terça-feira, 22 de maio de 2012

Acórdão nº 499/96 do Tribunal Constitucional


ACÓRDÃO Nº 499/96 do Tribunal Constitucional

Comentário:

Quanto à questão colocada no acórdão do Tribunal Constitucional nº 499/96, da exigência de recurso hierárquico necessário, este pronunciou-se, no sentido da não inconstitucionalidade, entendendo que “Não se pode concluir, porém, que seja hoje inconstitucional qualquer exigência de recurso hierárquico necessário. Quando a interposição deste recurso não obsta a que o particular interponha no futuro, utilmente, em caso de indeferimento, recurso contencioso, não terá sido violado o direito de acesso aos tribunais administrativos, tal como é conformado pelo artigo 268º, nº 4, da Constituição. Nesta situação, a precedência de recurso hierárquico tem como efeito determinar o início do prazo para a interposição de recurso contencioso, sem o restringir nem acarretar a sua inutilidade. Estará em causa, simplesmente, uma ordenação do processo jurisdicional (…).”

Não foi esta porém a posição defendida por mim, como se pode ver no comentário elaborado sobre esta temática.

Segue a parte do acórdão que refere a posição do Tribunal Constitucional. Para consulta do texto integral: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19960499.html

Acórdão:

    13. A decisão da presente questão de constitucionalidade depende, pois, do sentido que se atribuir à norma do artigo 268º, nº 4, da Constituição. Na sua redacção actual, tal disposição parece alargar a garantia de recurso contencioso originariamente consagrada pelo legislador constituinte, uma vez que prescinde da expressa exigência de que este tenha por objecto um acto administrativo definitivo e executório - exigência que, na verdade, constava do texto primitivo e da versão dada pela Lei Constitucional nº 1/82 (ao artigo 268º, nº 3):
                
 "É garantido aos interessados recurso contencioso com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios, independen-temente da sua forma, bem como para obter o reconheci-mento de um direito ou interesse legalmente protegido."


          Perante a evolução do texto constitucional, a doutrina administrativa divide-se: alguns autores entendem que não terá sido suprimida a exigência de que o recurso contencioso seja precedido de recurso hierárquico necessário, tendo em vista a formação de um acto administrativo verticalmente definitivo [cf. Ehrhardt Soares, "O acto administrativo", Scientia Juridica, XXXIX (1990), p. 34; Freitas do Amaral, "O projecto de Código de Contencioso Administrativo", Scientia Juridica, XLI (1992), p. 17]; outros sustentam que terá sido "inconstitucionalizada" qualquer exigência de recurso hierárquico necessário, concluindo que cabe sempre recurso contencioso de acto administrativo com eficácia externa, se bem que não verticalmente definitivo [cf. Paulo Otero, "As garantias impugnatórias dos particulares no Código do Procedimento Administrativo", Scientia Juridica, XLI (1992), p. 58 e ss.; Maria Teresa de Melo Ribeiro, "A eliminação do acto definitivo e executório na revisão constitucional de 1989", Direito e Justiça, VII (1993), p. 221 e ss.].
           
     14. Em abono da primeira tese referida, podem recensear-se, em síntese, os seguintes argumentos:

            a) A exigência de recurso hierárquico necessário proporciona à Administração Pública a possibilidade de revogar actos ilegais - e mesmo, mais amplamente do que sucede no recurso contencioso, que é de mera legalidade, a oportunidade de revogar actos inconvenientes (cf. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, III, 1989, pp. 363-4), o que beneficia os administrados.

          b) Essa exigência é instrumental da economia processual, evitando a pendência de recursos hierárquicos desnecessários e racionalizando o funcionamento dos tribunais administrativos.

                c) Tal exigência, por fim, não constituirá uma verdadeira limitação do direito de acesso aos tribunais adminis­trativos, por ter uma função puramente ordenadora do processo, nunca obstando a que os administrados interponham recurso contencioso do eventual indeferimento do recurso hierárquico necessário.
                               
        15. A tese oposta, por seu turno, pode contrapor a estes os seguintes argumentos:

             a) Apesar da imediata interposição do recurso contencioso, a Administração Pública continua a poder revogar o acto "... até ao termo do prazo para a resposta ou contestação da autoridade recorrida" (artigo 47º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos).
         
         b) O argumento da economia processual é reversível, visto que a supressão do recurso hierárquico necessário favorecerá a celeridade processual, objectivo igualmente valioso na actividade jurisdicional.
                             
            c) A supressão do recurso hierárquico necessário assegura o máximo respeito pelas garantias dos particulares, que, para além de se poderem prevalecer imediatamente da via contenciosa, continuarão a poder interpor recurso hierárquico (facultativo).
      
      
        16. Mas não é exigível tomar posição nessa discussão para apreender, na sua essência mínima, a ratio da evolução do direito de acesso aos tribunais administrativos, relevante para efeitos de juízo de constitucionalidade.

   A substituição da referência a "actos administrativos que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos" não pode ser tida como irrelevante. De modo manifesto, a intenção normativa do legislador constitucional, objectivamente considerada, aponta para o aprofundamento das garantias dos administrados. Na perspectiva do legislador constitucional, a alteração ao nº 4 do artigo 268º significou o propósito de desvincular a garantia de recurso do conceito tradicional de acto definitivo e executório, pondo a sua tónica nos actos que são susceptíveis de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos. Esses actos serão, desde logo, susceptíveis de impugnação contenciosa, ao abrigo do disposto na citada norma constitucional.
                                 
  Objectivamente considerada, a evolução normativa revela a troca de um entendimento formal e conceptualista do direito de acesso aos tribunais administrativos por uma visão material, assente numa ideia de justiça orientada teleologicamente (afectada à tutela de direitos ou interesses).
   
  Não se pode concluir, porém, que seja hoje inconstitucional qualquer exigência de recurso hierárquico necessário. Quando a interposição deste recurso não obsta a que o particular interponha no futuro, utilmente, em caso de indeferimento, recurso contencioso, não terá sido violado o direito de acesso aos tribunais administrativos, tal como é conformado pelo artigo 268º, nº 4, da Constituição. Nesta situação, a precedência de recurso hierárquico tem como efeito determinar o início do prazo para a interposição de recurso contencioso, sem o restringir nem acarretar a sua inutilidade.                   

 Estará em causa, simplesmente, uma ordenação do processo jurisdicional, similar à que resulta do próprio estabelecimento de prazos para a interposição de recurso contencioso (artigo 28º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos), que só não valem relativamente a actos administrativos nulos - (assim artigo 134º, nºs 1 e 2 do Código do Procedimento Administrativo; sobre essa questão, cf. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, III, 1989, p. 334, e Jorge Miranda, "O regime dos direitos, liberdades e garantias", Estudos sobre a Constituição, III, 1979, p.77).


     17. No caso vertente, a exigência de prévia interposição de recurso hierárquico (necessário) contida no artigo 108º‑A do Decreto-Lei nº 498/72, aditado pelo Decreto‑Lei nº 214/83, não obsta à posterior interposição de recurso contencioso nem afecta a sua utilidade. Tal exigência não contraria, por conseguinte, a norma do nº 4 do artigo 268º da Constituição.
  
    Conclui-se, pois, que não é inconstitucional a norma contida no artigo 108º-A do Decreto-Lei nº 498/72, aditado pelo Decreto-Lei nº 214/83.

Sem comentários:

Enviar um comentário