terça-feira, 22 de maio de 2012

A relevância das impugnações administrativas para efeitos contenciosos


A relevância das impugnações administrativas para efeitos contenciosos
A suspensão do prazo para a impugnação judicial de actos administrativos

As regras gerais que regulam os prazos de impugnação contenciosa de actos administrativos, estão consagradas nos artigos 58.º e 59.º do CPTA e quanto a elas podem colocar-se diversas questões relevantes.
No entanto e por estar condicionada aos limites que um comentário no blogue impõe, vou me restringir à análise de um só problema específico: o de saber o alcance do artigo 59.º, n.º 4 do CPTA e a consequente aplicação do regime de suspensão do prazo de impugnação judicial, quando seja utilizado um meio de impugnação administrativa. Haverá sempre suspensão do prazo ou esta apenas ocorrerá em algumas circunstâncias?
A fim de contextualizar a questão, cabe começar por referir que a norma prevista no artigo 59.º, nº 4 do CPTA, foi introduzida aquando da reforma do contencioso administrativo de 2004 e passou a prever na sua primeira parte, que a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, o que não acontecia antes da reforma. Até aí, os meios de impugnação administrativa, não tinham por efeito a suspensão do prazo do, anterior, recurso contencioso de anulação, pelo que este novo artigo 59.º, n.º 4 veio revogar tacitamente os artigos do CPA que o contrariem, nomeadamente o 164.º, n.º 2 do CPA.
 Este novo artigo consubstancia assim uma excepção ao princípio da continuidade dos prazos judiciais previsto no CPTA e tem como objectivo promover e recomendar o recurso por parte dos particulares aos meios de impugnação administrativa, seja tratando-se de reclamação (artigo 161.º e segs do CPA) ou de recurso hierárquico (artigo 166.º e segs do CPA), evitando-se assim a desvalorização das impugnações administrativas em claro favor das impugnações judiciais e fomentando a resolução dos litígios pela própria administração e evitando ou adiando tanto quanto possível o recurso aos tribunais administrativos.
Importa então analisar o âmbito de aplicação deste instituto.
  Ressalvando que há quem defenda, como Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, que este regime não tem aplicação restrita às acções de impugnação de actos administrativos e portanto aplica-se também aos processos urgentes, actos pré contratuais e acções de condenação, parecendo haver, pelo menos para a última, disposição legal expressa que o confirma (artigo 69.º, n.º 3 do CPTA), a questão que vai ser apreciada neste comentário é a de se saber se a decisão de rejeição de um recurso administrativo por falta de preenchimento dos preenchimentos dos pressupostos procedimentais, nos termos do artigo 173.º do CPA, afasta a aplicação do 59.º, nº 4 do CPTA ou se pelo contrário, esta norma se aplica sempre que o particular utilize efectivamente os meios de impugnação administrativa (um dos meios abstractamente existentes, ainda que não seja aplicável ao caso concreto), independentemente do resultado da decisão que venha a ser tomada, e mesmo que o recurso venha a ser rejeitado sem dar lugar a uma apreciação de mérito do mesmo.
Nos termos do 173.º do CPA os recursos devem ser rejeitados quando hajam sido interpostos para o órgão incompetente, não sejam susceptíveis de impugnação, o recorrente careça de legitimidade, o recurso haja sido interposto fora de prazo ou quando ocorra qualquer outra causa que obste ao seu conhecimento. Deve mesmo nestes casos suspender-se o prazo de impugnação contenciosa?
Há doutrina que defende que sim, que a suspensão do prazo de impugnação judicial dos actos administrativos é automática e opera pelo mero uso dos meios de impugnação administrativa, independentemente do resultado da impugnação administrativa. Pois, ainda que admitam que tal solução possa dar azo a alguns comportamentos abusivos, com intuitos meramente dilatórios, a verdade é que se trata, para este autores, de uma situação de conflito e de ponderação de valores e bens jurídicos, tendo, de um lado, o bem jurídico da segurança e da tutela das expectativas dos particulares, que confiam na suspensão do prazo para a impugnação judicial do acto, para que possam tentar resolver os litígios inter Administração (o que está de acordo com a própria história e teleologia desta figura), e do outro lado, o bem jurídico da adequada, célere e não abusiva utilização dos meios procedimentais e processuais. E que, concluem, trazendo à colação o princípio da proporcionalidade, o princípio do favorecimento do processo e o princípio pro actione, esta leitura garantística da norma, é a que melhor se adapta ao intuito com que o preceito foi criado, evitando uma corrida para os tribunais. Referem ainda que a possibilidade de utilização abusiva desta figura, não justifica a sua interpretação restritiva, uma vez eu sendo tantos os particulares que recorrem a ela de boa fé, estes não podem ser desconsiderados e desprotegidos, ficando numa situação de insegurança, pois a suspensão do prazo dependeria do teor da decisão administrativa, o que poria em causa o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
Defendem por isso os autores, que o regime do artigo 59.º, nº 4 tem aplicação, nos casos em que haja uma decisão de mérito, nos casos em que não exista qualquer decisão (seja de mérito, seja de rejeição do recurso) e desde que passe o prazo legal para a Administração se pronunciar sobre a impugnação administrativa (artigo 59.º, nº 4, 2ª parte). Até porque, consideram alguns, a decisão da rejeição do recurso, prevista no 173.º do CPA, é ainda uma decisão, sendo ainda impugnável, pelo que este regime ainda se aplica, mesmo a estes casos de rejeição do recurso, seja que por motivo for.
Por fim invocam um outro argumento, que é o de que o máximo de suspensão do prazo de impugnação judicial dos actos administrativos que o particular conseguirá ter, é de 30 dias úteis, na medida em que é esse, em regra, o prazo legal para a decisão das impugnações administrativas, nos termos do artigo 165.º e 175.º do CPA, findo o qual a impugnação administrativa se tem por tacitamente indeferida, implicando o termo do período de suspensão do prazo para impugnação judicial do acto em causa, como consta do artigo 59.º, n.º 4 do CPTA.
A utilização abusiva vai ainda depender, dizem, da diligência da própria Administração, que assim se verá motivada a analisar e se for caso disso, rejeitar a reclamação ou o recurso do particular, evitando desta forma uma suspensão prolongada de uma impugnação administrativa que não preencha os pressupostos procedimentais e que por isso deva ser rejeitada nos termos do artigo 173.º do CPA.
Outra doutrina, acompanhada da jurisprudência, nomeadamente assumida pelo STA, tendem a rejeitar a solução apresentada e a considerar que se assim fosse, a impugnação administrativa poderia degenerar em mero expediente para obter a dilação injustificada do prazo de impugnação contenciosa e como tal nos casos de rejeição do recurso ou da reclamação, em que não se gerou um dever legal de decidir para a Administração, o efeito suspensivo do artigo 59.º, n.º 4 do CPTA, não ocorre.
Até porque tem o particular deve, uma vez que existem pressupostos procedimentais, ter o ónus de os cumprir, não se devendo por isso invocar, sem mais, princípios como o  princípio pro actionae, sob pena de, no limite, se assistir à total subversão do processo.
                Continuará no entanto a haver suspensão do prazo, quando haja uma impugnação administrativa e esta preencha os pressupostos, pois só assim se poderá dizer que houve uma verdadeira impugnação administrativa e que o particular a utilizou para os devidos efeitos.
                A teleologia e a história do artigo não ficam assim defraudados, uma vez que o particular com este novo artigo, efectivamente adquire uma garantia, que é a de poder recorrer para a própria Administração sem perder o direito de posteriormente recorrer para os tribunais. O efeito suspensivo do prazo que o artigo em questão estipula, vem por isso com a reforma e com ainda que com esta interpretação restritiva trazer algo de novo ao particular, um extra em termos da sua defesa, uma vez que por cumular impugnações (a administrativa e a contenciosa, sem perder o prazo da segunda) mas este tem, como em todos os outros casos de ser diligente quanto ao meio, ao tempo, ao modo, em suma à maneira de como o pode fazer. Caso contrário, estaríamos a abrir uma porta aos comportamentos abusivos e dilatórios, o que não deve ser tolerado, uma vez que temos de promover uma justiça célere que garanta a tutela jurisdicional efectiva dos particulares no seu todo.

                Numa tentativa de flexibilizar, de certa forma, esta interpretação restritiva, que pode ela própria criar situações menos justas, Pedro Machete, aplica o regime constante dos artigos 58.º, n.º 4, a) e b) do CPTA, ultrapassando-se assim a “perda do prazo” para a impugnação contenciosa nos casos em que haja erro desculpável do particular. Apesar de haver quem considere que a redacção actual deste artigo não tem amplitude suficiente para se aplicar a este caso, esta parece uma solução intermédia que evitaria os comportamentos abusivos, com intuito dilatório e ainda protegeria os particulares diligentes que, por lapso da Administração ou por dificuldades, que no caso concreto se pudessem colocar, não viriam a sua possibilidade de recorrer aos tribunais precludida.

                Na minha opinião deveria passar a exigir-se tal como acontece no artigo 68.º, n.º 1, c) do CPA, que constasse da notificação do acto, menção obrigatória ao órgão competente para apreciar a impugnação administrativa, o meio disponível e o prazo da mesma. Nesse caso, um erro que levasse à rejeição do recurso, por exemplo, deixaria de ser desculpável, não se podendo falar em legítimas expectativas jurídicas do particular a tutelar. Não se aplicaria, por isso, nos casos de rejeição, o regime da suspensão do prazo de impugnação judicial por efeito de impugnação administrativa.
                Não sendo isso que acontece, há que perceber se o particular deve ter a obrigação/ a diligência de preencher os pressupostos procedimentais da impugnação administrativa, tendo em conta que o patrocínio judiciário não é obrigatório para tal. Sendo do interesse do particular, este deve ser o mais diligente possível, pelo que deverão ser cumpridos pressupostos objectivos de impugnação, como é, a meu ver, a necessidade de cumprimento do prazo ou a utilização de um meio legalmente previsto (por exemplo, não suspenderá o prazo, uma reclamação de um recurso hierárquico indeferido ou uma impugnação tutelar que não esteja legalmente prevista), tal como defendem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira. Só operará o efeito suspensivo do prazo, quando a impugnação administrativa do particular, constitua a Administração no dever legal de decidir, seja uma verdadeira impugnação. A questão subjacente será a de não criar “espaços cinzentos”, pois nestes casos estarão em causa pressupostos manifestos, que de facto estarão ou não preenchidos, tanto a Administração como o particular, perante essa evidência deverão proceder sem grandes dúvidas ou dificuldades.
                Assim, ainda que não se feche totalmente a porta aos comportamentos abusivos, estes ficaram reduzidos, sendo que as questões mais discutíveis e mais difíceis de averiguar, darão uma margem de erro ao particular que lhe permitirá ainda assim beneficiar da suspensão do prazo de impugnação contenciosa por efeitos de impugnação administrativa do artigo 59.º, n.º 5 do CPTA.

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