Reforma da justiça cautelar administrativa
O regresso
de Ulisses, como muitas vezes foi chamada a reforma de 2000, encontra a origem
do seu nome no facto de ser tão esperada e desejada, nomeadamente porque vem
alterar o capítulo referente à tutela cautelar das situações jurídicas
administrativas, que encontrava pouca expressão no antigo LPTA.
A nova Lei
processual administrativa, a Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, com as
alterações introduzidas pela Lei nº 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, levando ao
actual CPTA, significou a criação de um sistema de tutela jurisdicional
cautelar pleno e efectivo – sendo um realização constitucional (revisão
constitucional de 1997 – artigo 268.º n.º 4 da CRP), internacional (jurisdição
do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem) e comunitária (jurisprudência do
Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias).
É de
evidenciar, que antes desta esperada reforma, já havia reconhecimento do princípio
que atribuía aos tribunais administrativos a possibilidade de conceder
providências cautelares não especificadas, recorrendo-se à aplicação
subsidiária do CPC. Contudo, o contencioso administrativo português continuava
centrado essencialmente no instituto da suspensão da eficácia de actos
administrativos, que, como é sabido, padece de evidentes insuficiências.
A lei admite
providências de quaisquer tipo, estabelecendo que os tribunais administrativos
passam a poder adoptar qualquer providência cautelar, antecipatória ou
conservatória, que se mostre adequada a assegurar a utilidade da sentença a
proferir num processo principal – artigo 122º do CPTA – limitando-se, de resto,
a dar cumprimento ao que determina o artigo 268º/4 da CRP.
Como a
Constituição já dispunha, é tudo isto que a reforma do contencioso
administrativo vem trazer, ao formalizar expressamente o poder dos tribunais administrativos
de adoptarem “providências cautelares não especificadas” e ao consagrar novas
providências cautelares típicas, configuradas em função das características
específicas das relações jurídico-administrativas, como é o caso das
providências relativas a procedimentos de formação de contratos, do artigo
132º, e a regulação provisória do pagamento de quantias, do artigo 133º.
Assim, surge
uma autonomia formal do CPTA relativamente ao Direito Processual Civil contrariamente
ao que acontecia na vigência do LPTA, onde existia uma subordinação, ao CPC. No
antigo regime, era este regime geral que detinha providências cautelares
aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao processo administrativo e que ajudavam
a combater a solidão da suspensão jurisdicional da eficácia, que era insuficiente
para fazer face ao desdobramento das formas de actuação administrativa, para
além do clássico acto administrativo.
No artigo
122º/2 CPTA apresenta-se um elenco a título indicativo, de providências
cautelares que revela uma concretização da ideia de plenitude, em que
naturalmente predominam as referências às providências antecipatórias, enquanto
novidade. Este novo papel, leva a um sistema aberto que se segue por um
critério de maior adequação, que tende a corresponder à melhor tutela -
concretização do princípio da proporcionalidade. Está-se, desta forma, perante
uma subsidiariedade material em concordância com artigo 20º/4 CRP, postuladora
do princípio da tutela jurisdicional afectiva, contrariando a antiga
subsidiariedade formal característica no LPTA.
As providências cautelares têm um carácter instrumental tendo em conta que o processo cautelar se encontra
dependente da legitimidade efectiva que os agentes tenham para intentar um
processo principal. Por outro lado, têm um carácter de provisoriedade,
que se baseia na possibilidade de o tribunal revogar, alterar ou substituir, na
pendência do processo principal, a sua decisão de adoptar ou recusar a providência
cautelar. Tal só se verifica, se tiver ocorrido uma alteração relevante de
circunstâncias inicialmente existentes. Assim, este meio processual é efémero,
sendo que caduca com a sentença.
Adicionalmente, também é característico destas acções a sua constituição ser na forma sumária. Assim, o tribunal apenas procede a meras apreciações perfunctórias, baseadas num juízo sumário sobre os factos a apreciar, evitando antecipar juízos definitivos que, à partida só devem relevar no processo principal.
Adicionalmente, também é característico destas acções a sua constituição ser na forma sumária. Assim, o tribunal apenas procede a meras apreciações perfunctórias, baseadas num juízo sumário sobre os factos a apreciar, evitando antecipar juízos definitivos que, à partida só devem relevar no processo principal.
Em contencioso administrativo encontra-se dois tipos de providências cautelares: as conservatórias, onde o interessado pretende manter ou conservar um direito em perigo, visando impedir que as medidas da Administração venha a adoptar, prejudiquem o seu interesse; e as antecipatórias, em que o interessado procura que a Administração adopte medidas.
Quanto às providências cautelares conservatórias, se tiver sido emitido
um acto jurídico-administrativo com conteúdo positivo, o art.112º nº2 al. a)
permite a resolução com a suspensão da eficácia do acto, ao abrigo dos
arts.128º e 129º do CPTA. As demais providências cautelares conservatórias identificam-se
pela imposição provisória de uma ordem para que a Administração se abstenha de
realizar determinada actividade.
Nas providências cautelares antecipatórias, há o objectivo de antecipar provisoriamente, um resultado favorável, já pretendido no pedido principal - art.112º nº2 alínea c), d), e) e f) do CPTA.
Nas providências cautelares antecipatórias, há o objectivo de antecipar provisoriamente, um resultado favorável, já pretendido no pedido principal - art.112º nº2 alínea c), d), e) e f) do CPTA.
Para a concessão das providências cautelares são necessários
determinados pressupostos e à luz do art.120º, os critérios são o do periculum in mora e do fumus bonis iuris. O primeiro é pressuposto essencial de qualquer providência cautelar, uma
vez que só fará sentido afirmar que uma providência visa acautelar a utilidade
de uma sentença, se houver o risco da inutilidade dessa sentença caso a
providência não seja adoptada de imediato. O segundo, baseia-se na
possibilidade de o requerente vir a ter êxito no processo principal. A aparência de bom
direito, é um importante factor da racionalidade enquanto elementar
exigência de justiça, que se impõe no interesse de todos os envolvidos no
processo. Ninguém tem de ficar exposto do abuso da tutela cautelar por parte de
quem faça valer pretensões manifestamente infundadas. Por regra, a atribuição
de uma providência cautelar passa, assim, a depender da avaliação, por parte do
juiz, sobre, por um lado, a existência do risco da constituição de uma situação
de facto irreversível ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o
requerente e, por outro lado, o grau de viabilidade da pretensão deduzida ou a
deduzir no processo principal, tal como ele resulta de uma apreciação
perfunctória sobre o mérito da causa.
Por regra, a atribuição de uma providência cautelar passa, assim, a
depender da avaliação, por parte do juiz, da eventual existência de facto
irreversível ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente,
e ainda, sobre o grau de viabilidade da pretensão deduzida ou a deduzir no
processo principal.
Com estes dois pressupostos, à luz do princípio da proporcionalidade, o tribunal também tem de proceder à ponderação em conjunto dos vários interesses, públicos e privados, em causa, para ponderar se os danos que resultariam da concessão da providência não seriam superiores aos que resultariam da recusa (120º nº2).
Com a reforma de 2004, parece que uma nova dinâmica se instalou e as
providências cautelares passaram a invadir os tribunais administrativos
portugueses. O presidente do STA afirma que é preciso resistir, com
determinação, ao impulso de trivialização deste tipo de processos. Além desta
opinião, parte da doutrina realça o perigo de se politizar a justiça; contudo
alguns nomes importantes do nosso contencioso administrativo, nomeadamente o
Prof. Vasco Pereira da Silva, refuta essa possibilidade, uma vez que os juízes apenas
fazem uma apreciação sobre a legalidade da decisão. O controlo de mérito não
existe em Portugal.
Ainda assim, e, apesar de todas as críticas que existam, não há dúvida
que a reforma foi bem sucedida no âmbito da tutela cautelar. É também de
enfatizar, que os particulares ficaram melhor protegidos, sendo abrangidos por
um regime que lhes permite ter um instrumento capaz de “entorpecer” algumas das
actuação da Administração Pública.
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