As inovações
processuais introduzidas pelo CPTA visam, em primeiro lugar, uma aproximação ao
processo civil em todos os aspectos que não requeiram um tratamento processual
específico que advenha da natureza administrativa da causa. Por outro lado, o
novo regime pretende evitar que razões formais impeçam a efectiva apreciação
material da causa, bem como, possibilitar que num único processo possam ser
suscitadas todas as questões que o particular entenda necessárias para a tutela
da sua pretensão. Paralelamente, estão subjacentes à reforma do contencioso
administrativo objectivos de celeridade, simplificação e flexibilidade processual,
bem como, de igualdade das partes em juízo. Tais objectivos ditaram novas
regras processuais e uma nova configuração do elenco de meios processuais ao
dispor do particular, bem como, da respectiva tramitação.
1) Custas
Judiciais
A reforma do
contencioso administrativo procede a uma profunda alteração do regime das
custas judiciais da jurisdição administrativa. Neste sentido, o Código de
Processo nos Tribunais Administrativos consagra o princípio geral de sujeição
do Estado e das demais entidades públicas ao pagamento de custas judiciais, nos
termos previstos no novo Código das Custas Judiciais (artigo 189.o do CPTA).
Esta norma,
aprovada por unanimidade dos votos dos partidos com assento na Assembleia de
República, constitui um factor de responsabilização acrescida do Estado e das
demais entidades públicas pelas consequências derivadas do seu comportamento
processual, contribuindo para uma menor propensão para a interposição
desnecessária de recursos ou utilização de outros expedientes processuais
manifestamente infundados ou dilatórios, incentivando a obtenção de soluções
extra-judiciais dos litígios. Esta alteração não prejudica, obviamente, a
actuação do Ministério Público, que, independentemente da sujeição ao pagamento
de custas por parte dos seus representados, continua a gozar de isenção nas
acções e procedimentos para os quais disponha de legitimidade própria, tendo
naturalmente em conta os superiores interesses em causa neste âmbito. Assim, o
regime de custas da jurisdição administrativa passa a constar do Código das
Custas Judiciais, em capítulo próprio e autónomo.
2)
Legitimidade processual
As inovações
em sede de legitimidade passiva resultam, grande parte, do novo sistema de
meios processuais adoptados e das amplas possibilidades de cumulação de pedidos
(artigo 10.o do CPTA). Na generalidade, o CPTA permite a cumulação de todos os
pedidos que respeitem à mesma relação material controvertida. Ora, como é
sabido, actualmente, um pedido dirigido à anulação de um acto tem, como parte
contrária, o órgão responsável por esse acto. Ao invés, para o pedido de
indemnização na dependência do pedido de anulação do acto é parte legítima a
pessoa colectiva pública onde o mesmo órgão se insira. Significa isto que, a
partir do momento em que se admitem cumulações de pedidos desta natureza, hoje
em dia impossíveis, há que encontrar critérios coerentes para aferição da
legitimidade passiva. Adopta-se, portanto, a regra segundo a qual, quando o
pedido tenha como objecto uma acção ou omissão de uma entidade pública, a parte
demandada é a pessoa colectiva pública ou, no caso do Estado, o ministério cujo
órgão tenha adoptado ou deva adoptar o acto ou comportamentos em causa (n.o 1
do artigo 10.o do CPTA). Caso o autor tenha indicado como parte demandada um
órgão de uma pessoa colectiva pública ou ministério, a acção considerar-se-á
proposta contra essa pessoa ou ministério, sem possibilidade de indeferimento
liminar ou necessidade de qualquer correcção da petição (n.o 4 do artigo 10.o
do CPTA). Se o pedido tiver por objecto um acto ou omissão de entidade
administrativa independente destituída de personalidade jurídica, tem
legitimidade passiva a pessoa colectiva pública ou ministério em que essa
entidade se insira (n.o 3 do artigo 10.o do CPTA).
Por fim, no
que respeita à legitimidade activa, o CPTA consagra, como princípio geral, que “o
autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material
controvertida” (n.o 1 do artigo 9.o). Não obstante a consagração de
um princípio geral de legitimidade activa, que vem romper com o tradicional tratamento
desta matéria por referência a diversos meios processuais especialmente
previstos, o CPTA mantém a previsão de regras específicas de
legitimidade para a acção administrativa especial (artigo 55.o CPTA).
Por outro lado, salientam-se as novas regras de determinação da legitimidade
activa nos pedidos relativos a contratos, constatando-se um assinalável
alargamento a quem não seja parte na relação contratual (alíneas b),
c), d) e f) do n.o 1 e alíneas b), c), d)
e e) do n.o 2 do artigo 40.o do CPTA).
3) Garantia
de igualdade entre partes no processo
O CPTA
acolhe soluções inovadoras, muito importantes no domínio da equiparação entre
as partes públicas e privadas no processo. Para além da já referida sujeição
das entidades públicas ao pagamento de custas judiciais, refira-se, desde logo,
a previsão de aplicação de sanções pecuniárias compulsórias ao titular do órgão
incumbido da execução de uma sentença ou do envio de um processo instrutor,
quando não cumpra essas determinações no prazo indicado (artigos 44.o, 84.o,
n.o 4 e 169.o do CPTA). A sanção aplicada pelo juiz pode variar entre 5 a 10
por cento do valor do salário mínimo mais elevado em vigor, por cada dia de
atraso no cumprimento da sentença ou do envio do processo (n.os 1 e 2 do artigo
169.o, do CPTA). Não obstante este factor moralizador, prevê-se também a
possibilidade de condenação do Estado e as demais entidades públicas por
litigância de má-fé (artigo 6.odo CPTA).
4) Meios de
prova
O novo CPTA
elimina a limitação dos meios de prova admissíveis em contencioso
administrativo, permitindo-se agora que, nas situações em que actualmente
apenas se admite a prova documental, seja possível utilizar todos os meios em
processo civil admitidos (artigo 90, n.o 1, do CPTA). Isto significa que, em
qualquer processo julgado em primeira instância, seja qual for o meio
processual a utilizar, se admite a produção de prova através de qualquer meio.
Em relação
as alterações relativas à impugnação de actos administrativos são muito profundas
e relevantes. Para além da alteração da designação do meio processual
aplicável, que deixa de se designar como recurso contencioso, passando a
designar-se Acção Administrativa Especial (prevista e regulada nos
artigos 46.o e seguintes do CPTA), destacam-se os seguintes aspectos:
1) Prazo de
impugnação de actos administrativos
O prazo
geral para impugnação de actos administrativos é aumentado para 3 meses (alínea
b) do n.o 2 do artigo 58.o do CPTA). Por outro lado, é conferida a
possibilidade de impugnação após o decurso deste prazo, desde que não tenha
expirado o prazo de um ano, em casos especiais, tais como: o autor ter sido
induzido em erro pela conduta das Administração; esse erro ser desculpável em
virtude da ambiguidade do quadro normativo aplicável; ter-se verificado uma
situação de justo impedimento (artigo 58.o, n.o 4, do CPTA). Acresce que a
impugnação administrativa do acto suspende o prazo de impugnação contenciosa
mas não impede o interessado de proceder a ela na pendência da impugnação
administrativa (n.os 4 e 5 do artigo 59.o do CPTA). O Ministério Público mantém
a possibilidade de impugnação de actos administrativos, no prazo de um ano
(alínea a) do n.o 2 do artigo 58.o do CPTA).
2)
Recorribilidade do acto administrativo
O CPTA
abandona claramente o tradicional conceito de definitividade, permitindo a
impugnação de qualquer acto com eficácia externa, independentemente de se
encontrar inserido num procedimento administrativo (n.o 1 do artigo 51.o do
CPTA). Não obstante, sem que exista qualquer exigência de recurso
administrativo como condição necessária para a impugnação contenciosa, prevê-se
a suspensão do prazo para esse efeito, quando tenha sido interposto meio de
impugnação administrativa, independentemente da sua natureza, tal como já foi
referido (n.o 4 do artigo 59.o do CPTA). O particular terá assim vantagem em
formular, em primeiro lugar, um recurso ou reclamação administrativa, nunca
perdendo a possibilidade de, posteriormente, caso a resposta não seja
favorável, impugnar contenciosamente o acto.
3)
Alargamento do objecto da acção
Como já foi
referido, o objecto do processo administrativo é perspectivado no novo CPTA
como uma realidade aberta, quer por via da possibilidade de cumulação de
pedidos, quer por via da possibilidade da sua ampliação do objecto processual
ao logo do processo. O alargamento do objecto da acção pode estender-se, em
acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, a novos
actos praticados no âmbito do mesmo procedimento, ou, tratando-se de um acto
pré-contratual, ao contrato que venha a ser celebrado na pendência do processo
(artigo 63.o do CPTA).
4) Recusa
oficiosa da petição pela secretaria
Consagra-se
a obrigação de, em acção administrativa especial, a secretaria recusar
oficiosamente a petição inicial quando esta não satisfaça determinados
requisitos, à semelhança do que sucede em processo civil (artigo 80.o do CPTA).
5) Citação e
notificações
O CPTA prevê
que a citação da entidade pública demandada e dos contra-interessados na acção
administrativa especial ocorre em simultâneo, sendo efectuada oficiosamente
pela secretaria do tribunal (artigo 81.o do CPTA). Por outro lado, prevê-se que
a citação dos contra-interessados em número superior a vinte, seja feita
mediante a publicação de anúncio (artigo 82.o do CPTA). Também a notificação da
entidade demandada e dos contra-interessados para alegar, em acção
administrativa especial, passa a ser efectuada simultaneamente (n.o 4 do artigo
91.o do CPTA).
6) Poderes
dos tribunais
Inovação de
relevo reside no alargamento assinalável dos poderes jurisdicionais de cognição
e de condenação da Administração pelos tribunais, aspecto que assume
particulares contornos na Acção Administrativa Especial. Relativamente aos
poderes cognitivos, verifica-se que o tribunal passa a dispor do poder-dever de
se pronunciar sobre todas as concretas causas de invalidade de que enferma o
acto impugnado, mesmo que estas não tenham sido expressamente invocadas pelo
autor (n.o 2 do artigo 95.o do CPTA). Quanto aos poderes de condenação, face a
um pedido dirigido à prática do acto administrativo devido, permite-se que o
tribunal condene a Administração na prática desse acto, bem como na adopção dos
demais comportamentos que não consubstanciem actos administrativos. Os poderes
em causa não se resumem a uma condenação genérica na necessidade de prática do
acto, devendo antes o tribunal pronunciar-se sobre a pretensão material do
autor, podendo determinar o conteúdo concreto do acto a praticar pela
Administração, sempre que isso seja possível. Quando isso não seja possível por
tal tarefa implicar o exercício da função administrativa, deve explicitar quais
os aspectos vinculados da prática do acto que devem ser observados na emissão
de uma nova pronúncia administrativa. (artigo 71.o do CPTA).
7) Princípio
da correcção oficiosa das peças processuais
O artigo
88.o CPTA estabelece o princípio da correcção oficiosa pelo tribunal das
deficiências de que enfermem as peças processuais, apenas havendo lugar a
convite para aperfeiçoamento das mesmas quando a correcção oficiosa não seja
possível ou não seja a solução manifestamente mais vantajosa.
8) Despacho
saneador
Introduz-se,
para a acção administrativa especial, a possibilidade de ser proferido um
despacho saneador, nomeadamente, quando se verifiquem os fundamentos que obstam
ao prosseguimento da causa ou quando o estado do processo permita o
conhecimento do mérito da causa (n.o 1 do artigo 87.o e artigo 89.o do CPTA).
As questões que obstem ao prosseguimento do processo que não sejam apreciadas
no despacho saneador, não podem ser suscitadas posteriormente (n.o 2 do artigo
89.o do CPTA).
9)
Intervenção processual do Ministério Público
Ao
Ministério Público é conferida a possibilidade de intervenção processual num
único momento da acção administrativa especial, sendo-lhe reconhecidas
competências para se pronunciar sobre o mérito da causa e solicitar a realização
de diligências instrutórias até 10 dias após a junção do processo instrutor aos
autos (artigo 85.o do CPTA). Pretende-se que a sua pronúncia tenha como
objectivo a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses
públicos especialmente relevantes, dos valores constantes do n.o 2 do artigo
9.o do CPTA, e a identificação de vícios de inexistência ou nulidade quanto a
actos que tenham sido objecto de impugnação contenciosa. O Ministério Público
pode ainda prosseguir a acção, em caso de desistência do autor (artigo 62.o
CPTA).
10)
Audiência pública
Não obstante
as fases de produção de prova e alegações finais na acção administrativa
especial poderem ser dispensadas (n.o 4 do artigo 78.o, e n.o 2 do artigo 83.o
do CPTA), é concedida a possibilidade de realização de uma audiência pública de
julgamento, para discussão da matéria de facto, oficiosamente ordenada pelo
juiz ou a pedido de qualquer das partes (artigo 91.o do CPTA). Quando venha a
ocorrer, as alegações finais também aqui serão produzidas, de forma oral. A
audiência pública pode ser
11) Decisão
por remissão para jurisprudência anterior
Quando o caso não apresente especificidades em relação
a outros anteriormente apreciados ou a pretensão se revele manifestamente
infundada, admite-se uma decisão sumária, designadamente por remissão para
jurisprudência anterior (artigo 94.o, n.o 3, do CPTA).
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