O Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) impõe que sejam obrigatoriamente demandados ao processo,
os contra-interessados quem o provimento
do recurso possa directamente prejudicar
ou que tenham um interesse legítimo na manutenção do acto impugnado e possam ser identificados em função da relação
material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo,
segundo o disposto no art. 57º, quanto à impugnação de actos administrativos e
nos termos do art. 68º, nº2, relativamente à acção de condenação à prática de
acto administrativo devido.
Estes são verdadeiros sujeitos de relações jurídicas
administrativas multilaterais, que muitas vezes envolvem um conjunto mais ou
menos alargado de pessoas cujos interesses são afectados pela conduta da Administração,
mesmo não sendo os imediatos destinatários daquele acto. Esta produz decisões
cujos efeitos podem lesar os interesses de uns e, simultaneamente, beneficiar
outros, circunstância esta que se irá reflectir na própria configuração das
garantias contenciosas dos diferente interessados, na medida em que a uns
importa obter a destruição das decisões, e a outros importa a sua manutenção.
Por isso, surge um conjunto de posições jurídicas de terceiros, que não sendo
“terceiros” na verdadeira acepção do termo, passam a integrar com o imediato
destinatário da decisão e com a Administração uma verdadeira relação jurídica
multilateral ou multipolar. É um sistema diferente do alemão ou italiano em que
os contra-interessados são vistos como partes secundárias, enquanto o
recorrente e a autoridade recorrida são partes principais.
Eles devem receber protecção jurídica procedimental
e contencioso, uma vez que, de tais decisões da Administração, podem decorrer
efeitos lesivos ou benéficos para os mesmos.
Mas qual o fundamento de tal chamamento? Terá
previsão constitucional?
Por um lado, decorre dos seus interesses
próprios,uma vez qu pode ser directamente prejudicado com uma determinada actuação,
mas, por outro lado, tem efectivamente previsão constitucional no art. 20º da
CRP que consagra o Direito Fundamental de acesso à justiça, desenvolvido e
completado pelo art. 268º, nº 4 da CRP, que consagra o direito a tutela
jurisdicional efectiva dos administrados. Pode ainda falar-se no art. 266º, nº1
da CRP, na medida em que, a prosecução do interesse público deve ser seguido
com respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. E,
por fim, decorre do príncipio geral do contraditório e da igualdade das partes,
visto que, sempre que a actuação processual de alguém se mostra passível de
lesar directamente direitos ou interesses legítimos de terceiros, é
indispensável, de acordo com o Estado de Direito, que a estes seja assegurada a
possibilidade de participar no processo e garantidos os meios processuais de
influenciar activamente o seu êxito.
Uma questão igualmente importante refere-se ao
âmbito subjectivo de caso julgado, ou seja, será que se existir uma decisão
judicial de provimento que directamente prejudique terceiros e estes nunca
tenham sido chamados ao processo, esta decisão lhe será oponível?
A resposta não pode deixar de ser não. O direito de
acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva seriam totalmente desrespeitados
se aquele a quem não foi assegurada a possibilidade de intervenção processual,
designadamente porque nunca foi mandado citar, pudesse ser directamente
prejudicado pela anulação do acto recorrido através do provimento do respectivo
recurso contencioso. Sublinhe-se que estes Direitos Fundamentais não têm apenas
o sentido de abrir a via contenciosa aos particulares, permitem também limitar
a eficácia subjectiva das decisões judiciais, excluindo do âmbito dos seus
efeitos todos os particulares a quem não foi assegurada em termos efectivos a
possibilidade de intervenção processual.
Este é um
entendimento acolhido pela Doutrina[1] e
pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[2].
Deste modo,a possibilidade de intervenção processual
dos contra-interessados funciona como instrumento de extensão da eficácia
subjectiva de caso julgado, verificando-se que a própria utilidade plena da
sentença anulatória do acto recorrido depende da susceptibilidade dessa mesma
intervenção processual, justificando-se, por isso, o entendimento que estamos
aqui perante a imposição legal de um verdadeiro litisconsórcio necessário
passivo. A preterição do litisconsórcio passivo tem consequências gravosas para
o autor: ilegitimidade passiva que obsta ao conhecimento da causa, nos termos
dos arts.78º, nº2, alínea f), 81º, nº1 e
89º, nº1, alínea f).
Em conclusão, os contra-interessados são pessoas a
quem a procedência da acção pode prejudicar ou que têm interesse na manutenção
da situação contra a qual se insurge o autor.
Há uma situação de litisconsórcio necessário passivo
e a sua preterição leva a uma situação de ilegitimidade.
Por fim, há uma inoponibilidade da decisão judicial
que porventura venha a ser proferida à revelia dos contra-interessados, nos
termos do art. 155º, nº2.
Bibliografia:
-Silva, Vasco Pereira da, “O Contencioso
Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2º Edição, Almedina;
-Almeida, Mário Aroso de , “Manual de Processo
Administrativo”, 2010, Almedina
-Otero, Paulo, “Os Contra-Interessados em
Contencioso Administrativo: Fundamento, Função e Determinação do Universo em
Recurso Contencioso de Acto Final de procedimento Concursal”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor
Rogério Soares.