1.
Preliminares
A Administração está sujeita ao princípio da legalidade mas
nem sempre a lei regula do mesmo modo os actos a praticar pela Administração,
pormenorizando algumas situações e deixando outras em aberto para que a
Administração determine a consequência.
Os impostos são um exemplo em que a lei pormenoriza a acção
administrativa. A lei aqui regula todos
os aspectos da acção administrativa, ou seja, a lei vincula totalmente a
Administração – actos vinculados.
Mas existem casos em que a lei praticamente nada regula e
atribui uma margem de autonomia à Administração, decidindo esta de acordo com
critérios adequados à prossecução do interesse público – actos discricionários.
Em bom rigor, os actos administrativos nunca são totalmente
vinculados ou totalmente discricionários.
Pegando no exemplo dos impostos, a vinculação é quase total mas ainda
assim há discricionariedade quanto aos prazos para a Administração praticar os
actos. E, o fim do acto administrativo é sempre vinculado e quando o mesmo não
é prosseguido, a acto diz-se ilegal.
2.
Natureza
A discricionariedade é o poder de escolha entre
várias alternativas. Mas será essa escolha livre?
Segundo Afonso Queiró, o poder discricionário é uma
atribuição do poder de escolha feita
pelo legislador à Administração. Freitas
do Amaral chegou a concordar com esta posição mas actualmente defende que a
Administração está adstrita a encontrar a melhor solução para o interesse
público e que a discricionariedade é um poder-dever jurídico imposto pelo dever
de boa administração.
Engisch refere que o poder de escolha conferido à
Administração segue o resultado da decisão que é o único ajustado. E, segundo Vieira de Andrade, a
discricionariedade não é uma liberdade e sim uma competência, uma função
jurídica.
3.
Fundamento
As leis não podem ser uma figuração
abstracta do que irá ser cada um dos actos administrativos.
O poder discricionário visa assegurar o tratamento equitativo
dos casos individuais e tem fundamento
no princípio da separação de poderes. E, só há poder discricionário na medida
em que a lei o confere, só pode ser exercido por aqueles a quem a lei atribuir
este poder e sempre respeitando o fim com que a lei o confere.
O poder discricionário não é uma excepção ao princípio da
legalidade, é antes uma das formas possíveis de estabelecer a subordinação da
Administração à lei.
4.
Âmbito
Coloca-se a questão de saber o que é discricionário num acto
administrativo. Podem-se apontar os
seguintes aspectos que são discricionários:
1)
O momento da prática do acto;
2)
A decisão de praticar ou não um certo acto;
3)
Determinação dos factos e interesses relevantes
para a decisão ( o legislador não define os pressupostos abstractamente; é
necessário concretizar o interesse público em cada caso);
4)
Determinação do conteúdo concreto da decisão a
tomar – discricionariedade de escolha);
5)
A forma a adoptar para o acto;
6)
Formalidades a observar na preparação e na
prática do acto;
7)
Fundamentação da decisão quando a lei assim o
impõe ( art. 124.º do CPA). Quando a lei não impõe fundamentação, a decisão de
fundamentar o acto é discricionária;
8)
Faculdade de opor condições, termos, modos e
outras cláusulas acessórias no acto (art. 121.º do CPA).
5.
Limites
Os limites ao poder discricionário ocorrem por duas formas:
limites legais e auto-vinculação.
Os limites legais resultam da própria lei.
Quanto à auto-vinculação importa saber que a lei confere à Administração
o exercício dos poderes discricionários de duas formas:
a)
caso a caso, de acordo com o interesse público;
b)
com base numa previsão do que poderá acontecer
ou de acordo com uma experiência sedimentada de exercício dos seus poderes,
elaborando normas genéricas e enunciando critérios a que a própria
Administração obedecerá.
A jurisprudência entende que quando a Administração se
auto-vincula, está obrigada ao que decidiu submeter-se. E, caso contrarie essas
normas, esse acto será ilegal porque viola normas estabelecidas pela
Administração que são uma auto-vinculação do seu poder discricionário –
princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos.
Mas, note-se que a Administração não está obrigada a decidir
sempre com base em critérios imutáveis, pois o CPA admite que a Administração
decida de modo diferente na lógica do interesse público que é eminentemente
variável (art. 124.º, n.º 1, al. d) do CPA).
Mas a possibilidade de auto-vinculação pública não é
ilimitada: não pode violar o disposto no art. 112.º, n.º 5 da CRP e quando a
lei impõe casuísmo, a auto-vinculação será ilegal.
6.
Controlo
O controlo de legalidade determina se a Administração
respeitou ou violou a lei. Este pode ser
feito pelo tribunais e pela Administração.
O controlo de mérito avalia o fundamento das decisões e só
pode ser feito pela Administração. O
mérito do acto administrativo reconduz-se a uma ideia de justiça (adequação ao
interesse público que o acto visa prosseguir e os interesses legalmente
protegidos) e conveniência (harmonia entre o interesse público e os demais
interesses públicos afectados pelo acto).
O uso de poderes vinculados ilegais é objecto de controlo de
legalidade.
O uso de poderes discricionários inconvenientes e injustos é
objecto de controlo de mérito.
Quando os poderes sejam em parte vinculados e em parte
discricionários, o seu exercício ilegal está sujeito ao controlo de legalidade
e o seu mau uso está sujeito ao controlo de mérito.
Quanto à impugnação de actos discricionários, os mesmos podem
ser atacados contenciosamente com base nestes fundamentos:
a)
incompetência;
b)
vício de forma (em particular, por falta de
fundamentação);
c)
violação da lei (ofensa aos limites impostos ao
poder discricionário; violação de princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade,
boa fé, justiça, imparcialidade);
d)
defeitos de vontade (erro de facto).
Por fim, resta referir que, segundo Freitas do Amaral, a
única forma eficaz de controlo efectivo do exercício do poder discricionário da
Administração está no aumento do número de vinculações legais.
- ENGISCH, Karl, "Introdução ao Pensamento Jurídico", Fundação Calouste Gulbenkian;
- FREITAS DO AMARAL, Diogo, "Curso de Direito Administrativo", Vol. II, Almedina;
- QUEIRÓ, Afonso, "Os limites do poder discricionário das autoridades administrativas", Coimbra, 1966;
- VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos, "O Ordenamento Jurídico-administrativo Português" in Contencioso Administrativo, Braga, 1986
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