domingo, 20 de maio de 2012

Recurso hierárquico necessário desnecessário?

Recurso hierárquico necessário desnecessário?

Distinguem-se tradicionalmente duas espécies de recurso hierárquico: o recurso hierárquico facultativo e o recurso hierárquico necessário.

O recurso hierárquico pode ser definido como o meio de impugnação de um acto administrativo praticado por um órgão subalterno, perante o respectivo superior hierárquico, a fim de obter a revogação ou a substituição do acto recorrido (artigo 166º CPA). Daqui decorre que o recurso hierárquico é designado de necessário quando o acto administrativo impugnado por via administrativa o não podia ser também por via jurisdicional. Segundo Marcello Caetano o recurso hierárquico necessário consistiria em solicitar ao superior hierárquico ou a órgão que exercesse superintendência sobre o autor do acto impugnado a substituição ou revogação daquele. Por sua vez, o recurso hierárquico é designado de facultativo quando a impugnação judicial era possível, constituindo neste caso a impugnação administrativa, não uma diligência indispensável à posterior impugnação ante os tribunais administrativos, mas uma simples tentativa, lateral e independente da impugnação judicial, de levar a própria Administração a satisfazer a pretensão do interessado. O próprio CPA estabelece esta distinção no seu artigo 167º/1.

Esta dicotomia fazia algum sentido até à segunda revisão constitucional (1989) uma vez que até então se conferia aos particulares o direito de recurso contencioso contra actos administrativos definitivos e executórios. Ora, com a revisão constitucional o artigo 268º da CRP deixou de fazer referência à necessidade de o recurso ser interposto contra actos administrativos definitivos e executórios para poderem ser interpostos recursos a quaisquer actos que sejam lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares. “A distinção entre recurso hierárquico facultativo e necessário apenas fazia sentido quando articulada com a ideia de definitividade vertical do acto administrativo: era esta exigência de definitividade vertical que, reduzindo o leque dos decisores públicos cujas decisões podiam ser objecto de impugnação judicial, justificava o recurso hierárquico necessário.” O que concluir?
Perante a alteração constitucional, alguns autores entendem que a substituição do requisito da definitividade vertical pela lesividade do acto, veio tornar inconstitucional a figura do recurso hierárquico necessário, admitindo o acesso imediato aos tribunais perante uma decisão desfavorável.
Por outro lado, outros entendem que apesar de ter sido eliminada a referência que constava no texto constitucional à definitividade do acto administrativo, continua a reconhecer-se ao legislador ordinário, através de previsão legal avulsa, a liberdade de exigir a definitividade vertical ao acto administrativo passível de impugnação contenciosa. Daí que, diz-se, continue a fazer sentido distinguir entre recurso hierárquico necessário e facultativo. Esta doutrina rejeita o argumento da inconstitucionalidade da imposição de impugnações administrativas necessárias, sustentando que não cabe à Constituição estabelecer os pressupostos de que possa depender a impugnação contenciosa dos actos administrativos, em termos de se poder afirmar que só são legítimos se forem objecto de expressa previsão constitucional. A exigência de impugnação administrativa como via preliminar de acesso aos tribunais desempenharia uma função meramente ordenadora do processo que caberia ao legislador ordinário. Ou seja, o legislador ordinário continuaria a estar livre de exigir a definitividade do acto, mediante legislação avulsa, entendendo, por isso, que a dualidade (recurso necessário/facultativo) continuaria a fazer sentido. Esta Doutrina é sustentada pelo Professor Freitas do Amaral bem como pelo Professor Vieira de Andrade. Para este sector doutrinário a exigência de impugnação administrativa era meramente ordenadora e não constituía um ataque aos direitos, liberdades e garantias dos particulares, nomeadamente o acesso ao tribunal. Para além disso, adianta que o número 4 do artigo 268º não impõe a abertura de um recurso contencioso imediato, apenas determina que a garantia contenciosa não se pode recusar quando existe um acto administrativo.

Quanto a mim, parece-me mais defensável a posição que considera a revisão constitucional veio tornar inconstitucional a figura do recurso hierárquico necessário. Partilhamos, por isso, da posição do Professor Doutor Vasco Pereira da Silva e concordamos em pleno com os argumentos por si esgrimidos. Argumentos esses que são: Violação do artigo 268º/4 da CRP, por negação do direito fundamental de recurso contencioso; Violação do princípio da desconcentração administrativa que implica a impugnabilidade dos actos dos subalternos, sempre que estes sejam lesivos; Violação do princípio da efectividade da tutela precisamente pelo efeito preclusivo da impugnabilidade da decisão administrativa no caso de não ter havido interposição de recurso hierárquico, no prazo de 30 dias.
Entendemos assim que o legislador previu a regra do recurso hierárquico facultativo, posição esta que é suportada pela própria letra da lei, bem como pela Jurisprudência dominante. A revisão de 89 ao substituir o critério da definitividade pelo da lesividade retirou o suporte para que se pudesse afirmar a regra do recurso hierárquico necessário.

Bibliografia consultada:
 •CORREIA, J. M. SÉRVULO; Direito do Contencioso Administrativo I; 2005; Lex
 • JOÃO COUPERS em “A Reforma do Contencioso Administrativo e as Necessárias Reformas do Código do Procedimento Administrativo” nos “Temas e problemas de processo Administrativo”.
 •VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina, 2ª edição, 2009 Martim de Avelar 4º ano subturma 2 Nº 17461

Sem comentários:

Enviar um comentário