Um breve olhar sobre o
regime de execução de sentenças Administrativas
O CPTA veio
instituir um conjunto de medidas processuais de ordem executiva, que se
destinam a garantir ao particular exequente a adequação ao plano dos factos do
direito ditado pela decisão jurisdicional, ao contrário do que sucedia no
regime anterior contido no Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 15 de Junho (em vigor
até 2004), que não continha mecanismos eficazes de plena execução contra a
Administração nem, em boa verdade, se tratava de um autónomo processo executivo,
mas de um complementar processo declarativo.
Está em causa
todo um conjunto novo de poderes atribuídos ao juiz administrativo ao abrigo
dos quais este assegura a eficácia da decisão jurisdicional que
proferiu, impondo a sua execução diante da autoridade condenada, quer
por sua própria intervenção, quer substituindo-se à própria autoridade
executada na realização da actividade conforme à decisão, quer ainda
encarregando terceiros de assegurar a execução dessa mesma actividade de modo a
dar cumprimento à decisão executada.
Como ensina Mário Aroso de Almeida, os processos executivos existem
para obter do Tribunal a adopção das providências que concretizem, no plano dos
factos, aquilo que foi juridicamente declarado pelo tribunal no processo
declarativo (ou que consta de outro título que a lei reconhece como executivo),
adequando os factos ao Direito, a situação que existe àquela que segundo as
normas, deve existir.
Do artigo 157º
resultam os Títulos executivos que podem servir de base a um processo executivo
a intentar nos Tribunais administrativos
A este propósito, cabe referir o n.º 3 do
artigo 3.º do CPTA, que institui que “os tribunais administrativos asseguram
ainda a execução das suas sentenças (…) ”.
A disposição
citada assume particular relevância no novo sistema do contencioso
administrativo de execução de sentenças:
Em primeiro
lugar, institui-se um verdadeiro processo administrativo executivo, no contexto
de plena jurisdição executiva[1]:
para além da execução de sentenças anulatórias, regulam-se as providências
judiciais de execução de prestação de factos ou coisas, bem como de quantia
certa.
Em segundo lugar afirma-se o princípio da
auto-suficiência executiva dos tribunais administrativos diante da
Administração executada, isto é, estes passam a dispor de mecanismos ou
instrumentos estruturalmente executivos necessários para garantir a produção
dos efeitos práticos e jurídicos das suas sentenças declarativas e para
compelir a Administração a respeitá-los. O preceito introduz, “pela primeira vez no nosso contencioso
administrativo, verdadeiros processos executivos, que, assegurando aos
interessados a execução das decisões de que sejam beneficiários, se concretizam
num importantíssimo reforço dos poderes de que dispõem os tribunais
administrativos, na medida em que lhes conferem o poder de executarem ou
fazerem executar as decisões que proferem”[2].
Em terceiro, o
preceito afirma, ainda, o princípio da completude ou plenitude da tutela
executiva, autonomizando os poderes jurisdicionais executivos face aos
poderes jurisdicionais declarativos dos tribunais administrativos, introduzindo
poderes de intervenção jurisdicional estruturalmente adequados a todo o tipo de
posições jurídicas subjectivas inscritas no âmbito de relações jurídicas
administrativas, designadamente daquelas que não se satisfazem com uma
intervenção de natureza declarativa.
O n.º 3 do
artigo 3.º do CPTA, em conjugação com o princípio da tutela jurisdicional
efectiva consagra, realmente, o direito à imposição coerciva das obrigações de
conteúdo vinculado emergentes de sentença jurisdicional e o direito a
autênticos meios processuais que permitam, em tempo útil obter a satisfação
efectiva, no plano dos factos, das posições jurídicas violadas.
Deve, ainda,
salientar-se que o legislador do novo regime de processo nos tribunais
administrativos assumiu clara preferência pela tutela executiva restitutiva ou
reconstitutiva em face da tutela executiva ressarcitória ou compensatória. O
legislador, na óptica da maximização da protecção dos direitos e interesses
legítimos do cidadão, optou por consagrar um conjunto de mecanismos
vocacionados para a reconstituição natural do direito ou interesse violado pela
actuação administrativa em detrimento dos meios de compensação por equivalente
do beneficiário da sentença administrativa condenatória
O CPTA regula a
matéria dos processos executivos no Título VIII, que compreende os artigos 157.º
a 179.º. Em bom rigor, o CPTA só regula, as execuções promovidas contra
entidades públicas. A execução das sentenças proferidas pelos tribunais
Administrativos contra particulares também corre nos tribunais Administrativos,
mas rege-se pelo disposto na lei processual civil (157.º nº2 CPTA). Entendendo,
a este propósito, Mário Aroso de Almeida que o mesmo regime é aplicável, por
identidade de razão, às execuções intentadas contra particulares com base em
outros títulos executivos emergentes de relações jurídico - administrativas,
cuja existência permita prescindir da obtenção de sentenças a proferir pelos
tribunais administrativos.
O CPTA consagra
neste enquadramento três formas de processo executivo: o processo de execução
para prestação de factos ou de coisas (artigos 162.º a 169.º), o processo de
execução para pagamento de quantia certa (artigos 170.º a172.º) e o processo de
execução de sentenças de anulação de actos administrativos (artigos 173.º
a179.º).
Nos artigos
157.º a 161.º, contempla o CPTA um conjunto de “Disposições gerais” comuns a
todos os referidos processos executivos cuja regulamentação legal se inicia no
artigo 162.º.
Em síntese,
deve salientar-se quanto a estas disposições comuns:
· A sentença administrativa adquire exequibilidade após
o trânsito em julgado, sendo que a execução por parte da autoridade executada
deve ocorrer a partir desse momento ou, no caso de interposição de recurso com
efeito devolutivo, a partir do despacho de admissão do mesmo com fixação do
requerido efeito, artigo 160.º do CPTA;
· Tornou-se possível a extensão dos efeitos da sentença
administrativa a terceiros que se encontrem na mesma situação jurídica, desde
que no mesmo sentido tenham sido proferidas cinco sentenças transitadas em
julgado ou, existindo situações de processos em massa, nesse sentido tenham
sido decididos em três casos os processos selecionados segundo o disposto no
artigo 48.º - artigo 161.º do CPTA.
·
No 158.º reafirma a obrigatoriedade das decisões dos
tribunais administrativos, retirando-se daqui o dever de cumprimento espontâneo
das sentenças pela Administração,
dentro de um prazo, salvo ocorrência de causa legítima de inexecução, que nos
termos da lei, serão só a impossibilidade absoluta e o grave prejuízo para o
interesse público na execução da sentença.
Posto isto,
cabe analisar os mecanismos estruturalmente executivos de que dispõe o juiz
administrativo designadamente no que concerne à possibilidade de este se
substituir à Administração faltosa e de nomear terceiros ao processo para
assegurar a recomposição do «status quo ante»:
1. Em matéria
de substituição judicial da Administração, a lei permite, não só a entrega
judicial da coisa devida ao exequente como também a emissão de sentença
destinada a produzir os efeitos do acto ilegalmente omitido - cfr. artigos 3.º,
n.º 3, 157.º, n.º 4,164.º, n.º 4,
167.º, nºs. 5 e 6 e 179.º, n.º 5, do CPTA: quer num caso quer noutro, o
incumprimento por parte da Administração executada da sentença condenatória
motiva o poder judicial do juiz administrativo a intervir em sua substituição
de modo a dar plena satisfação aos direitos e interesses legítimos do
exequente;
2. Estando em
causa a execução para prestação de facto fungível, os tribunais podem
encarregar um terceiro para realizar a actuação material correspondente, a
expensas da Administração inadimplemente – cfr. artigos 3.º, n.º 3, in fine,
164.º, n.º 4, b), 167.º, nºs. 3 a 5, 170.º, n.º 2, b) e 172.º, nºs. 4 a 6 e
179.º, n.º 6, a contrario, todos do CPTA.
Em suma, nesta
sede da execução das suas sentenças, o juiz administrativo dispõe, não só do poder
de ordenar à entidade pública condenada que adopte no plano dos factos as
condutas necessárias ao restabelecimento da situação anterior à ilegalidade
cometida e condenada, como também o poder de se substituir à própria
Administração na prática dos actos necessários a essa reconstituição natural,
como ainda, o poder de encarregar terceiros de assegurar o cumprimento da
sentença exequenda.
Bibliografia:
ALMEIDA,
MÁRIO AROSO DE, CADILHA, CARLOS FERNANDES, Comentário ao Código de Processo nos
Tribunais Administrativos, Almedina, 2005;
ALMEIDA, MÁRIO AROSO
DE, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010;
ANDRADE, VIEIRA DE, A
Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 11.ª Edição, 2011;
MACHETE, Rui CHANCERELLE DE, Execução de Sentenças
administrativas”, Cadernos de Justiça Administrativa.
[1] Neste
sentido, Rui CHANCERELLE DE MACHETE, Execução de Sentenças administrativas”,
Cadernos de Justiça Administrativa nº 34, pág. 54 ss
[2] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, p.
34.
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