Contencioso
naturalmente administrativo sob a égide do Tribunal Constitucional: o
Contencioso eleitoral
O contencioso eleitoral pode ser definido como o conjunto de
normas eleitorais que estão submetidas à garantia da regularidade de todas as
operações jurídicas que decorrem ao longo do processo eleitoral, através de
órgãos judiciais.
No direito eleitoral português existe (como não podia deixar
de suceder) uma atribuição de competências para julgamento de litígios
eleitorais aos Tribunais. Nos termos do artigo 113º nº 7 da Constituição da
República Portuguesa cabem aos tribunais o julgamento da regularidade e
validade dos actos do processo eleitoral. Cabe em última instancia ao Tribunal
Constitucional a competência para julgar este tipo de litígios, tanto no que
toca a regularidade como validade de actos do processo eleitoral (artigo 223º
nº2 CRP).
Está assim consagrado um
verdadeiro Principio de Controlo Jurisdicional da validade e regularidade dos
processos eleitorais.
Através da jurisdição eleitoral o que se pretende tutelar é
o direito de sufrágio. Direito, Liberdade e Garantias fundamentais dos cidadãos
e do Estado de Direito Democrático. Trata-se de assegurar a garantia dos
direitos fundamentais de eleição passiva e activa, e de garantia de periodicidade
de eleições, com a renovação dos cargos políticos através da legitimação
democrática.
Jorge Miranda, no seu Livro
Direito Constitucional III – Direito Eleitoral, ensina-nos que o contencioso
eleitoral é um contencioso constitucional. No entanto “a sua estrutura não
deixa de ser a de contencioso administrativo, porque tem por objecto conflitos
decorrentes de uma actividade administrativa, mesmo se sui generis, e porque os chamados recursos eleitorais seguem, no
essencial, o processo das acções contenciosas administrativas. Uma coisa é a
competência jurisdicional, outra coisa a natureza em si das questões e dos
meios processuais correspondentes.”
Ora, no Direito Português, o
contencioso eleitoral exerce-se de dois prismas: o recenseamento eleitoral e o
processo eleitoral em sentido próprio. Isto é, a marcação de eleições, a
apresentação de candidaturas, a constituição e preenchimento de mesas
eleitorais, a campanha, a votação, e apuramento de resultados.
Para alem destas matérias que
devem ser tidas em conta como de natureza puramente administrativa, há no
contencioso eleitoral ilícitos próprios.
Estes ilícitos são condutas
tipificadas que da sua adopção corresponde um ilicitude.
Pode distinguir-se o ilícito
penal, ou seja as situações mais gravosas que atentam de forma profunda os
direitos, liberdades e garantias dos eleitores, candidatos ou do correcto
desenvolvimento do processo eleitoral. Do ilícito de mera ordenação social,
isto é as condutas que constituem infracções que não atingem dignidade penal,
pela sua menor gravidade. Estas são colocam de forma grosseira em crise os
Direitos, Liberdades e Garantias dos Cidadãos, nem os princípios basilares do
processo eleitoral.
Quanto aos ilícitos penais deve
seguir-se o procedimento regular dos crimes. Para as restantes, as
correspondentes multas ou coimas são aplicadas em prima facie pela CNE, quanto às infracções relativas à organização
do processo eleitoral e à campanha; e pelos presidente de Câmara Municipal,
quanto às relativas à organização do processo de votação, sufrágio e apuramento
de resultados eleitorais. Relativamente a esta última o recurso da decisão está
submetido aos tribunais comuns.
Há ainda espaço para o juiz da
comarca intervir quando se trata de aplicação de coimas respeitantes a
contra-ordenações cometidas por eleitos locais no exercício das suas funções.
O processo eleitoral é um processo
urgente, por força da calendarização dos actos e da impossibilidade de
adiamento dos mesmos. Muitas vezes se chama a esta consequência o principio da
casacata.
A legitimidade activa no
contencioso eleitoral é muitíssimo ampla.
Quanto à legitimidade processual
de recurso recenseamento, importa
dizer-se que qualquer cidadão eleitor da circunscrição de recenseamento tem
legitimidade activa. O mesmo
sucede para os Partidos Políticos.
Quanto á legitimidade processual
de recurso de apresentação de candidaturas, é atribuída legitimidade aos
candidatos, aos partidos e quando seja possível aos grupos de cidadãos.
Quanto ao recurso da votação e apuramento
de resultados eleitorais qualquer eleitor da assembleia de voto, qualquer
partido politico, ou grupo de cidadãos pode intentar recurso.
Acontece, que o recurso
jurisdicional exige prévia apresentação de reclamação junto do órgão onde se
procedeu a primeira decisão do acto que se visa impugnar. O recurso será sempre
o acto de indeferimento sobre a reclamação, protesto ou contraprotesto. Isto só
assim não sucede em virtude da natureza própria da eleição, quanto ao
Presidente da República, que se abre logo recurso da decisão para o plenário do
Tribunal Constitucional.
Como se vê este é um
contencioso muito particular e curioso. Trata-se de um contencioso de tipo
administrativo, mas que o legislador não atribuiu aos tribunais administrativos
– antes ao Tribunal Constitucional.
Não se trata porém de uma decisão
despicienda. Trata-se correcta a opção pela jurisdicionalização do contencioso
eleitoral pelo Tribunal Constitucional. Os valores em causa são tão graves e
precisos que o respeito pelo estrito cumprimento destes, levou a que seja o
Guardião dos Direitos Fundamentais na Ordem Constitucional Portuguesa quem
decida sobre esta matéria.
Não obstante haver uma tendência
na centralização da decisão pelo Tribunal Constitucional, essa tendência não
esgota o poder de decisão sobre todas as matérias eleitorais.
Há muitos casos em que se exige
procedimento administrativo prévio. A maioria dos actos do processo eleitoral
são predominantemente administrativos e executados por autoridades
administrativas. Ora, e nestes casos, o poder judicial só é chamado a
pronunciar-se nos termos gerais do contencioso administrativo.
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