terça-feira, 22 de maio de 2012


Reforma da justiça cautelar administrativa

 O processo cautelar tem como premissa máxima garantir o tempo necessário para fazer Justiça, tendo sempre em conta a utilidade da sentença.

O regresso de Ulisses, como muitas vezes foi chamada a reforma de 2000, encontra a origem do seu nome no facto de ser tão esperada e desejada, nomeadamente porque vem alterar o capítulo referente à tutela cautelar das situações jurídicas administrativas, que encontrava pouca expressão no antigo LPTA.

A nova Lei processual administrativa, a Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, levando ao actual CPTA, significou a criação de um sistema de tutela jurisdicional cautelar pleno e efectivo – sendo um realização constitucional (revisão constitucional de 1997 – artigo 268.º n.º 4 da CRP), internacional (jurisdição do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem) e comunitária (jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias).

É de evidenciar, que antes desta esperada reforma, já havia reconhecimento do princípio que atribuía aos tribunais administrativos a possibilidade de conceder providências cautelares não especificadas, recorrendo-se à aplicação subsidiária do CPC. Contudo, o contencioso administrativo português continuava centrado essencialmente no instituto da suspensão da eficácia de actos administrativos, que, como é sabido, padece de evidentes insuficiências.

A lei admite providências de quaisquer tipo, estabelecendo que os tribunais administrativos passam a poder adoptar qualquer providência cautelar, antecipatória ou conservatória, que se mostre adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir num processo principal – artigo 122º do CPTA – limitando-se, de resto, a dar cumprimento ao que determina o artigo 268º/4 da CRP.

Como a Constituição já dispunha, é tudo isto que a reforma do contencioso administrativo vem trazer, ao formalizar expressamente o poder dos tribunais administrativos de adoptarem “providências cautelares não especificadas” e ao consagrar novas providências cautelares típicas, configuradas em função das características específicas das relações jurídico-administrativas, como é o caso das providências relativas a procedimentos de formação de contratos, do artigo 132º, e a regulação provisória do pagamento de quantias, do artigo 133º.

Assim, surge uma autonomia formal do CPTA relativamente ao Direito Processual Civil contrariamente ao que acontecia na vigência do LPTA, onde existia uma subordinação, ao CPC. No antigo regime, era este regime geral que detinha providências cautelares aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao processo administrativo e que ajudavam a combater a solidão da suspensão jurisdicional da eficácia, que era insuficiente para fazer face ao desdobramento das formas de actuação administrativa, para além do clássico acto administrativo.

No artigo 122º/2 CPTA apresenta-se um elenco a título indicativo, de providências cautelares que revela uma concretização da ideia de plenitude, em que naturalmente predominam as referências às providências antecipatórias, enquanto novidade. Este novo papel, leva a um sistema aberto que se segue por um critério de maior adequação, que tende a corresponder à melhor tutela - concretização do princípio da proporcionalidade. Está-se, desta forma, perante uma subsidiariedade material em concordância com artigo 20º/4 CRP, postuladora do princípio da tutela jurisdicional afectiva, contrariando a antiga subsidiariedade formal característica no LPTA.

As providências cautelares têm um carácter instrumental tendo em conta que o processo cautelar se encontra dependente da legitimidade efectiva que os agentes tenham para intentar um processo principal. Por outro lado, têm um carácter de provisoriedade, que se baseia na possibilidade de o tribunal revogar, alterar ou substituir, na pendência do processo principal, a sua decisão de adoptar ou recusar a providência cautelar. Tal só se verifica, se tiver ocorrido uma alteração relevante de circunstâncias inicialmente existentes. Assim, este meio processual é efémero, sendo que caduca com a sentença.

Adicionalmente, também é característico destas acções a sua constituição ser na forma sumária. Assim, o tribunal apenas procede a meras apreciações perfunctórias, baseadas num juízo sumário sobre os factos a apreciar, evitando antecipar juízos definitivos que, à partida só devem relevar no processo principal.


Em contencioso administrativo encontra-se dois tipos de providências cautelares: as conservatórias, onde o interessado pretende manter ou conservar um direito em perigo, visando impedir que as medidas da Administração venha a adoptar, prejudiquem o seu interesse; e as antecipatórias, em que o interessado procura que a Administração adopte medidas.

Quanto às providências cautelares conservatórias, se tiver sido emitido um acto jurídico-administrativo com conteúdo positivo, o art.112º nº2 al. a) permite a resolução com a suspensão da eficácia do acto, ao abrigo dos arts.128º e 129º do CPTA. As demais providências cautelares conservatórias identificam-se pela imposição provisória de uma ordem para que a Administração se abstenha de realizar determinada actividade.

Nas providências cautelares antecipatórias, há o objectivo de antecipar provisoriamente, um resultado favorável, já pretendido no pedido principal - art.112º nº2 alínea c), d), e) e f) do CPTA.

Para a concessão das providências cautelares são necessários determinados pressupostos e à luz do art.120º, os critérios são o do periculum in mora e do fumus bonis iuris. O primeiro é pressuposto essencial de qualquer providência cautelar, uma vez que só fará sentido afirmar que uma providência visa acautelar a utilidade de uma sentença, se houver o risco da inutilidade dessa sentença caso a providência não seja adoptada de imediato. O segundo, baseia-se na possibilidade de o requerente vir a ter êxito no processo principal. A aparência de bom direito, é um importante factor da racionalidade enquanto elementar exigência de justiça, que se impõe no interesse de todos os envolvidos no processo. Ninguém tem de ficar exposto do abuso da tutela cautelar por parte de quem faça valer pretensões manifestamente infundadas. Por regra, a atribuição de uma providência cautelar passa, assim, a depender da avaliação, por parte do juiz, sobre, por um lado, a existência do risco da constituição de uma situação de facto irreversível ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente e, por outro lado, o grau de viabilidade da pretensão deduzida ou a deduzir no processo principal, tal como ele resulta de uma apreciação perfunctória sobre o mérito da causa.

Por regra, a atribuição de uma providência cautelar passa, assim, a depender da avaliação, por parte do juiz, da eventual existência de facto irreversível ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente, e ainda, sobre o grau de viabilidade da pretensão deduzida ou a deduzir no processo principal.

 
Com estes dois pressupostos, à luz do princípio da proporcionalidade, o tribunal também tem de proceder à ponderação em conjunto dos vários interesses, públicos e privados, em causa, para ponderar se os danos que resultariam da concessão da providência não seriam superiores aos que resultariam da recusa (120º nº2).

Com a reforma de 2004, parece que uma nova dinâmica se instalou e as providências cautelares passaram a invadir os tribunais administrativos portugueses. O presidente do STA afirma que é preciso resistir, com determinação, ao impulso de trivialização deste tipo de processos. Além desta opinião, parte da doutrina realça o perigo de se politizar a justiça; contudo alguns nomes importantes do nosso contencioso administrativo, nomeadamente o Prof. Vasco Pereira da Silva, refuta essa possibilidade, uma vez que os juízes apenas fazem uma apreciação sobre a legalidade da decisão. O controlo de mérito não existe em Portugal.

Ainda assim, e, apesar de todas as críticas que existam, não há dúvida que a reforma foi bem sucedida no âmbito da tutela cautelar. É também de enfatizar, que os particulares ficaram melhor protegidos, sendo abrangidos por um regime que lhes permite ter um instrumento capaz de “entorpecer” algumas das actuação da Administração Pública.

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