Execução de
sentenças de anulação de actos administrativos
De
acordo com o disposto no art.4º/1 do CPC as acções dividem-se entre acções
declarativas e acções executivas, sendo que, para a análise a que aqui se vai
proceder importa atentar apenas às primeiras que, por sua vez, se subdividem em
acções de simples apreciação – art.4º/2, al. a) -, acções de condenação –
art.4º/2, al. b) - e, por último, acções constitutivas – art.4º/2, al. c),
sendo que, nesta exposição iremos apreciar o caso da execução de sentenças de
anulação de actos administrativos e não mais.
Só
com a Reforma do contencioso Administrativo é que se consagrou o poder de os
Tribunais Administrativos adoptarem verdadeiras providências de execução das
suas decisões, pois não se previa, até aqui, nenhum verdadeiro processo
executivo. Ainda que, uma vez obtida a anulação de um acto administrativo,
fosse possível, em novo processo declarativo, pedir ao tribunal que decretou a
anulação que se pronunciasse sobre o conteúdo dos actos que a Administração
devia adoptar para extrair as devidas consequências da anulação, a verdade é
que não era possível obter nenhuma providência de execução, destinada a
conseguir que essas consequências fossem efectivamente extraídas.
Não
é o que acontece nos nossos dias. O CPTA consagra agora especificamente o dever
da Administração de executar as sentenças de anulação, conforma resulta do
art.173º deste mesmo Diploma. Esta disposição terá aplicação quer se trate de
uma situação de cumulação entre o pedido de anulação de actos Administrativos e
pretensões dirigidas à prática de determinados actos e operações, quer se trate
de um pedido autónomo depois da anulação do acto. Decorre do n.1 deste art.173º
que quando se dê procedência ao processo de impugnação de acto Administrativo
pode a Administração ficar vinculado numa de três coisas:
·
Reconstituição da situação anterior que
existiria sem a prática do acto ilegal – é o chamado efeito repristinatório
(art.173º/1 e art.95º/2);
·
Cumprimento dos deveres que não tenha cumprido
durante a vigência do acto ilegal, pois este acto disso a dispensava;
·
Substituição do acto ilegal, claro está sem
o/os seu/seus anterior/anteriores vício/vícios – efeito preclusivo.
Dir-se-á
que o mecanismo da causa legítima de inexecução só funcionará em situações
limite e não em regra, tendo em conta as dimensões declarativas do
processo e as potencialidades reconstrutivas por parte da Administração.
Antes
de mais qualquer análise há que fazer referência ao art.174º que nos diz qual o
órgão competente para esta execução, bem como ao art.175º que estabelece o
lapso temporal em que o mesmo deve ser feito. Caso a aAdministração não cumpra
o que lhe é imposto nestes termos, pode o interessado pedir a condenação da
Administração a esse cumprimento – art.176º.
É
claramente de louvar a opção do legislador em consagrar o mecanismo em causa,
pois, no meu entender, tratou-se aqui de um reforço da garantia dos
particulares, na medida em que a Administração pode não só ver os seus actos
anulados, como é garantido, com celeridade, que as consequências desses actos
são imputadas efectivamente e com justiça na Administração. Consagração desta
lógica parece-me ser igualmente a solução de protecção de terceiros efectivada
no art.173º/3 e 4; dispôs o legislador nestes dois artigos que, por um lado,
podem os beneficiários de actos consequentes aos que foram ilicitamente
praticados pela Administração ser indemnizados, nos termos do nº3 e, por outro
lado, ver mesmo a sua situação reconstituída de acordo com o nº 4.
Em especial: art.173º nºs 3
e 4 - A
questão que se coloca na análise destes dois artigos é saber como compatibilizar
a aplicação dos mesmos, ou seja, saber quando se aplica um ou outro. A questão
é que se consagram duas soluções diferentes, pois numa “apenas” se dá ao
terceiro a possibilidade de ser indemnizado pelos danos que possa ter sofrido,
desde que, esse beneficiário desconhecesse sem culpa que existiria um processo
impugnatório a correr, caso contrário, ele teria tido oportunidade de defender
os seus interesses em sede própria – art..57º -, enquanto no art.173º/4, o
beneficiário mantém a sua situação, articulando-se o seu interesse com o
interesse do sujeito que obteve a anulação do acto.
De
acordo com uma interpretação literal de ambos os preceitos e conforme explica o
ilustre professor Mário Aroso de Almeida, a diferença entre estes dois artigos
reside no facto de o n.4 ser especial face ao n.3, no sentido de que se destina
especificamente aos funcionários públicos, enquanto o n.3 se destina aos
restantes funcionários, ou seja, em termos práticos enquanto na função pública,
se a Administração demitir ilicitamente um seu funcionário e, em consequência
de tal acto, contratar um novo funcionário para o posto que vagou, aquilo que
acontece, nos termos do n.4 do artigo já referido, é que tratando-se de uma
situação já constituída há mais de um ano, a anulação do acto administrativo
não põe em causa a posição daquele terceiro investindo antes a Administração no
dever de proceder a integração do funcionário lesado em categoria igual ou
equivalente à que deveria ser colocado, ou quando isso não seja possível,
integrá-lo em funções fora do quadro até à sua integração neste, sem nunca
dispensar o novo funcionário.
Ora,
com o devido respeito, cumpre-me discordar desta interpretação, pelo que
proponho uma interpretação integrada do art.173º/3 e 4. Em que é que consiste
esta interpretação e em que se baseia?
Em
primeiro lugar, parece-me que a interpretação que é feita deste artigo não
assegura de uma forma correcta o princípio da igualdade entre os cidadãos,
designadamente, no que diz respeito ao seu tratamento pela Administração
Pública. Como é sabido, tratando-se de funcionário público, ou não, os princípios
inerentes à actuação Administrativa são aplicáveis a TODOS, daí que não faça
sentido esta diferenciação, até porque, em caso algum, o artigo fala de
funcionários públicos. Aquilo que deverá ser feito então é uma aplicação
conjunta dos preceitos; assim, quando os beneficiários desconhecessem sem culpa
a precariedade da sua situação, ou seja, quando não tenham tido oportunidade de
defender os seus interesses, terão direito a ser indemnizados pelos danos que
possam ter sofrido. No entanto, a sua situação jurídica não poderá ser posta em
causa se esses danos forem de difícil ou impossível reparação e for manifesta a
desproporção existente entre o seu interesse na manutenção da situação e o
interesse na execução da sentença anulatória – art.173º/3. E como assegurar que
essa situação não é posta em causa? A meu ver é aqui que deve integrar-se a
aplicação do art.173º/4, ou seja, quando a situação posta ser posta em causa
nos termos acima descritos e isso se traduza numa situação de
incompatibilidade, já que os funcionários novos ocupam a função por via de um
acto indevidamente praticado pela Administração, então a solução passará pela
adopção da medida já supracitada consagrada no art.173º/4. Obviamente que não
quero dizer com isto que derrogo a aplicação tradicional deste artigo. Entendo que
ele é directamente aplicável aos funcionários públicos; só entendo que não
deverá limitar-se a aplicação deste artigo a essa categoria. Embora com mais
exigências, pois terá de ter por base a aplicação do n.3 do art.173º, este
artigo dever-se-á aplicar aos restantes funcionários.
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