terça-feira, 22 de maio de 2012

Acção de Condenação à Pratica de Acto Devido


Acção de Condenação à Pratica de Acto Devido


1.       Introdução
A acção de condenação à prática de acto administrativo devido é uma modalidade de acção administrativa especial (artigo 46º/2-b) do CPTA), e está regulada nos artigos 66.º e seguintes do CPTA.
Até à Reforma do Contencioso em 1984/85, estava em vigor um Contencioso de mera anulação, de inspiração Francesa, no qual figurava o recurso directo de anulação, segundo o qual a condenação da Administração só era admitida para as acções em matéria de contratos e de responsabilidade, e, ainda assim, de forma limitada, e de forma "encapotada", no âmbito do contencioso de anulação, através da ficção do acto tácito de deferimento. Vasco Pereira da Silva refere que este método representava uma forma ineficaz de tutelar os direitos dos particulares pois a construção de um acto que se "finge" existir para depois "se fingir" que se anula para se continuar "a fingir" que daí resulta qualquer obrigação de praticar o acto contrário não tem qualquer relevância do ponto de vista prático nem teórico.
Ao Tribunal só cabia o poder de anular actos, e nunca de dar ordens à Administração,  e assim uma ordem de condenação não teria senão a eficácia de uma mera anulação, já que "julgar" não pode ser "praticar actos em vez da administração". Era este o entendimento daqueles que pensavam estar, assim, a respeitar o princípio da separação de poderes.
É evidente que esta confusão entre o poder de julgar e o de administrar não tem sentido, visto que, uma coisa é condenar a Administração à prática de actos administrativos o que corresponde a tarefa de julgar, outra é o tribunal praticar actos em vez da administração e assim interferir no domínio da discricionariedade Administrativa, fazendo sentido, neste último caso, sim, invocar o principio da separação de poderes.
Com a revisão constitucional de 1997, surge finalmente um novo meio processual de natureza condenatória criado pelo legislador constituinte. Denota-se, então, a possibilidade de determinação da prática do acto devido, componente essencial do princípio de tutela jurisdicional plena e efectiva dos direitos dos particulares, em face da Administração (artigo 268.º/4 CRP), possuindo esta natureza de direito fundamental, e então, imediatamente aplicável de acordo com o artigo 18 nº 1 CRP.
Nos termos do artigo 66.º CPTA, são referidas duas modalidades de acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido:
a) Condenação à emissão de acto ilegalmente omitido;
b) Condenação à emissão de acto ilegalmente recusado de conteúdo favorável, em substituição do acto anterior desfavorável



2.       Objecto
É discutido pela doutrina o objecto do processo, ou seja, o que é o acto devido.
Para Vieira de Andrade, o acto devido é aquele que, na perspectiva do autor, deveria ter sido emitido e não foi, quer tenha havido uma pura omissão, quer tenha sido praticado um acto que não satisfaça a sua pretensão.
Por outro lado, Vasco Pereira da Silva não concorda com esta sobre valorização do pedido imediato (o efeito pretendido pelo autor, isto é, a condenação na prática do acto devido) sobre o pedido mediato (o direito subjectivo que se pretende tutelar com esse efeito) e à causa de pedir (a lesão pela omissão ou pela actuação ilegal da administração). Este autor sugere, antes, uma concepção ampla do processo, que abrange também a consideração da causa de pedir. Assim, o objecto será a pretensão do interessado, mais correcta e especificamente, o direito subjectivo do particular a uma determinada conduta da administração; e não o acto de indeferimento.
Também seguindo esta posição, Mário Aroso de Almeida refere que “o processo de condenação não é configurado como um processo impugnatório, no sentido em que, mesmo quando tenha havido lugar á prática do acto devido o objecto do processo não se define por referência a esse acto ". Daqui se retira a irrelevância da existência do acto administrativo prévio, sendo que mesmo quando ele exista, a apreciação judicial apenas incidirá sobre a posição substantiva do particular. Em suma, o acto administrativo não possui qualquer autonomia, em caso de procedência do pedido do particular relativamente ao direito subjectivo lesado, ele é automaticamente eliminado.
No que toca ao regime legal, o CPTA adopta uma concepção ampla de objecto do processo, ao considerar que, tanto quando se está perante um caso de omissão ilegal, como quando se trata de um caso de acto de conteúdo negativo, “o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória” (art. 66º/2 CPTA). Além disso, o art. 70ºdo CPTA prevê a possibilidade de integrar, ainda, no objecto do processo pedidos relativos a actos de indeferimento (nº1) e de deferimento parcial (nº3) das pretensões dos particulares, que sejam praticados pela Administração na pendência do processo. De onde resulta que os poderes de pronúncia do juiz devem ir até onde os direitos dos particulares necessitados de tutela o exigirem, no âmbito da relação jurídica administrativa em causa, não se limitando o objecto do processo aos factos ou comportamentos anteriores à abertura do processo, mas abrangendo também os actos administrativos desfavoráveis, praticados na pendência da acção.
O artigo 71.º CPTA demonstra, pois, que o que o tribunal aprecia verdadeiramente é a concreta relação administrativa entre o particular e a Administração, no intuito de apurar a existência ou não do direito do particular, e determinar o próprio conteúdo do acto devido.




3.       Conteúdo
Embora o tribunal não possa determinar o conteúdo do acto a praticar (pois violar-se-ia o principio da separação de poderes) pode e deve explicitar as vinculações a que devem ser observadas pela Administração na emissão do acto devido, art.71 nº 2 CPTA.

Mário Aroso de Almeida indica três modalidades de sentenças:
 a) De condenação estrita: a Administração está vinculada, por lei, a proferir a sentença com um conteúdo determinado;
b) "Redução da discricionariedade a zero": a lei confere, em abstracto, certos poderes à Administração, contudo, no caso concreto, tem de praticar um acto com um determinado conteúdo.
c) Com conteúdo discricionário: a Administração pode praticar um qualquer acto, não estando sujeita a especificações quanto ao conteúdo do mesmo.

Vasco Pereira da Silva considera existirem apenas duas modalidades de sentenças:
- de discricionariedade em sentido abstracto: a lei vincula a Administração à prática de um acto com um determinado conteúdo, tanto no que concerne à oportunidade, como ao modo de exercício de poderes vinculados;
- de discricionariedade em sentido concreto: a lei vincula a Administração à prática de um acto com um conteúdo relativamente indeterminado, já que embora as escolhas quanto ao caso concreto sejam da responsabilidade desta, o tribunal estabelece os elementos vinculados (competência, fim e princípios) a respeitar, e fornece orientações quanto aos critérios de decisão – artigo 71.º/2 CPTA. São, na verdade, denominadas sentenças "mistas", uma vez que combinam efeitos de natureza condenatória estrita (quanto à prática do acto e aos elementos vinculados), efeitos declarativos de simples apreciação (quanto aos elementos discricionários), e efeitos de apreciação conformadora e preventiva da actuação administrativa futura (pois ao delimitar as circunstâncias do caso em concreto, está também a fazê-lo, ainda que indirectamente, para os futuros casos de natureza semelhante).

4.       Pressupostos
Os pressupostos processuais da condenação à prática do acto devido encontram-se regulados no art.º 67 do Código de Processo Administrativo:
a) No caso de existência de uma omissão administrativa ou prática de acto de conteúdo negativo (artigo 67.ºa) CPTA), podemos distinguir três situações legalmente previstas que poderão ser reduzidas a duas situações: a existência de uma omissão administrativa (al. a)) ou a existência de um acto de conteúdo negativo, pois tanto a recusa da prática de um acto favorável (al. b)) como a recusa liminar da Administração a pronunciar-se (al. b)) conduzem ao mesmo resultado. Assim, para que essa omissão seja juridicamente relevante é necessário que tenha existido um dever de actuação por parte de um órgão da administração competente desencadeado por um pedido do particular, e logicamente, não tenha havido qualquer decisão dentro do prazo legalmente estabelecido.

No passado, a regra para tratar estes casos seria considerá-los como tacitamente indeferidos, a fim de permitir a sua impugnação contenciosa. Só que através da mudança operada no aparelho contencioso administrativo fruto essencialmente da revisão constitucional de 1997 e da efectividade da tutela plena dos direitos subjectivos dos particulares, permite-se agora que os particulares solicitem directamente a condenação da Administração na prática do acto devido. Esta possibilidade dada pelo legislador vem terminar um processo de impugnação de que alguns autores, como o Vasco Pereira da Silva denominaram de "actos fingidos", afastando a anterior prática que levava os tribunais a anular os tais fingidos actos administrativos. A admissibilidade de acções condenatórias da Administração teve como consequência, como defendem Mário Aroso de Almeida e Vasco Pereira da Silva, que "o artigo 109º, nº1, do CPA é tacitamente derrogado na parte em que reconhece ao interessado a faculdade de presumir indeferida a sua prentensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação".

Contudo, o problema surge quando, porém, a omissão equivale ao deferimento tácito do pedido do particular (artigo 108.º CPA), o qual não deixa de ser uma ficção legal.
Mário Aroso de Almeida e Vieira de Andrade consideram o deferimento tácito um acto administrativo que resulta de uma presunção legal e , assim, entendem que não é possível recorrer a este meio processual, pois a produção do acto omitido já resulta da lei.
Já Vasco Pereira da Silva não considera o deferimento tácito como um acto administrativo, refere-o como uma "ficção legal” e assim aceita a possibilidade de pedido de condenação em pelo menos duas situações de deferimento tácito:
- No caso de deferimento tácito parcialmente desfavorável, isto é, quando formado nos termos da lei e não corresponder integralmente ao pedido do particular, permitindo a proposição de novos pedidos de condenação
- deferimento tácito apenas favorável relativamente a alguns dos sujeitos, mas não aos demais que se vêm confrontados com efeitos desfavoráveis, aquando de uma relação jurídica multilateral.

Mesmo admitindo que o deferimento tácito constitui um acto administrativo, isso não seria base suficiente para afastar a possibilidade de propor uma acção condenatória já que esta pode ter como objecto uma actuação administrativa desfavorável e não apenas uma omissão. Assim, a única objecção procedente não teria que ver com o facto de existir ou não um acto administrativo, mas sim que o deferimento tácito tenha efeitos positivos, ou seja, revelar-se em principio favorável para o interessado e não desfavorável.
 
b) Acto administrativo desfavorável ou de conteúdo negativo (artigo 67.ºnº 1-b) e c) CPTA): diz respeito à denegação do alegado direito do particular, e pode advir tanto da recusa da prática do acto, como da recusa de apreciação do pedido, isto é, do requerimento.



4.1   – Legitimidade

 O artigo 68.º CPTA refere se a regras de legitimidade quando estão em causa pedidos de condenação, e neste caso, são partes legitimas para os apresentar:

- Sujeitos privados: os indivíduos e pessoas colectivas que aleguem a titularidade de um direito ou interesse legalmente admitido (artigo 68.º/1-a) e b) CPTA);
- Sujeitos públicos: as pessoas colectivas mas também órgãos administrativos, uma vez que embora o preceito não o preveja, os órgãos são os verdadeiros sujeitos públicos em direito administrativo e, por outro lado, o artigo 10.º/4 CPTA entende que os pedidos dirigidos aos órgãos devem ser considerados como dirigidos às pessoas colectivas, pelo que, tal como entende Vasco Pereira da Silva, não se vê qualquer sentido útil em admitir pedidos de condenação no domínio de relações inter-subjectivas e já não no âmbito das inter-orgânicas, então, deve valer tanto "para fora" como "para dentro" das pessoas colectivas. Assim sendo o artigo 68.ºnº1 b) deve ser interpretado à luz do artigo 10º, dando prevalência a factores de ordem material sobre os de natureza formal.
- Ministério Público (actor público): actua na defesa da legalidade e do interesse público, apenas quando tal advenha de um dever objectivo que resulte directamente da lei, pelo que só pode formular pedidos de condenação quando esteja em causa, ao abrigo do artigo 68.º/1-c), a ofensa de um direito fundamental de um interesse público especialmente relevante (tão relevantes que chega ao ponto de se permitir ao MP desenvolver mecanismos destinados a protecção de direitos subjectivos) ou de qualquer bem referido no artigo 9.º/2 CPTA.

No que se refere a compatibilidade do pressuposto processual da legitimidade do MP com os pressupostos relativos ao comportamento da Administração a doutrina divide-se:
·         Vasco Pereira da Silva considera que só é admissível a intervenção do Ministério Público, quando tenha sido emitido um acto administrativo de conteúdo negativo, mas já não nos casos em que estejamos perante uma qualquer omissão administrativa, visto que, de uma prespectiva objectiva de defesa da legalidade e do interesse público, é mais grave a emissão de um acto administrativo ilegal do que a verificação de uma omissão de comportamento ilegal, do ponto de vista subjectivo, da protecção das posições de vantagem, a omissão pode ser tão ou mais relevante do que a actuação de conteúdo negativo. Daqui resulta a necessidade de tratamento diferenciado consoante estamos perante uma acção para defesa de interesses próprios ou face a uma acção pública e da acção popular.
·         Mário Aroso de Almeida e Vieira de Andrade não concordam e admitem a legitimidade em ambos os casos, pois o preceito circunscreve o poder de actuação do MP em que o dever de praticar o acto seja um dever objectivo sem dependência de apresentação de requerimento, nestes casos, então, o MP não tem de apresentar qualquer requerimento dirigido à prática do acto objectivamente devido nem de aguardar por qualquer resposta para pedir a condenação da administração ao cumprimento do seu dever de agir.

No que diz respeito ao Actor popular, também este tem legitimidade para apresentação de pedidos de condenação á prática de acto devido de acordo com o artigo 68º/1-d), por remissão ao 9º/2 CPTA. Denota se a necessidade de conciliar as disposições atributivas de legitimidade relativas ao actor público e ao actor popular, neste sentido, o actor popular só deve actuar quando o dever de praticar o acto resulte directamente da lei e esteja em causa a tutela de direitos fundamentais ou de interesse público especialmente relevante. O actor popular só é considerado parte legitima quando estamos frente a frente com um acto administrativo de contéudo negativo e não quando estamos perante qualquer omissão administrativa.



4.2    Oportunidade do Pedido

O último dos pressupostos relativos à propositura da acção é a oportunidade do pedido (artigo 69.º CPTA) que nos refere que em caso de inércia da Administração, o prazo é de um ano a contar desde o termo do prazo para a emissão do acto ilegalmente omitido, (art.º 69.º nº1), em caso de acto de conteúdo negativo, o prazo estabelecido é de três meses, contados da notificação do acto (art.º 69.ºnº2 e 3). O decurso do prazo não produz qualquer efeito substantivo mas apenas efeitos processuais, uma vez que só diz respeito ao pedido formulado, não dando lugar à sanação da invalidade, isto porque, um acto que já não pode ser impugnado pode ainda ser apreciado pelo tribunal, a título incidental, num processo distinto (em acção administrativa comum, ainda que sem eficácia condenatória quanto à prática do acto), em que estejam em causa outros direitos, artigo 38º.














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