ACÓRDÃO
Nº 499/96 do Tribunal Constitucional
Comentário:
Quanto à
questão colocada no acórdão do Tribunal Constitucional nº 499/96, da exigência
de recurso hierárquico necessário, este pronunciou-se, no sentido da não
inconstitucionalidade, entendendo que “Não se pode concluir, porém, que seja
hoje inconstitucional qualquer exigência de recurso hierárquico necessário.
Quando a interposição deste recurso não obsta a que o particular interponha no
futuro, utilmente, em caso de indeferimento, recurso contencioso, não terá sido
violado o direito de acesso aos tribunais administrativos, tal como é
conformado pelo artigo 268º, nº 4, da Constituição. Nesta situação, a
precedência de recurso hierárquico tem como efeito determinar o início do prazo
para a interposição de recurso contencioso, sem o restringir nem acarretar a
sua inutilidade. Estará em causa, simplesmente, uma ordenação do processo
jurisdicional (…).”
Não foi esta
porém a posição defendida por mim, como se pode ver no comentário elaborado
sobre esta temática.
Segue a parte do acórdão que
refere a posição do Tribunal Constitucional. Para consulta do texto integral: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19960499.html
Acórdão:
13. A decisão da presente questão de constitucionalidade
depende, pois, do sentido que se atribuir à norma do artigo 268º, nº 4, da
Constituição. Na sua redacção actual, tal disposição parece alargar a garantia
de recurso contencioso originariamente consagrada pelo legislador constituinte,
uma vez que prescinde da expressa exigência de que este tenha por objecto um
acto administrativo definitivo e executório - exigência que, na verdade,
constava do texto primitivo e da versão dada pela Lei Constitucional nº 1/82
(ao artigo 268º, nº 3):
"É garantido aos interessados
recurso contencioso com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos
administrativos definitivos e executórios, independen-temente da sua forma, bem
como para obter o reconheci-mento de um direito ou interesse legalmente
protegido."
Perante a
evolução do texto constitucional, a doutrina administrativa divide-se: alguns
autores entendem que não terá sido suprimida a exigência de que o recurso
contencioso seja precedido de recurso hierárquico necessário, tendo em vista a
formação de um acto administrativo verticalmente definitivo [cf. Ehrhardt
Soares, "O acto administrativo", Scientia
Juridica, XXXIX (1990), p. 34; Freitas do Amaral, "O projecto de
Código de Contencioso Administrativo", Scientia Juridica, XLI (1992), p. 17]; outros sustentam que terá
sido "inconstitucionalizada" qualquer exigência de recurso
hierárquico necessário, concluindo que cabe sempre recurso contencioso de acto
administrativo com eficácia externa, se bem que não verticalmente definitivo
[cf. Paulo Otero, "As garantias impugnatórias dos particulares no Código
do Procedimento Administrativo", Scientia
Juridica, XLI (1992), p. 58 e ss.; Maria Teresa de Melo Ribeiro, "A
eliminação do acto definitivo e executório na revisão constitucional de
1989", Direito e Justiça, VII
(1993), p. 221 e ss.].
14. Em abono da primeira tese referida,
podem recensear-se, em síntese, os seguintes argumentos:
a) A exigência
de recurso hierárquico necessário proporciona à Administração Pública a
possibilidade de revogar actos ilegais - e mesmo, mais amplamente do que sucede
no recurso contencioso, que é de mera legalidade,
a oportunidade de revogar actos inconvenientes (cf. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, III, 1989, pp.
363-4), o que beneficia os administrados.
b) Essa exigência
é instrumental da economia processual, evitando a pendência de recursos
hierárquicos desnecessários e racionalizando o funcionamento dos tribunais
administrativos.
c) Tal
exigência, por fim, não constituirá uma verdadeira limitação do direito de acesso
aos tribunais administrativos, por ter uma função puramente ordenadora do processo, nunca obstando
a que os administrados interponham recurso contencioso do eventual
indeferimento do recurso hierárquico necessário.
15. A tese oposta, por seu turno, pode
contrapor a estes os seguintes argumentos:
a) Apesar da
imediata interposição do recurso contencioso, a Administração Pública continua
a poder revogar o acto "... até ao termo do prazo para a resposta ou
contestação da autoridade recorrida" (artigo 47º da Lei de Processo nos
Tribunais Administrativos).
b) O argumento
da economia processual é reversível, visto que a supressão do recurso
hierárquico necessário favorecerá a celeridade processual, objectivo igualmente
valioso na actividade jurisdicional.
c) A supressão
do recurso hierárquico necessário assegura o máximo respeito pelas garantias
dos particulares, que, para além de se poderem prevalecer imediatamente da via
contenciosa, continuarão a poder interpor recurso hierárquico (facultativo).
16. Mas não é exigível tomar posição
nessa discussão para apreender, na sua essência mínima, a ratio da evolução do direito de acesso aos tribunais
administrativos, relevante para efeitos de juízo de constitucionalidade.
A substituição
da referência a "actos administrativos que lesem direitos ou interesses
legalmente protegidos" não pode ser tida como irrelevante. De modo
manifesto, a intenção normativa do legislador constitucional, objectivamente
considerada, aponta para o aprofundamento das garantias dos administrados. Na
perspectiva do legislador constitucional, a alteração ao nº 4 do artigo 268º
significou o propósito de desvincular a garantia de recurso do conceito
tradicional de acto definitivo e executório, pondo a sua tónica nos actos que
são susceptíveis de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos. Esses
actos serão, desde logo, susceptíveis de impugnação contenciosa, ao abrigo do
disposto na citada norma constitucional.
Objectivamente considerada,
a evolução normativa revela a troca de um entendimento formal e conceptualista
do direito de acesso aos tribunais administrativos por uma visão material,
assente numa ideia de justiça orientada teleologicamente (afectada à tutela de
direitos ou interesses).
Não se pode
concluir, porém, que seja hoje inconstitucional qualquer exigência de recurso
hierárquico necessário. Quando a interposição deste recurso não obsta a que o
particular interponha no futuro, utilmente, em caso de indeferimento, recurso
contencioso, não terá sido violado o direito de acesso aos tribunais
administrativos, tal como é conformado pelo artigo 268º, nº 4, da Constituição.
Nesta situação, a precedência de recurso hierárquico tem como efeito determinar
o início do prazo para a interposição de recurso contencioso, sem o restringir
nem acarretar a sua inutilidade.
Estará em causa,
simplesmente, uma ordenação do processo jurisdicional, similar à que resulta do
próprio estabelecimento de prazos para a interposição de recurso contencioso
(artigo 28º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos), que só não valem
relativamente a actos administrativos nulos - (assim artigo 134º, nºs 1 e 2 do
Código do Procedimento Administrativo; sobre essa questão, cf. Freitas do
Amaral, Direito Administrativo, III,
1989, p. 334, e Jorge Miranda, "O regime dos direitos, liberdades e
garantias", Estudos sobre a
Constituição, III, 1979, p.77).
17. No caso vertente, a exigência de
prévia interposição de recurso hierárquico (necessário) contida no artigo 108º‑A
do Decreto-Lei nº 498/72, aditado pelo Decreto‑Lei nº 214/83, não obsta à
posterior interposição de recurso contencioso nem afecta a sua utilidade. Tal
exigência não contraria, por conseguinte, a norma do nº 4 do artigo 268º da
Constituição.
Conclui-se,
pois, que não é inconstitucional a norma contida no artigo 108º-A do
Decreto-Lei nº 498/72, aditado pelo Decreto-Lei nº 214/83.
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