segunda-feira, 21 de maio de 2012

Processos Urgentes - PARTE II


Processos Urgentes – PARTE II

Intimação para protecção dos Direitos, Liberdades e Garantias



                As intimações são processos urgentes de condenação e, como tal, visam a adopção de comportamentos (no sentido amplo, abrangendo acções e omissões, operações materiais ou simples actos jurídicos) e, também, nomeadamente no caso das intimações para protecção dos direitos, liberdades e garantias, para a prática de actos administrativos.

                A necessidade de uma resolução urgente de determinadas situações leva a que estes processos sigam uma tramitação especial, simplificada ou, pelo menos, acelerada.





                A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias é um processo principal urgente que se encontra consagrado nos artigos 109º a 111º do CPTA.

                Trata-se de um meio processual urgente para defesa de direitos fundamentais, que prima pela celeridade e prioridade, e que procura dar tratamento às situações de urgência em moldes diversos daqueles que resultam dos procedimentos cautelares uma vez que tramita de forma sempre autónoma e decide uma causa definitivamente quanto ao seu mérito.

                Este novo meio processual é criado na sequência de um imperativo constitucional, nomeadamente o artigo 20º/5 da CRP, introduzido pela revisão constitucional de 1997 que dispõe que “ [p]ara a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”.

                Segundo Vasco Pereira da Silva, os direitos fundamentais consubstanciam-se em regras substantivas, procedimentais e processuais pelo que a sua concretização não é possível sem que existam meios contenciosos adequados, de forma a assegurar a sua tutela plena e efectiva.

                Este meio processual inclui-se dentro do regime dos direitos, liberdades e garantias, na acepção do artigo 17º da CRP, pelo que se deverá concluir que nos mesmos se incluem direitos fundamentais de natureza análoga, como é o caso do direito de propriedade, previsto no artigo 62º da CRP, beneficiando da mesma tutela conferida aos direitos, liberdades e garantias.



                Esta protecção acrescida justifica-se, na sua substância, pela especial ligação destes direitos à dignidade da pessoa humana, e, na sua oportunidade, pela consciência do perigo acrescido da respectiva lesão. A utilização desta acção deve no entanto, por isso mesmo, limitar-se às situações em que esteja em causa directa e imediatamente o exercício do próprio direito, liberdade ou garantia ou direito análogo.





Pressupostos processuais



Competência do tribunal

De acordo com o artigo 4º/1 al. a) do ETAF, cabe à jurisdição administrativa a apreciação dos litígios que tenham por objecto a tutela de direitos fundamentais.

Em face da hierarquia de tribunais existente, cabe entao averiguar que tribunal, em concreto toma conhecimento do pedido em 1ª instância. De acordo com o 44º/1, 1ª parte do ETAF, são os tribunais administrativos de círculo.

Quanto ao tribunal de círculo territorialmente competente, as regras encontram-se previstas nos artigos 16º e seguintes do CPTA e no artigo 20º/5 CPTA, que determina que os processos de intimação que não sejam relativos a pedidos de intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões, devem ser instaurados “no tribunal da área onde deva ter lugar o comportamento ou a missão pretendidos”.



Prazo de apresentação do pedido

A formulação de um pedido de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não está sujeita a qualquer prazo.

Este facto está relacionado com a configuração específica deste meio de defesa de direitos fundamentais na nossa ordem jurídica. Uma vez que a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não pode ser utilizada contra normas contidas em actos legislativos ou contra decisões judiciais, como também devido ao facto de os actos administrativos que sejam violadores de direitos fundamentais serem nulos (artigo 133º/2 al. d) do CPA), não se justifica em Portugal a introdução de qualquer prazo.





Requisitos de admissibilidade do pedido



Objecto

Quanto ao conteúdo do pedido pode consistir na adopção de uma conduta positiva ou negativa por parte da Administração, podendo mesmo consistir na prática de um acto administrativo (artigo 109º/1/3 do CPTA).

Mário Aroso de Almeida assinala que a intimação é um processo que se define pelo conteúdo impositivo e condenatório da tutela jurisdicional, cobrindo de modo transversa todo o universo de relações jurídico-administrativas.

O objecto é, portanto, a tutela dos direitos constantes no Titulo II da Parte I da CRP, bem como outros direitos fundamentais dispersos por outras secções da Lei Fundamental que revistam natureza análoga, nos termos do artigo 17º da CRP.



O objecto do pedido poderá ser um de três:

1. A condenação da Administração na emissão de um acto administrativo ou na cessação de efeitos deste;

2. A condenação da Administração na adopção de uma conduta material, ou na abstenção de uma determinada conduta material;

3. A condenação da Administração na emissão de um regulamento de execução, ou na revogação substitutiva de um regulamento de execução ilegal, de modo a prevenir ou a fazer cessar a violação de um direito, ou garantia do(s) particular(es).



Na primeira situação, a decisão jurisdicional pode conformar mais ou menos intensamente o conteúdo da decisão administrativa, de acordo com a natureza mais predominantemente discricionária ou vinculada do poder em causa. Pode chegar ao ponto de substituir a decisão administrativa, quando se tratar da emissão de um acto estritamente vinculado (artigo 109º/3 do CPTA).

Na segunda situação, a conduta que se pretende ver adoptada pela administração é de carácter material, o que torna a substituição mais difícil ao juiz.

Na terceira situação, podemos dividir em duas partes. Quanto á primeira parte deve relacionar-se com a previsão do artigo 77º do CPTA, que permite vencer a omissão administrativa na emissão de normas de execução de actos legislativos carentes de regulamentação. O prazo de 6 meses do artigo 77º/2 do CPTA parece ser um pouco excessivo para este tipo de situações tendo de se encurtar no caso de uma intimação para metade, ao abrigo do artigo 110º/3 do CPTA. já a segunda parte da hipótese coloca mais dúvidas pois a revogação por ilegalidade tem sido tradicionalmente qualificada como uma faculdade de exercício discricionário pela Administração, como deve ser contrapartida a emissão do regulamento substitutivo, para evitar lacunas no ordenamento jurídico-administrativo (artigo 119º/1 do CPA). No entanto, o CPTA permite a condenação da Administração no dever de emissão de “regulamentos devidos” e se admite a suspensão jurisdicional da eficácia de normas imediatamente exequíveis também, em nome da legalidade e coerência, deveria possibilitar a condenação do órgão emitente na revogação/substituição de um regulamento de execução que é ilegal e inconstitucional por violar direitos fundamentais.



Legitimidade das partes

Quanto à legitimidade activa, ela depende fundamentalmente da relação entre o requerente e a posição subjectiva defendida. Ou seja, parte legitima é todo aquele que alegar e provar sumariamente a ameaça de lesão (ou inicio de lesão) de um direito, liberdade ou garantia através de uma acção ou omissão, jurídica ou material, de entidades prossecutoras de funções materialmente administrativas. Pode ser requerida singularmente ou em coligação (artigo 12º/1 do CPTA). O requerente pode ser uma pessoa singular ou colectiva, de acordo com o 12º/2 CRP.

Em virtude de ser uma acção de carácter exclusivamente subjectivista não é reconhecida ao MP legitimidade para intervir, pela via da ação pública. Logo, também não há legitimidade popular.

Quanto à legitimidade passiva, o artigo 109º do CPTA os possíveis requeridos.



Respeito pela subsidiariedade em face do artigo 131º do CPTA

Segundo o artigo 109º/1 do CPTA, a admissibilidade da intimação depende, para além dos requisitos supra, da subsidiariedade relativamente à modalidade de decretamento provisório de qualquer providência cautelar prevista no artigo 131º do CPTA.

Mas a subsidiariedade é muito mais ampla do que a norma estatui. A possibilidade de utilização da intimação não depende apenas da impossibilidade ou insuficiência do decretamento provisório de qualquer providência, antes tem também como pressupostos a inexistência de qualquer outro meio processual especial de defesa de direitos, liberdades e garantias determinados.

Possibilidade ou suficiência, são estas as características que o decretamento deve revestir para demonstrar a sua prevalência em face da intimação. Cabe ao juiz da intimação avaliar da impossibilidade ou insuficiência hipotéticas do decretamento provisório, alegadas pelo requerente, antes de admitir o pedido.





Requisitos de provimento do pedido: a “indispensabilidade”



A indispensabilidade corresponde à absoluta e incontornável necessidade da intimação para assegurar a possibilidade de assegurar o direito.

Este requisito não está previsto na lei, mas segundo Carla Amado Gomes, constitui uma alusão à obrigação de ponderação, traduzindo-se implicitamente no não sacrifício intolerável, nem de valores de interesse público, nem de direitos da mesma natureza de outras pessoas.





Tramitação



A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é uma providência gerada na urgência (artigo 36º/1 al. d)/2 do CPTA).

Apesar de constituir um processo principal, em que visa uma decisão de fundo, a tramitação é extremamente simples e rápida.

A lei prevê vários andamentos possíveis para o processo consoante a urgência (artigos 110º e 111º do CPTA).

Importa referir que, não obstante a aceleração da tramitação, o legislador teve a preocupação de garantir sempre a audição do requerido, ainda que por qualquer meio de comunicação que se revele adequado (artigo 111º/2 o CPTA).





Efeitos da sentença



Os efeitos de uma decisão que ponha termo a um processo de intimação são, geralmente, de tipo declarativo condenatório, ou seja, o tribunal dirige uma injunção ao requerido ara que adopte uma determinada conduta, positiva ou negativa, com um sentido conformativo tão mais intenso quanto menor for a discricionariedade em jogo.

 No entanto, e conforme Rui Machete, o CPTA também abriu as portas a decisões de tipo executivo (substitutivo) quando se tratar da injunção para a prática de actos administrativos estritamente vinculados (artigo 109º/3 do CPTA).

A decisão condenatória deve conter a conduta precisa a adoptar pela entidade requerida com eventual fixação do prazo de cumprimento (artigo 109º/4 do CPTA).

Como efeito acessório da decisão de intimação pode o julgador impor ao titular do órgão da entidade requerida o pagamento de uma sanção compulsória em caso de incumprimento, nos termos do disposto no artigo 169º, ex vi do artigo 110º/5. Trata-se de um poder significativo do novo juiz de urgência.









Bibliografia:

- Carla Amado Gomes, “Textos Dispersos de Direito do Contencioso Adminstrativo”, AAFDL, 2009, páginas 383 a 428

- Vasco Pereira da Silva, “Novas e Velhas Andanças do Contencioso Administrativo. Estudos sobre a Reforma do Processo Administrativo, AAFDL, 2005, páginas 353 a 454

- José Carlos Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa (Lições)”, Almedina, 2011, páginas 219 a 331

- Eduardo André Galantes Alves, Tese de mestrado, “Procedimento Cautelar e Tutela Jurisdicional Efectiva”, FDUL, 2007/08

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