Processos Urgentes
– PARTE II
Intimação para protecção dos Direitos, Liberdades e
Garantias
As intimações são
processos urgentes de condenação e, como tal, visam a adopção de comportamentos
(no sentido amplo, abrangendo acções e omissões, operações materiais ou simples
actos jurídicos) e, também, nomeadamente no caso das intimações para protecção
dos direitos, liberdades e garantias, para a prática de actos administrativos.
A necessidade de
uma resolução urgente de determinadas situações leva a que estes processos
sigam uma tramitação especial, simplificada ou, pelo menos, acelerada.
A intimação para
a protecção de direitos, liberdades e garantias é um processo principal urgente
que se encontra consagrado nos artigos 109º a 111º do CPTA.
Trata-se de um
meio processual urgente para defesa de direitos fundamentais, que prima pela
celeridade e prioridade, e que procura dar tratamento às situações de urgência
em moldes diversos daqueles que resultam dos procedimentos cautelares uma vez
que tramita de forma sempre autónoma e decide uma causa definitivamente quanto
ao seu mérito.
Este novo meio
processual é criado na sequência de um imperativo constitucional, nomeadamente
o artigo 20º/5 da CRP, introduzido pela revisão constitucional de 1997 que
dispõe que “ [p]ara a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a
lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela
celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra
ameaças ou violações desses direitos”.
Segundo Vasco
Pereira da Silva, os direitos fundamentais consubstanciam-se em regras
substantivas, procedimentais e processuais pelo que a sua concretização não é
possível sem que existam meios contenciosos adequados, de forma a assegurar a
sua tutela plena e efectiva.
Este meio
processual inclui-se dentro do regime dos direitos, liberdades e garantias, na
acepção do artigo 17º da CRP, pelo que se deverá concluir que nos mesmos se
incluem direitos fundamentais de natureza análoga, como é o caso do direito de
propriedade, previsto no artigo 62º da CRP, beneficiando da mesma tutela
conferida aos direitos, liberdades e garantias.
Esta protecção
acrescida justifica-se, na sua substância, pela especial ligação destes
direitos à dignidade da pessoa humana, e, na sua oportunidade, pela consciência
do perigo acrescido da respectiva lesão. A utilização desta acção deve no
entanto, por isso mesmo, limitar-se às situações em que esteja em causa directa
e imediatamente o exercício do próprio direito, liberdade ou garantia ou
direito análogo.
Pressupostos
processuais
Competência do tribunal
De acordo com o artigo 4º/1 al. a) do ETAF, cabe à
jurisdição administrativa a apreciação dos litígios que tenham por objecto a
tutela de direitos fundamentais.
Em face da hierarquia de tribunais existente, cabe
entao averiguar que tribunal, em concreto toma conhecimento do pedido em 1ª
instância. De acordo com o 44º/1, 1ª parte do ETAF, são os tribunais
administrativos de círculo.
Quanto ao tribunal de círculo territorialmente
competente, as regras encontram-se previstas nos artigos 16º e seguintes do
CPTA e no artigo 20º/5 CPTA, que determina que os processos de intimação que
não sejam relativos a pedidos de intimação para prestação de informações,
consulta de documentos e passagem de certidões, devem ser instaurados “no
tribunal da área onde deva ter lugar o comportamento ou a missão pretendidos”.
Prazo de apresentação do pedido
A formulação de um pedido de intimação para
protecção de direitos, liberdades e garantias não está sujeita a qualquer
prazo.
Este facto está relacionado com a configuração
específica deste meio de defesa de direitos fundamentais na nossa ordem
jurídica. Uma vez que a intimação para protecção de direitos, liberdades e
garantias não pode ser utilizada contra normas contidas em actos legislativos
ou contra decisões judiciais, como também devido ao facto de os actos
administrativos que sejam violadores de direitos fundamentais serem nulos
(artigo 133º/2 al. d) do CPA), não se justifica em Portugal a introdução de
qualquer prazo.
Requisitos
de admissibilidade do pedido
Objecto
Quanto ao conteúdo do pedido pode consistir na
adopção de uma conduta positiva ou negativa por parte da Administração, podendo
mesmo consistir na prática de um acto administrativo (artigo 109º/1/3 do CPTA).
Mário Aroso de Almeida assinala que a intimação é
um processo que se define pelo conteúdo impositivo e condenatório da tutela
jurisdicional, cobrindo de modo transversa todo o universo de relações
jurídico-administrativas.
O objecto é, portanto, a tutela dos direitos
constantes no Titulo II da Parte I da CRP, bem como outros direitos
fundamentais dispersos por outras secções da Lei Fundamental que revistam
natureza análoga, nos termos do artigo 17º da CRP.
O objecto do pedido poderá ser um de três:
1. A condenação da Administração na emissão de um
acto administrativo ou na cessação de efeitos deste;
2. A condenação da Administração na adopção de uma
conduta material, ou na abstenção de uma determinada conduta material;
3. A condenação da Administração na emissão de um
regulamento de execução, ou na revogação substitutiva de um regulamento de
execução ilegal, de modo a prevenir ou a fazer cessar a violação de um direito,
ou garantia do(s) particular(es).
Na primeira situação, a decisão jurisdicional pode
conformar mais ou menos intensamente o conteúdo da decisão administrativa, de
acordo com a natureza mais predominantemente discricionária ou vinculada do
poder em causa. Pode chegar ao ponto de substituir a decisão administrativa,
quando se tratar da emissão de um acto estritamente vinculado (artigo 109º/3 do
CPTA).
Na segunda situação, a conduta que se pretende ver
adoptada pela administração é de carácter material, o que torna a substituição
mais difícil ao juiz.
Na terceira situação, podemos dividir em duas
partes. Quanto á primeira parte deve relacionar-se com a previsão do artigo 77º
do CPTA, que permite vencer a omissão administrativa na emissão de normas de
execução de actos legislativos carentes de regulamentação. O prazo de 6 meses
do artigo 77º/2 do CPTA parece ser um pouco excessivo para este tipo de
situações tendo de se encurtar no caso de uma intimação para metade, ao abrigo
do artigo 110º/3 do CPTA. já a segunda parte da hipótese coloca mais dúvidas
pois a revogação por ilegalidade tem sido tradicionalmente qualificada como uma
faculdade de exercício discricionário pela Administração, como deve ser
contrapartida a emissão do regulamento substitutivo, para evitar lacunas no
ordenamento jurídico-administrativo (artigo 119º/1 do CPA). No entanto, o CPTA
permite a condenação da Administração no dever de emissão de “regulamentos
devidos” e se admite a suspensão jurisdicional da eficácia de normas
imediatamente exequíveis também, em nome da legalidade e coerência, deveria
possibilitar a condenação do órgão emitente na revogação/substituição de um regulamento
de execução que é ilegal e inconstitucional por violar direitos fundamentais.
Legitimidade das partes
Quanto à legitimidade activa, ela depende
fundamentalmente da relação entre o requerente e a posição subjectiva
defendida. Ou seja, parte legitima é todo aquele que alegar e provar
sumariamente a ameaça de lesão (ou inicio de lesão) de um direito, liberdade ou
garantia através de uma acção ou omissão, jurídica ou material, de entidades
prossecutoras de funções materialmente administrativas. Pode ser requerida
singularmente ou em coligação (artigo 12º/1 do CPTA). O requerente pode ser uma
pessoa singular ou colectiva, de acordo com o 12º/2 CRP.
Em virtude de ser uma acção de carácter
exclusivamente subjectivista não é reconhecida ao MP legitimidade para
intervir, pela via da ação pública. Logo, também não há legitimidade popular.
Quanto à legitimidade passiva, o artigo 109º do
CPTA os possíveis requeridos.
Respeito pela subsidiariedade em face do artigo
131º do CPTA
Segundo o artigo 109º/1 do CPTA, a admissibilidade
da intimação depende, para além dos requisitos supra, da subsidiariedade
relativamente à modalidade de decretamento provisório de qualquer providência
cautelar prevista no artigo 131º do CPTA.
Mas a subsidiariedade é muito mais ampla do que a
norma estatui. A possibilidade de utilização da intimação não depende apenas da
impossibilidade ou insuficiência do decretamento provisório de qualquer
providência, antes tem também como pressupostos a inexistência de qualquer
outro meio processual especial de defesa de direitos, liberdades e garantias
determinados.
Possibilidade ou suficiência, são estas as
características que o decretamento deve revestir para demonstrar a sua
prevalência em face da intimação. Cabe ao juiz da intimação avaliar da impossibilidade
ou insuficiência hipotéticas do decretamento provisório, alegadas pelo
requerente, antes de admitir o pedido.
Requisitos
de provimento do pedido: a “indispensabilidade”
A indispensabilidade corresponde à absoluta e
incontornável necessidade da intimação para assegurar a possibilidade de
assegurar o direito.
Este requisito não está previsto na lei, mas
segundo Carla Amado Gomes, constitui uma alusão à obrigação de ponderação,
traduzindo-se implicitamente no não sacrifício intolerável, nem de valores de
interesse público, nem de direitos da mesma natureza de outras pessoas.
Tramitação
A intimação para protecção de direitos, liberdades
e garantias é uma providência gerada na urgência (artigo 36º/1 al. d)/2 do
CPTA).
Apesar de constituir um processo principal, em que
visa uma decisão de fundo, a tramitação é extremamente simples e rápida.
A lei prevê vários andamentos possíveis para o
processo consoante a urgência (artigos 110º e 111º do CPTA).
Importa referir que, não obstante a aceleração da
tramitação, o legislador teve a preocupação de garantir sempre a audição do
requerido, ainda que por qualquer meio de comunicação que se revele adequado
(artigo 111º/2 o CPTA).
Efeitos da
sentença
Os efeitos de uma decisão que ponha termo a um
processo de intimação são, geralmente, de tipo declarativo condenatório, ou
seja, o tribunal dirige uma injunção ao requerido ara que adopte uma
determinada conduta, positiva ou negativa, com um sentido conformativo tão mais
intenso quanto menor for a discricionariedade em jogo.
No entanto,
e conforme Rui Machete, o CPTA também abriu as portas a decisões de tipo
executivo (substitutivo) quando se tratar da injunção para a prática de actos
administrativos estritamente vinculados (artigo 109º/3 do CPTA).
A decisão condenatória deve conter a conduta
precisa a adoptar pela entidade requerida com eventual fixação do prazo de
cumprimento (artigo 109º/4 do CPTA).
Como efeito acessório da decisão de intimação pode
o julgador impor ao titular do órgão da entidade requerida o pagamento de uma
sanção compulsória em caso de incumprimento, nos termos do disposto no artigo
169º, ex vi do artigo 110º/5. Trata-se de um poder significativo do novo juiz
de urgência.
Bibliografia:
- Carla Amado Gomes, “Textos Dispersos de Direito do Contencioso
Adminstrativo”, AAFDL, 2009, páginas 383 a 428
- Vasco Pereira da Silva, “Novas e Velhas Andanças do Contencioso
Administrativo. Estudos sobre a Reforma do Processo Administrativo, AAFDL,
2005, páginas 353 a 454
- José
Carlos Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa (Lições)”, Almedina, 2011,
páginas 219 a 331
- Eduardo
André Galantes Alves, Tese de mestrado, “Procedimento Cautelar e Tutela
Jurisdicional Efectiva”, FDUL, 2007/08
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