terça-feira, 22 de maio de 2012

Contencioso naturalmente administrativo sob a égide do Tribunal Constitucional: o Contencioso eleitoral



Contencioso naturalmente administrativo sob a égide do Tribunal Constitucional: o Contencioso eleitoral

O contencioso eleitoral pode ser definido como o conjunto de normas eleitorais que estão submetidas à garantia da regularidade de todas as operações jurídicas que decorrem ao longo do processo eleitoral, através de órgãos judiciais.

No direito eleitoral português existe (como não podia deixar de suceder) uma atribuição de competências para julgamento de litígios eleitorais aos Tribunais. Nos termos do artigo 113º nº 7 da Constituição da República Portuguesa cabem aos tribunais o julgamento da regularidade e validade dos actos do processo eleitoral. Cabe em última instancia ao Tribunal Constitucional a competência para julgar este tipo de litígios, tanto no que toca a regularidade como validade de actos do processo eleitoral (artigo 223º nº2 CRP).
Está assim consagrado um verdadeiro Principio de Controlo Jurisdicional da validade e regularidade dos processos eleitorais.

Através da jurisdição eleitoral o que se pretende tutelar é o direito de sufrágio. Direito, Liberdade e Garantias fundamentais dos cidadãos e do Estado de Direito Democrático. Trata-se de assegurar a garantia dos direitos fundamentais de eleição passiva e activa, e de garantia de periodicidade de eleições, com a renovação dos cargos políticos através da legitimação democrática.

Jorge Miranda, no seu Livro Direito Constitucional III – Direito Eleitoral, ensina-nos que o contencioso eleitoral é um contencioso constitucional. No entanto “a sua estrutura não deixa de ser a de contencioso administrativo, porque tem por objecto conflitos decorrentes de uma actividade administrativa, mesmo se sui generis, e porque os chamados recursos eleitorais seguem, no essencial, o processo das acções contenciosas administrativas. Uma coisa é a competência jurisdicional, outra coisa a natureza em si das questões e dos meios processuais correspondentes.”

Ora, no Direito Português, o contencioso eleitoral exerce-se de dois prismas: o recenseamento eleitoral e o processo eleitoral em sentido próprio. Isto é, a marcação de eleições, a apresentação de candidaturas, a constituição e preenchimento de mesas eleitorais, a campanha, a votação, e apuramento de resultados.

Para alem destas matérias que devem ser tidas em conta como de natureza puramente administrativa, há no contencioso eleitoral ilícitos próprios.

Estes ilícitos são condutas tipificadas que da sua adopção corresponde um ilicitude.
Pode distinguir-se o ilícito penal, ou seja as situações mais gravosas que atentam de forma profunda os direitos, liberdades e garantias dos eleitores, candidatos ou do correcto desenvolvimento do processo eleitoral. Do ilícito de mera ordenação social, isto é as condutas que constituem infracções que não atingem dignidade penal, pela sua menor gravidade. Estas são colocam de forma grosseira em crise os Direitos, Liberdades e Garantias dos Cidadãos, nem os princípios basilares do processo eleitoral.
Quanto aos ilícitos penais deve seguir-se o procedimento regular dos crimes. Para as restantes, as correspondentes multas ou coimas são aplicadas em prima facie pela CNE, quanto às infracções relativas à organização do processo eleitoral e à campanha; e pelos presidente de Câmara Municipal, quanto às relativas à organização do processo de votação, sufrágio e apuramento de resultados eleitorais. Relativamente a esta última o recurso da decisão está submetido aos tribunais comuns.

Há ainda espaço para o juiz da comarca intervir quando se trata de aplicação de coimas respeitantes a contra-ordenações cometidas por eleitos locais no exercício das suas funções.
O processo eleitoral é um processo urgente, por força da calendarização dos actos e da impossibilidade de adiamento dos mesmos. Muitas vezes se chama a esta consequência o principio da casacata.

A legitimidade activa no contencioso eleitoral é muitíssimo ampla.
Quanto à legitimidade processual de recurso  recenseamento, importa dizer-se que qualquer cidadão eleitor da circunscrição de recenseamento tem legitimidade activa.  O mesmo sucede para os Partidos Políticos.

Quanto á legitimidade processual de recurso de apresentação de candidaturas, é atribuída legitimidade aos candidatos, aos partidos e quando seja possível aos grupos de cidadãos.
Quanto ao recurso da votação e apuramento de resultados eleitorais qualquer eleitor da assembleia de voto, qualquer partido politico, ou grupo de cidadãos pode intentar recurso.

Acontece, que o recurso jurisdicional exige prévia apresentação de reclamação junto do órgão onde se procedeu a primeira decisão do acto que se visa impugnar. O recurso será sempre o acto de indeferimento sobre a reclamação, protesto ou contraprotesto. Isto só assim não sucede em virtude da natureza própria da eleição, quanto ao Presidente da República, que se abre logo recurso da decisão para o plenário do Tribunal Constitucional.

  Como se vê este é um contencioso muito particular e curioso. Trata-se de um contencioso de tipo administrativo, mas que o legislador não atribuiu aos tribunais administrativos – antes ao Tribunal Constitucional.

Não se trata porém de uma decisão despicienda. Trata-se correcta a opção pela jurisdicionalização do contencioso eleitoral pelo Tribunal Constitucional. Os valores em causa são tão graves e precisos que o respeito pelo estrito cumprimento destes, levou a que seja o Guardião dos Direitos Fundamentais na Ordem Constitucional Portuguesa quem decida sobre esta matéria.

Não obstante haver uma tendência na centralização da decisão pelo Tribunal Constitucional, essa tendência não esgota o poder de decisão sobre todas as matérias eleitorais.

Há muitos casos em que se exige procedimento administrativo prévio. A maioria dos actos do processo eleitoral são predominantemente administrativos e executados por autoridades administrativas. Ora, e nestes casos, o poder judicial só é chamado a pronunciar-se nos termos gerais do contencioso administrativo. 

Sem comentários:

Enviar um comentário