segunda-feira, 21 de maio de 2012

Pode haver Intimação no âmbito de uma Acção Popular?


   A Acção Popular consiste num meio de participação do cidadão na condução política do Estado, seja para defender interesses públicos, que devam ser prosseguidos por entidades públicas – as denominadas pessoas colectivas de direito público, ou para fiscalizar a legalidade da actividade ou actuação administrativa, actuação dessas pessoas colectivas e dos seus órgãos e a defesa das posições dos particulares.

   A Acção popular está consagrada expressamente na Lei Fundamental no art.º 52º CRP, estando incluída no elenco dos direitos, liberdades e garantias. A Acção Popular permitindo ao cidadão participar na condução política do Estado, revela ser, uma decorrência do princípio democrático.

   A Lei 83/95 de 31 de Agosto (daqui em diante LAP) estatui a Acção Popular. Nesta Lei identificamos o seu âmbito objectivo e o seu âmbito subjectivo. O primeiro está estatuído no art.º 1º nº2 da LAP e segundo este são interesses protegidos pela LAP, a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público. O segundo, está estatuído nos art.º 2º e 3º da LAP que estatuem que têm legitimidade para procedimento de acção popular quaisquer cidadãos no gozo dos seus direito civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses que referimos a propósito do âmbito objectivo.

   Como resultado âmbito objectivo da LAP a acção popular ocupa-se de interesses difusos, ou seja interesses que pertencem a todos os indivíduos, ou pelo menos a um grupo alongado de indivíduos, que se encontram numa situação de contitularidade de um bem, decorrente de serem membros de uma comunidade. São interesses pluralistas, solidários, comunitários, não patrimoniais e desinteressados, sendo ontologicamente públicos.

   A intimação trata-se de um processo urgente de condenação, que visa a imposição judicial, em regra dirigida à Administração, da adopção de comportamentos (acções ou omissões), e também, designadamente no caso de intimação para a protecção de direitos, liberdade e garantias, para a prática de actos administrativos.[1]

   A Doutrina diverge quanto à possibilidade de aplicação do estatuído no art.º 109º do CPTA – a intimação para protecção de Direitos, Liberdades e Garantias – a direitos análogos, e ainda quanto a direitos difusos.

   Uma Acção popular implica direitos difusos, direitos da colectividade, segundo a Doutrina com a posição mais restricta, o interessado só poderá lançar mão da intimação quando estejam em causa direitos, liberdades e garantias subjectivos, ou seja, quando estejam em causa direitos de que aquele sujeito jurídico seja titular. É como que exigida uma conexão directa entre o Direito afectado e aquele que intenta a acção.

   Vozes como a de VIEIRA DE ANDRADE defendem a admissibilidade de acção popular no âmbito da defesa de bens colectivos, tal como o ambiente, pois segundo estes, a legitimidade concretizar-se-ia desde que tal respeite a disponibilidade legítima dos direitos pelos respectivos titulares.

   Por outro lado, e de encontro ao que defende a referida Doutrina mais restrictiva, defende CARLA AMADO GOMES que a existência do mecanismo de decretamento provisório da providência cautelar (art.º 131º do CPTA) constitui um argumento prático para reforçar a exclusão dos interesses difusos do âmbito da aplicação do art.º 109º do CPTA. Segundo a Autora a acção sumária pressupões a existência de uma posição jusfundamental devidamente individualizada, cujo resultado se traduza directa e imediatamente numa melhoria, material e/ou jurídica, sentida na esfera do autor. Não é isto que sucede no plano dos interesses difusos, onde lidamos com realidades metaindividuais.

   Parece-nos, salvo o devido respeito, que a razão está com CARLA AMADO GOMES desde logo pelo facto de existir um meio apto a salvaguardar as pretensões daqueles que actuam em acção popular, referimo-nos à providência cautelar provisória estatuída no art.º 131º do CPTA. Lembramos que a intimação é subsidiaria desta, ou seja, só se pode lançar mão da intimação se não for possível peticionar o decretamento provisório de uma providência cautelar. Dado que a intimação é um “último recurso” de que um titular de um direito se pode valer, este mecanismo estará reservado aos direitos especialmente valiosos, cuja infracção é especialmente grave e penosa para o lesado, dai se falar de uma posição devidamente individualizada, o que como sabemos não é o caso dos direitos difusos.

   Como vimos a Intimação é aplicável a direitos, liberdades e garantias pessoais, já a Acção popular aplica-se a direitos difusos. Assim sendo não existe uma compatibilidade entre os dois institutos, não sendo de admitir a Intimação no âmbito de uma acção popular.

Bibliografia:
- JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, Almedina, 11ª edição, 2011

- VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina, 2ª edição, 2009

- JOANA SOUSA in “O Contencioso Administrativo dos direitos, liberdades e garantias”, 2007

- CARLA AMADO GOMES, Em Homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral – Acção Pública e Acção Popular na Defesa do Ambiente, 2009

- CARLA AMADO GOMES, in “Intimação por Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias”, 2005


[1] VIEIRA DE ANDRADE, Justiça Administrativa, pág. 234, Almedina, 11ª edição, 2011

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