A
questão que se coloca quanto aos efeitos da figura da aceitação do acto
administrativo, prevista no artigo 56º do CPTA é sobretudo uma: será que este
instituto se cinge meramente à simples preclusão do direito de impugnação? Isso
é o que tentarei responder neste breve comentário, tendo em conta quer os
efeitos substantivos, quer os efeitos processuais que decorrem da respectiva
aceitação.
No que toca aos efeitos
substantivos, cabe desde já de salientar que a aceitação do acto administrativo
(lesivo de um direito ou interesse) apenas produz efeitos em relação ao
particular que o aceita, ficando excluídas outras pessoas que também tenham
interesse neste. Deste modo, fixado fica a perda do direito de impugnação em
relação a este, auto vinculando-se posteriormente a não agir em sentido
contrário à sua posição inicial. De seguida, deve então proceder em
conformidade com o conteúdo do acto de aceitação, sob pena de venire contra factum proprium, violando
as expectativas da Administração e de terceiros interessados no acto. Em
consequência, esta conjuntura leva que na prática se extinga o correspondente
direito subjectivo ou interesse legítimo, com base no respeito do princípio da
boa-fé, da protecção da confiança e da segurança jurídica. A verdade, é que
podemos ser positivistas e achar excessivo a perda destas posições substantivas
do sujeito, já que da própria lei apenas decorre a extinção do direito de
impugnação. Todavia, não vejo razão para não se retirarem outros efeitos,
nomeadamente o que foi referido precedentemente. Aliás, o próprio legislador
não teria andado nada mal se o tivesse feito, esclarecido a natureza da aceitação
em análise. Ora, como não o fez, cabe concretizar que devemos ter presente o
princípio da proporcionalidade e afirmar que a aceitação deve implicar a
restrição da posição jurídica substantiva na medida em que o acto
administrativo aceite a prejudique e de modo a que o exercício do direito ou
interesse seja contraditório com uma anterior aceitação.
Urge equitativamente determinar, o
momento em que a aceitação produz efeitos. Parece que pela pesquisa executada,
a aceitação, produz efeitos desde o início da sua vigência, já que traduz um
acolhimento não só dos efeitos que o acto produz no momento da aceitação, mas
também com todos os que já produziu e que em condições normais venha a
produzir. Se assim não fosse, o que ocorreria é que se estaria a frustrar os
valores em cima defendidos, nomeadamente o princípio da boa-fé, ignorando o
facto de estes tutelarem a positivação desta figura.
Questão que ainda se coloca quanto a
estes efeitos é de saber se com a aceitação teremos ou não a convalidação do
conteúdo do acto administrativo? No fundo, se o vício que afecta o acto
inválido é eliminado, de modo a que este possa ficar em conformidade com o
Direito. A primeira posição que podemos ter em conta, demonstra que tal pode
ocorrer, consolidando-se o acto na ordem jurídica, sendo tratado com válido.
Tal orientação, só pode ser aceite quando a aceitação do acto se verifique por
parte de todos os interessados, isto é se a sanação do acto tiver eficácia erga ommes. Ora, se tal não ocorrer, o
que é provável, há sempre a probabilidade de alguém, nomeadamente o Ministério
Público[1] e
a Administração, de ainda o vir a impugnar, tornando-se este inválido. O
primeiro, porque tem legitimidade processual ao abrigo dos artigos 9º, nº 2 e
62º do CPTA, a segunda porque pode proceder à revogação do acto com fundamento
na sua invalidade (141º do CPTA) ou proceder à sua ratificação, reforma ou
conversão (artigo 137º do CPTA). Logo é de concluir que é defensável que a aceitação
nunca deve implicar uma convalidação, nem quanto ao conteúdo do acto, nem em
relação aos seus efeitos e que o grau de estabilização que esta figura confere
ao mesmo não é absoluto, mas sim relativo, devido ao facto de poder ser posto
em causa.
No âmbito dos efeitos processuais, é
de referir, sem sombra de dúvidas, a perda do direito de impugnação, já que é
este que está expressamente previsto no artigo que consagra esta figura no
CPTA. Em relação a esta realidade, é de verificar se a aceitação se pode
reconduzir ao pressuposto do interesse em agir. Ao aceitar o acto, parece que o
sujeito aceitante não tem qualquer interesse na sua impugnação. Todavia, já
vimos que esta figura se reconduz a actos que apresentem um conteúdo favorável
e desfavorável, o que demonstra que em relação aos últimos, o sujeito terá
sempre necessidade de protecção judicial, havendo sempre um interesse em agir.
Assim, não é de aceitar a recondução feita desta figura ao requisito negativo
do interesse em agir, posição esta que não é corroborada por Vasco Pereira da
Silva, que defende exactamente o contrário. Para além desta hipótese, a
aceitação pode ainda ser reconduzida a um requisito negativo de legitimidade,
pois esta vem positivada nos preceitos relativos a esta matéria e implica a
perda do interesse no recurso. Todavia, o positivismo não deve mais uma vez
prevalecer. É preciso ir mais longe e debruçar-nos sobre a essência da figura.
Deste modo, esta deve ser considerada como um pressuposto processual autónomo,
já que com ela exige-se que o recorrente não se encontre na situação de ter
aceitado um acto, pois se o tiver feito já não o poderá impugnar. Aqui pelo que
é perceptível, não se defende nem se exige que o recorrente se encontre numa
determinada posição (situação de legitimidade, interesse em agir), bem antes
pelo contrário.
Nesta matéria, é ainda preciso
responder se todos os meios de tutela que o ordenamento jurídico concedia ao
titular aceitante são perdidos? Entende-se que sim e que para além da perda do
direito de impugnação, também todos os meios processuais que sejam
contraditórios com a aceitação, seguirão o mesmo caminho. A verdade, é que não
se pode obter por outros meios o mesmo efeito que resultava da impugnação, sob
pena de se estar a subverter a própria lei. Cabe desenvolver.
A nível gracioso, o artigo 53º, nº 4
do CPA dá-nos a resposta: aquando da aceitação não se pode usar qualquer meio
impugnatório, isto é, não se pode impugnar um acto nem pela via da reclamação,
nem pela via dos recursos. Já no que diz respeito às garantias contenciosas,
esta figura apesar de impedir o uso do meio processual da acção administrativa
especial, relativa à impugnação de actos (artigo 46º, nº 2, alínea a) do CPTA,
pode se estender aos restantes meios processuais. Como exemplo destaco a acção
de condenação à prática do acto devido, a aceitação poderá ser importante nos
casos em que haja uma recusa da pretensão do sujeito, o que poderá ocorrer com
a prática de um acto expresso de indeferimento, ou então com a prática de um
outro acto que não satisfaça a tal pretensão. Já nos casos de omissões
administrativas, à partida, parece que não será relevante uma aceitação porque,
como verificamos, a aceitação pressupõe a existência de um acto administrativo,
o que decorre da expressão prevista no artigo 56º do CPTA, “acto praticado”.
Mas, esta posição não pode ser acolhida assim, pois é de admitir a aceitação de
actos tácitos, isto é, de condutas omissivas a que a lei atribui um valor
jurídico. E quando tal acontece é como se existisse um acto administrativo para
todos os efeitos. Por isso, diante de uma situação em que a omissão da actuação
se reconduza a um acto tácito, considera-se ser relevante a aceitação.
Realidade prática que ainda se
coloca é a seguinte: se tivermos um acto desfavorável que é aceite por um
sujeito, sendo tal acto impugnado por outro que se sente prejudicado, os
efeitos de uma eventual sentença de anulação do acto, estendem-se ao sujeito
aceitante? Só faz sentido colocar a questão nos casos em que a eficácia da
sentença é erga ommes, visto que
estando o sujeito aceitante impedido de impugnar o acto não poderia intervir
como parte num processo de impugnação do acto aceite, razão pela qual, os
efeitos das sentenças inter partes
nunca se lhe poderiam aplicar, pelo que a aceitação também não os poderia
afastar. Já em relação aos casos de sentenças com eficácia erga ommes, a aceitação não obsta a que tais efeitos incidam sobre
o sujeito aceitante. Em primeiro lugar, porque a aceitação apenas impede este
sujeito de agir em contrariedade com uma posição inicial. A extensão dos
efeitos da sentença nestes casos não se configuraria como um comportamento
contrário, porque tal extensão não dependeria de uma manifestação de vontade do
sujeito, e como tal não haveria expectativas para tutelar. Em segundo lugar,
porque os valores que estão subjacentes à consagração dos efeitos erga ommes que são a defesa da
legalidade e a própria utilidade da sentença de anulação do acto, justificam os
efeitos de tal anulação também se apliquem ao sujeito aceitante
Para concluir, a aceitação é assim
um acto jurídico, através do qual se revela uma manifestação de concordância
com o conteúdo do acto, desde que este seja desfavorável e lesivo dos direitos
do sujeito aceitante. Assim, extingue-se na esfera jurídica do sujeito, não só
a possibilidade de impugnação do acto, mas igualmente o direito ou interesse
lesado, o que contribui, sem sombra de dúvidas, para a estabilização dos
efeitos do acto administrativo na ordem jurídica.
[1]
Tem uma missão de defesa da
legalidade da acção administrativa.
Bibliografia:
- ALMEIDA, Mário Aroso de, "O Novo Regime dos Tribunais Administrativos", Almedina, 2005.
- AMARAL, Diogo Freitas do, "Curso de Direito Administrativo", Volume II, Almedina, Coimbra, 2002.
- ANDRADE, José Carlos Vieira de, "A Justiça Administrativa - Lições", Almedina, 2009.
- ANDRADE, José Carlos Vieira de, "A Aceitação do Acto Administrativo", Boletim da Faculdade - Volume Comemorativo, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2003.
- LUÍS, Sandra Lopes, "A Aceitação do acto administrativo", 2008, Tese de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas
- SILVA, Vasco Pereira da, "O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise", Almedina, 2005.
- SILVA, Vasco Pereira da, "Em busca do Acto Administrativo Perdido", Almedina, Coimbra, 1996, páginas 458 a 624
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