segunda-feira, 21 de maio de 2012

A Impugnação de Normas Regulamentares, Antes e Depois da Reforma


A Impugnação de Normas Regulamentares, Antes e Depois da Reforma





                A existência de um contencioso de normas administrativas, de alcance genérico, é uma das inovações do direito português recente (iniciada depois da reforma de 84/85), mesmo quando comparando com algumas experiências europeias.

                A impugnação judicial directa de normas administrativas, designadamente de regulamentos, sempre teve um tratamento próprio na legislação e doutrina administrativa, em que sempre se denotou uma resistência à sua admissibilidade. Num primeiro plano, por estarem em causa regras gerais e abstractas, em principio insusceptiveis de produzirem lesões directas na esfera dos particulares, pois a lesão resultaria do acto de aplicação do regulamento. Num outro plano, quando estavam em causa regulamentos governamentais, por um tradicional respeito pela autoridade do Governo, muitas vezes expressa das opções politicas ou quase politicas.

                Quanto ao primeiro argumento, podemos afirmar que o reforço das ideias de legalidade administrativa e de protecção dos administrados, associado à verificação da lesividade efectiva de muitos actos normativos, destruiu ou, pelo menos, limitou o argumento da abstracção contra a impugnabilidade directa dos regulamentos.

                Quanto ao segundo argumento, a atribuição ao Governo de poderes legislativos normais, ao permitir uma distinção formal entre actos legislativos e actos regulamentares do Executivo, corroeu o argumento da separação de poderes contra a invalidação jurisdicional dos regulamentos centrais.

                A partir da revisão de 1997, passou a ter consagração expressa na CRP (artigo 268º/5 da CRP) o direito da impugnação judicial directa de normas administrativas com eficácia externa, quando sejam lesivas de direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, no âmbito da garantia da respectiva protecção judicial efectiva.

               

                Antes da reforma, era possível reagir contenciosamente contra regulamentos administrativos de três formas distintas:

                1. Via incidental: o regulamento era apreciado apenas indirectamente, como incidente da questão principal, pois o que estava em causa era o recurso directo de anulação de um acto administrativo cuja ilegalidade era consequente da aplicação de regulamento inválido. Daqui resultava a anulação do acto administrativo e a não aplicação do regulamento ao caso concreto. Não é um meio autónomo.

                2. Um meio processual genérico: a declaração de ilegalidade de normas administrativas. Era um meio utilizável contra qualquer norma regulamentar, independentemente do órgão de onde era emanada, mas na condição de ser tratar de norma exequível por si mesma, ou de ter sido, já antes, jugada ilegal.

                3. Um meio processual especial: impugnação de normas. Tinha um âmbito de aplicação limitado, pois respeitava apenas aos regulamentos provenientes da administração local comum. Mas em contrapartida não estava sujeito às condições estabelecidas para a via anterior, verificando-se uma espécie de assimilação processual dos regulamentos aos actos administrativos.



                Depois da reforma, passou a poder reagir-se pedindo a declaração de ilegalidade das normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo, com fundamento em vícios próprios (invalidade própria) ou decorrentes da invalidade de actos praticados no âmbito do procedimento de aprovação (invalidade derivada).

                Apesar de não aparecer formulado nesses termos, resulta dos artigos 72º e 73º do CPTA que se admitem dois tipos de pedidos, sujeitos a regimes diferentes:

                1. Pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória e geral: nunca pode fundar-se numa inconstitucionalidade directa, por constituir um pedido cujo conhecimento está subtraído à jurisdição administrativa (artigo 72º/2 do CPTA).

                Esta só pode ser pedida pelos particulares interessados depois da norma ter sido desaplicada em três casos concretos, requisito que, no entanto, não é exigido se o pedido for feito pelo MP, oficiosamente ou a requerimento de entidades legitimadas para a acção popular.

                2. Pedido de declaração de ilegalidade num caso concreto: Esta pode ser pedida pelo lesado ou pelos titulares da acção popular quando a norma produza os seus efeitos imediatamente, sem depender de um acto administrativo ou judicial de aplicação (artigo 73º/2 do CPTA).



                Há aqui uma uniformização do regime jurídico do contencioso regulamentar, podno termo à dicotomia de meios processuais antes existentes (autónomos, ou seja, o genérico e o especial).

                Estabelece-se, então, um regime uniforme, tomando como padrão o anterior meio processual genérico, ainda que com a introdução de alterações e de restrições aos requisitos de apreciação das normas regulamentares.



                Quanto aos prazos, segundo o disposto no artigo 74º do CPTA, a declaração de ilegalidade pode ser pedida a todo o tempo, sem prejuízo do diferimento temporal que decorre da necessidade de verificação da recusa em três casos concretos, quando esta seja exigida.

                Estas acções têm, por determinação legal, um valor indeterminável, considerando-se, por isso, um valor superior ao da alçada dos TCA. São julgadas em primeira instância, por uma formação de três juízes, cujas sentenças são susceptiveis de recurso per saltum ou de recurso excepcional de revista para o STA.

                Quanto aos seus efeitos, a lei refere-se expressamente aos efeitos de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral (artigo 76º). Verifica-se aqui uma inovação bastante significativa, que constitui uma aproximação ao modelo da fiscalização da constitucionalidade: ao invés do que sucedia antes, os efeitos da declaração de ilegalidade com força obrigatória geral produzem-se, em regra, ex tunc, determinando a repristinação das normas revogadas, sem prejuízo de o tribunal poder determinar que os efeitos se produzam apenas para o futuro, quando tal se justifique por razoes de segurança jurídica, de equidade ou de interesse público de excepcional relevo.







Bibliografia:

- Vasco Pereira da Silva, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise. Ensaios sobre as acções no novo processo administrativo”, 2ª Edição, Almedina, 2009

- José Carlos Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa (Lições)”, Almedina, 2011

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