novos e Velhos Avanços no Contencioso
Administrativo, Vasco Pereira da Silva, Pedro
Delgado Alves, III Parte, A Impugnação de Normas Administrativas no CPTA, p.
80;
(3) Novos e Velhos Avanços no Contencioso
Administrativo, Vasco Pereira da Silva, Pedro
Delgado Alves, III Parte, A Impugnação de Normas Administrativas no CPTA, p.
85.
Outra
pesquisa:
Mário
Aroso de Almeida, O Novo Regime dos Processos dos Tribunais Administrativos,
2005;
Vasco
Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2º
edição, 2009;
José
Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 11º edição, 2011.
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