domingo, 20 de maio de 2012

A urgência do 109º ou o decretamento imediato da providência cautelar do 131º CPTA



Após a revisão constitucional de 1997, o legislador administrativo viu-se obrigado em matéria de direitos, liberdades e garantias, a adoptar, em conformidade com a Lei Fundamental, um novo meio processual, com vista a consagrar o princípio da tutela jurisdicional efectiva preceituado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP), nascendo, o processo urgente de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias do artigo 109º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
O artigo 109º CPTA, constitui um processo urgente principal em matéria de protecção de direitos, liberdades e garantias.

A grande diferença entre processos urgentes, nos quais se destaca a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, e processos cautelares prende-se com o facto de os primeiros não estarem interligados com o processo principal.

Os processos urgentes principais, são processos autónomos, caracterizados por uma tramitação acelerada ou simplificada, considerando que estão em jogo questões cuja resolução à partida deve ocorrer num “tempo curto” não compatível com o tempo considerado normal para a generalidade dos processos.
Estes processos, ao contrário dos cautelares, decidem definitivamente o mérito da causa ou seja, desembocam em decisões judiciais definitivas quanto ao seu mérito, dada obviamente a celeridade com que no caso, se impõe alcançar a justa composição de todos os interesses envolvidos.

Por sua vez, a tutela cautelar, é caracterizada pela sua instrumentalidade (e provisoriedade) face ao processo principal, pretendendo-se que através de medidas conservatórias ou antecipatórias, seja provisoriamente regulada a situação em termos de se poder assegurar a utilidade da sentença.

O decretamento provisório vem previsto no artigo 131.º do CPTA e é utilizado quando se esteja perante situações em que a urgência é tal que se permite que uma providência cautelar seja decretada logo após se ter apresentado o pedido relativo à adopção da providência. O n.º 1 refere o caso em que a referida providência se destine a proteger direitos, liberdades e garantias.

A questão que cabe analisar, prende-se com o facto de saber quando é que se pode recorrer ao decretamento provisório da providência e quando se deve adoptar a via do processo urgente, nomeadamente a intimação para direitos, liberdades e garantias.
A opção está estreitamente ligada com a própria configuração entre um procedimento cautelar e um processo urgente.

Em comum, têm o facto de, para o seu decretamento é necessário que estejamos perante uma situação de “grande urgência”. Com isto quer salientar-se que não podem estar em causa situações a que se possa dar resposta através do processo comum, sob pena de privar os particulares de uma tutela jurisdicional verdadeiramente efectiva – neste caso um direito, liberdade e garantia não poder ser mais acautelado por não se ter actuado atempadamente.
Tem, pois, que estar em causa uma necessidade “especial” e prioritária na resolução do litígio.

Mas estes dois meios têm diferenças, por um lado o artigo 109º do CPTA permite uma decisão de mérito, enquanto o 131º, possibilita, tão só, uma decisão provisória para protecção do direito até ao julgamento da causa em sede de processo principal.

Se a questão de mérito não se compaginar com uma demora deve optar -se pela intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, nos termos dos artigos 109.º ss. Apesar de esta não ser a via comum de defesa dos direitos, liberdades e garantias, pois essa é a do processo comum, e apesar de ainda se ter de passar pelo crivo de não ser aplicável uma providência cautelar, a intimação constitui um meio que permite obter, rapidamente, uma decisão de fundo sobre uma situação em que estão em causa direitos de particular importância para o ordenamento jurídico português.

Ao requerente da intimação caberá alegar e provar (ainda que de forma sumária) que só a procedência do pedido de intimação lhe proporcionará a plenitude do exercício do seu direito, demonstrando assim a indispensabilidade da intimação, face ao caso concreto.

A ideia de Subsidiariedade entre o artigo 109º e o 131º tem sido retirada, desde logo, da remissão que o artigo 109º nº1 faz para o 131º CPTA.

Havendo, mesmo, Doutrina que denomina esta situação de “dupla subsidiariedade”. Considerando que, o requisito de impossibilidade de decretamento da providência e a insuficiência da providência por não conferir uma decisão definitiva consubstanciam o primeiro patamar. O segundo prende-se com o facto de só se recorrer à intimação se não se puder lançar mão de qualquer outro meio que permita tutelar adequadamente o direito em apreço.

Não obstante a lei parecer clara no tocante à subsidiariedade, há doutrina que questiona se do espírito da lei não se retira, antes, uma verdadeira alternatividade entre ambas as acções processuais.

Ainda que a providência cautelar do 131º surja como o meio de defesa preferencial, a verdade é que, será sempre necessário analisar o caso concreto e perceber o que se pretende com a acção colocada, pois muitas vezes a providência cautelar poderá ser utilizada num sentido e com um objectivo díspar da sua própria natureza, sendo instaurada como forma de obtenção de uma decisão definitiva, que uma vez proferida, fará com que não exista qualquer interesse no seguimento de um processo de reconhecimento de direitos principal.

Lançar mão desta subsidiariedade do 109º do CPTA para fazer da providência cautelar uma forma de obtenção de uma decisão de mérito, em detrimento do processo urgente, seria confundir os papéis que cada uma das acções possui no contencioso administrativo, desvirtuando o que o legislador pretendera ao criar este elo de ligação entre ambas as tutelas jurisdicionais de direitos, liberdades e garantias de forma célere.

Assim, sempre que esteja em causa urgência na decisão, mas a decisão pretendida seja uma decisão de mérito, uma decisão que, uma vez proferida, não confira qualquer interesse no prosseguimento de uma outra acção dita principal, não poderá ser nunca, a providência cautelar o meio de agir, não se podendo nunca equacionar como legítimo o recurso à última parte do nº1 do artigo 109º do CPTA de modo a afastar a acção urgente de intimação para protecção de direito, liberdades e garantias.

O processo urgente do 109º do CPTA funcionará, segundo o exposto, em alternatividade, mais do que subsidiariedade pura com o artigo 131º do CPTA ou, até mesmo, com qualquer providência cautelar específica destinada a tutela de direitos, liberdades e garantias, pois será possível ser o processo urgente, à luz do caso concreto, o único meio processual utilizável e admissível à satisfação da pretensão do requerente. A urgência do 109º andará lado a lado com a provisoriedade do 131º do CPTA, não se encontrando forçosamente na retaguarda desta última.

Entende Paulo Pereira Gouveia, que o CPTA e a CRP impõem que o juiz faça a convolação oficiosa do processo principal urgente regulado no 109º em pedido de decretamento provisório de providência cautelar, quando o juiz considerar que não se impõe a tutela de fundo. Mas, continua o autor, se não se verificarem os pressupostos requeridos no artigo 131º nº1 do CPTA, o juiz pode convolar o pedido formulado ao abrigo do artigo 109º num pedido de providência cautelar.




Bibliografia:
Almeida, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, Almedina, 2010;
Andrade, José Vieira de, A Justiça Administrativa – Lições, Coimbra, Almedina, 2009; 
Cadernos Justiça Administrativa, nº55, Coimbra, reimpressão 2006; 

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