quarta-feira, 16 de maio de 2012

Principais Inovações Processuais e as Mudanças na Impugnação de Actos Administrativos



As inovações processuais introduzidas pelo CPTA visam, em primeiro lugar, uma aproximação ao processo civil em todos os aspectos que não requeiram um tratamento processual específico que advenha da natureza administrativa da causa. Por outro lado, o novo regime pretende evitar que razões formais impeçam a efectiva apreciação material da causa, bem como, possibilitar que num único processo possam ser suscitadas todas as questões que o particular entenda necessárias para a tutela da sua pretensão. Paralelamente, estão subjacentes à reforma do contencioso administrativo objectivos de celeridade, simplificação e flexibilidade processual, bem como, de igualdade das partes em juízo. Tais objectivos ditaram novas regras processuais e uma nova configuração do elenco de meios processuais ao dispor do particular, bem como, da respectiva tramitação.

1) Custas Judiciais
A reforma do contencioso administrativo procede a uma profunda alteração do regime das custas judiciais da jurisdição administrativa. Neste sentido, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos consagra o princípio geral de sujeição do Estado e das demais entidades públicas ao pagamento de custas judiciais, nos termos previstos no novo Código das Custas Judiciais (artigo 189.o do CPTA).
Esta norma, aprovada por unanimidade dos votos dos partidos com assento na Assembleia de República, constitui um factor de responsabilização acrescida do Estado e das demais entidades públicas pelas consequências derivadas do seu comportamento processual, contribuindo para uma menor propensão para a interposição desnecessária de recursos ou utilização de outros expedientes processuais manifestamente infundados ou dilatórios, incentivando a obtenção de soluções extra-judiciais dos litígios. Esta alteração não prejudica, obviamente, a actuação do Ministério Público, que, independentemente da sujeição ao pagamento de custas por parte dos seus representados, continua a gozar de isenção nas acções e procedimentos para os quais disponha de legitimidade própria, tendo naturalmente em conta os superiores interesses em causa neste âmbito. Assim, o regime de custas da jurisdição administrativa passa a constar do Código das Custas Judiciais, em capítulo próprio e autónomo.

2) Legitimidade processual
As inovações em sede de legitimidade passiva resultam, grande parte, do novo sistema de meios processuais adoptados e das amplas possibilidades de cumulação de pedidos (artigo 10.o do CPTA). Na generalidade, o CPTA permite a cumulação de todos os pedidos que respeitem à mesma relação material controvertida. Ora, como é sabido, actualmente, um pedido dirigido à anulação de um acto tem, como parte contrária, o órgão responsável por esse acto. Ao invés, para o pedido de indemnização na dependência do pedido de anulação do acto é parte legítima a pessoa colectiva pública onde o mesmo órgão se insira. Significa isto que, a partir do momento em que se admitem cumulações de pedidos desta natureza, hoje em dia impossíveis, há que encontrar critérios coerentes para aferição da legitimidade passiva. Adopta-se, portanto, a regra segundo a qual, quando o pedido tenha como objecto uma acção ou omissão de uma entidade pública, a parte demandada é a pessoa colectiva pública ou, no caso do Estado, o ministério cujo órgão tenha adoptado ou deva adoptar o acto ou comportamentos em causa (n.o 1 do artigo 10.o do CPTA). Caso o autor tenha indicado como parte demandada um órgão de uma pessoa colectiva pública ou ministério, a acção considerar-se-á proposta contra essa pessoa ou ministério, sem possibilidade de indeferimento liminar ou necessidade de qualquer correcção da petição (n.o 4 do artigo 10.o do CPTA). Se o pedido tiver por objecto um acto ou omissão de entidade administrativa independente destituída de personalidade jurídica, tem legitimidade passiva a pessoa colectiva pública ou ministério em que essa entidade se insira (n.o 3 do artigo 10.o do CPTA).
Por fim, no que respeita à legitimidade activa, o CPTA consagra, como princípio geral, que “o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida” (n.o 1 do artigo 9.o). Não obstante a consagração de um princípio geral de legitimidade activa, que vem romper com o tradicional tratamento desta matéria por referência a diversos meios processuais especialmente previstos, o CPTA mantém a previsão de regras específicas de legitimidade para a acção administrativa especial (artigo 55.o CPTA). Por outro lado, salientam-se as novas regras de determinação da legitimidade activa nos pedidos relativos a contratos, constatando-se um assinalável alargamento a quem não seja parte na relação contratual (alíneas b), c), d) e f) do n.o 1 e alíneas b), c), d) e e) do n.o 2 do artigo 40.o do CPTA).

3) Garantia de igualdade entre partes no processo
O CPTA acolhe soluções inovadoras, muito importantes no domínio da equiparação entre as partes públicas e privadas no processo. Para além da já referida sujeição das entidades públicas ao pagamento de custas judiciais, refira-se, desde logo, a previsão de aplicação de sanções pecuniárias compulsórias ao titular do órgão incumbido da execução de uma sentença ou do envio de um processo instrutor, quando não cumpra essas determinações no prazo indicado (artigos 44.o, 84.o, n.o 4 e 169.o do CPTA). A sanção aplicada pelo juiz pode variar entre 5 a 10 por cento do valor do salário mínimo mais elevado em vigor, por cada dia de atraso no cumprimento da sentença ou do envio do processo (n.os 1 e 2 do artigo 169.o, do CPTA). Não obstante este factor moralizador, prevê-se também a possibilidade de condenação do Estado e as demais entidades públicas por litigância de má-fé (artigo 6.odo CPTA).

4) Meios de prova
O novo CPTA elimina a limitação dos meios de prova admissíveis em contencioso administrativo, permitindo-se agora que, nas situações em que actualmente apenas se admite a prova documental, seja possível utilizar todos os meios em processo civil admitidos (artigo 90, n.o 1, do CPTA). Isto significa que, em qualquer processo julgado em primeira instância, seja qual for o meio processual a utilizar, se admite a produção de prova através de qualquer meio.
Em relação as alterações relativas à impugnação de actos administrativos são muito profundas e relevantes. Para além da alteração da designação do meio processual aplicável, que deixa de se designar como recurso contencioso, passando a designar-se Acção Administrativa Especial (prevista e regulada nos artigos 46.o e seguintes do CPTA), destacam-se os seguintes aspectos:

1) Prazo de impugnação de actos administrativos
O prazo geral para impugnação de actos administrativos é aumentado para 3 meses (alínea b) do n.o 2 do artigo 58.o do CPTA). Por outro lado, é conferida a possibilidade de impugnação após o decurso deste prazo, desde que não tenha expirado o prazo de um ano, em casos especiais, tais como: o autor ter sido induzido em erro pela conduta das Administração; esse erro ser desculpável em virtude da ambiguidade do quadro normativo aplicável; ter-se verificado uma situação de justo impedimento (artigo 58.o, n.o 4, do CPTA). Acresce que a impugnação administrativa do acto suspende o prazo de impugnação contenciosa mas não impede o interessado de proceder a ela na pendência da impugnação administrativa (n.os 4 e 5 do artigo 59.o do CPTA). O Ministério Público mantém a possibilidade de impugnação de actos administrativos, no prazo de um ano (alínea a) do n.o 2 do artigo 58.o do CPTA).

2) Recorribilidade do acto administrativo
O CPTA abandona claramente o tradicional conceito de definitividade, permitindo a impugnação de qualquer acto com eficácia externa, independentemente de se encontrar inserido num procedimento administrativo (n.o 1 do artigo 51.o do CPTA). Não obstante, sem que exista qualquer exigência de recurso administrativo como condição necessária para a impugnação contenciosa, prevê-se a suspensão do prazo para esse efeito, quando tenha sido interposto meio de impugnação administrativa, independentemente da sua natureza, tal como já foi referido (n.o 4 do artigo 59.o do CPTA). O particular terá assim vantagem em formular, em primeiro lugar, um recurso ou reclamação administrativa, nunca perdendo a possibilidade de, posteriormente, caso a resposta não seja favorável, impugnar contenciosamente o acto.

3) Alargamento do objecto da acção
Como já foi referido, o objecto do processo administrativo é perspectivado no novo CPTA como uma realidade aberta, quer por via da possibilidade de cumulação de pedidos, quer por via da possibilidade da sua ampliação do objecto processual ao logo do processo. O alargamento do objecto da acção pode estender-se, em acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, a novos actos praticados no âmbito do mesmo procedimento, ou, tratando-se de um acto pré-contratual, ao contrato que venha a ser celebrado na pendência do processo (artigo 63.o do CPTA).

4) Recusa oficiosa da petição pela secretaria
Consagra-se a obrigação de, em acção administrativa especial, a secretaria recusar oficiosamente a petição inicial quando esta não satisfaça determinados requisitos, à semelhança do que sucede em processo civil (artigo 80.o do CPTA).

5) Citação e notificações
O CPTA prevê que a citação da entidade pública demandada e dos contra-interessados na acção administrativa especial ocorre em simultâneo, sendo efectuada oficiosamente pela secretaria do tribunal (artigo 81.o do CPTA). Por outro lado, prevê-se que a citação dos contra-interessados em número superior a vinte, seja feita mediante a publicação de anúncio (artigo 82.o do CPTA). Também a notificação da entidade demandada e dos contra-interessados para alegar, em acção administrativa especial, passa a ser efectuada simultaneamente (n.o 4 do artigo 91.o do CPTA).

6) Poderes dos tribunais
Inovação de relevo reside no alargamento assinalável dos poderes jurisdicionais de cognição e de condenação da Administração pelos tribunais, aspecto que assume particulares contornos na Acção Administrativa Especial. Relativamente aos poderes cognitivos, verifica-se que o tribunal passa a dispor do poder-dever de se pronunciar sobre todas as concretas causas de invalidade de que enferma o acto impugnado, mesmo que estas não tenham sido expressamente invocadas pelo autor (n.o 2 do artigo 95.o do CPTA). Quanto aos poderes de condenação, face a um pedido dirigido à prática do acto administrativo devido, permite-se que o tribunal condene a Administração na prática desse acto, bem como na adopção dos demais comportamentos que não consubstanciem actos administrativos. Os poderes em causa não se resumem a uma condenação genérica na necessidade de prática do acto, devendo antes o tribunal pronunciar-se sobre a pretensão material do autor, podendo determinar o conteúdo concreto do acto a praticar pela Administração, sempre que isso seja possível. Quando isso não seja possível por tal tarefa implicar o exercício da função administrativa, deve explicitar quais os aspectos vinculados da prática do acto que devem ser observados na emissão de uma nova pronúncia administrativa. (artigo 71.o do CPTA).

7) Princípio da correcção oficiosa das peças processuais
O artigo 88.o CPTA estabelece o princípio da correcção oficiosa pelo tribunal das deficiências de que enfermem as peças processuais, apenas havendo lugar a convite para aperfeiçoamento das mesmas quando a correcção oficiosa não seja possível ou não seja a solução manifestamente mais vantajosa.

8) Despacho saneador
Introduz-se, para a acção administrativa especial, a possibilidade de ser proferido um despacho saneador, nomeadamente, quando se verifiquem os fundamentos que obstam ao prosseguimento da causa ou quando o estado do processo permita o conhecimento do mérito da causa (n.o 1 do artigo 87.o e artigo 89.o do CPTA). As questões que obstem ao prosseguimento do processo que não sejam apreciadas no despacho saneador, não podem ser suscitadas posteriormente (n.o 2 do artigo 89.o do CPTA).

9) Intervenção processual do Ministério Público
Ao Ministério Público é conferida a possibilidade de intervenção processual num único momento da acção administrativa especial, sendo-lhe reconhecidas competências para se pronunciar sobre o mérito da causa e solicitar a realização de diligências instrutórias até 10 dias após a junção do processo instrutor aos autos (artigo 85.o do CPTA). Pretende-se que a sua pronúncia tenha como objectivo a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes, dos valores constantes do n.o 2 do artigo 9.o do CPTA, e a identificação de vícios de inexistência ou nulidade quanto a actos que tenham sido objecto de impugnação contenciosa. O Ministério Público pode ainda prosseguir a acção, em caso de desistência do autor (artigo 62.o CPTA).

10) Audiência pública
Não obstante as fases de produção de prova e alegações finais na acção administrativa especial poderem ser dispensadas (n.o 4 do artigo 78.o, e n.o 2 do artigo 83.o do CPTA), é concedida a possibilidade de realização de uma audiência pública de julgamento, para discussão da matéria de facto, oficiosamente ordenada pelo juiz ou a pedido de qualquer das partes (artigo 91.o do CPTA). Quando venha a ocorrer, as alegações finais também aqui serão produzidas, de forma oral. A audiência pública pode ser

11) Decisão por remissão para jurisprudência anterior
Quando o caso não apresente especificidades em relação a outros anteriormente apreciados ou a pretensão se revele manifestamente infundada, admite-se uma decisão sumária, designadamente por remissão para jurisprudência anterior (artigo 94.o, n.o 3, do CPTA).

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