quarta-feira, 23 de maio de 2012


Execução de sentenças de anulação de actos administrativos





De acordo com o disposto no art.4º/1 do CPC as acções dividem-se entre acções declarativas e acções executivas, sendo que, para a análise a que aqui se vai proceder importa atentar apenas às primeiras que, por sua vez, se subdividem em acções de simples apreciação – art.4º/2, al. a) -, acções de condenação – art.4º/2, al. b) - e, por último, acções constitutivas – art.4º/2, al. c), sendo que, nesta exposição iremos apreciar o caso da execução de sentenças de anulação de actos administrativos e não mais.



Só com a Reforma do contencioso Administrativo é que se consagrou o poder de os Tribunais Administrativos adoptarem verdadeiras providências de execução das suas decisões, pois não se previa, até aqui, nenhum verdadeiro processo executivo. Ainda que, uma vez obtida a anulação de um acto administrativo, fosse possível, em novo processo declarativo, pedir ao tribunal que decretou a anulação que se pronunciasse sobre o conteúdo dos actos que a Administração devia adoptar para extrair as devidas consequências da anulação, a verdade é que não era possível obter nenhuma providência de execução, destinada a conseguir que essas consequências fossem efectivamente extraídas.



Não é o que acontece nos nossos dias. O CPTA consagra agora especificamente o dever da Administração de executar as sentenças de anulação, conforma resulta do art.173º deste mesmo Diploma. Esta disposição terá aplicação quer se trate de uma situação de cumulação entre o pedido de anulação de actos Administrativos e pretensões dirigidas à prática de determinados actos e operações, quer se trate de um pedido autónomo depois da anulação do acto. Decorre do n.1 deste art.173º que quando se dê procedência ao processo de impugnação de acto Administrativo pode a Administração ficar vinculado numa de três coisas:

·         Reconstituição da situação anterior que existiria sem a prática do acto ilegal – é o chamado efeito repristinatório (art.173º/1 e art.95º/2);

·         Cumprimento dos deveres que não tenha cumprido durante a vigência do acto ilegal, pois este acto disso a dispensava;

·         Substituição do acto ilegal, claro está sem o/os seu/seus anterior/anteriores vício/vícios – efeito preclusivo.



Dir-se-á que o mecanismo da causa legítima de inexecução só funcionará em situações limite e não em regra, tendo em conta as dimensões declarativas  do processo e as potencialidades reconstrutivas por parte da Administração.

Antes de mais qualquer análise há que fazer referência ao art.174º que nos diz qual o órgão competente para esta execução, bem como ao art.175º que estabelece o lapso temporal em que o mesmo deve ser feito. Caso a aAdministração não cumpra o que lhe é imposto nestes termos, pode o interessado pedir a condenação da Administração a esse cumprimento – art.176º.



É claramente de louvar a opção do legislador em consagrar o mecanismo em causa, pois, no meu entender, tratou-se aqui de um reforço da garantia dos particulares, na medida em que a Administração pode não só ver os seus actos anulados, como é garantido, com celeridade, que as consequências desses actos são imputadas efectivamente e com justiça na Administração. Consagração desta lógica parece-me ser igualmente a solução de protecção de terceiros efectivada no art.173º/3 e 4; dispôs o legislador nestes dois artigos que, por um lado, podem os beneficiários de actos consequentes aos que foram ilicitamente praticados pela Administração ser indemnizados, nos termos do nº3 e, por outro lado, ver mesmo a sua situação reconstituída de acordo com o nº 4.





Em especial: art.173º nºs 3 e 4 - A questão que se coloca na análise destes dois artigos é saber como compatibilizar a aplicação dos mesmos, ou seja, saber quando se aplica um ou outro. A questão é que se consagram duas soluções diferentes, pois numa “apenas” se dá ao terceiro a possibilidade de ser indemnizado pelos danos que possa ter sofrido, desde que, esse beneficiário desconhecesse sem culpa que existiria um processo impugnatório a correr, caso contrário, ele teria tido oportunidade de defender os seus interesses em sede própria – art..57º -, enquanto no art.173º/4, o beneficiário mantém a sua situação, articulando-se o seu interesse com o interesse do sujeito que obteve a anulação do acto.



De acordo com uma interpretação literal de ambos os preceitos e conforme explica o ilustre professor Mário Aroso de Almeida, a diferença entre estes dois artigos reside no facto de o n.4 ser especial face ao n.3, no sentido de que se destina especificamente aos funcionários públicos, enquanto o n.3 se destina aos restantes funcionários, ou seja, em termos práticos enquanto na função pública, se a Administração demitir ilicitamente um seu funcionário e, em consequência de tal acto, contratar um novo funcionário para o posto que vagou, aquilo que acontece, nos termos do n.4 do artigo já referido, é que tratando-se de uma situação já constituída há mais de um ano, a anulação do acto administrativo não põe em causa a posição daquele terceiro investindo antes a Administração no dever de proceder a integração do funcionário lesado em categoria igual ou equivalente à que deveria ser colocado, ou quando isso não seja possível, integrá-lo em funções fora do quadro até à sua integração neste, sem nunca dispensar o novo funcionário.



Ora, com o devido respeito, cumpre-me discordar desta interpretação, pelo que proponho uma interpretação integrada do art.173º/3 e 4. Em que é que consiste esta interpretação e em que se baseia?



Em primeiro lugar, parece-me que a interpretação que é feita deste artigo não assegura de uma forma correcta o princípio da igualdade entre os cidadãos, designadamente, no que diz respeito ao seu tratamento pela Administração Pública. Como é sabido, tratando-se de funcionário público, ou não, os princípios inerentes à actuação Administrativa são aplicáveis a TODOS, daí que não faça sentido esta diferenciação, até porque, em caso algum, o artigo fala de funcionários públicos. Aquilo que deverá ser feito então é uma aplicação conjunta dos preceitos; assim, quando os beneficiários desconhecessem sem culpa a precariedade da sua situação, ou seja, quando não tenham tido oportunidade de defender os seus interesses, terão direito a ser indemnizados pelos danos que possam ter sofrido. No entanto, a sua situação jurídica não poderá ser posta em causa se esses danos forem de difícil ou impossível reparação e for manifesta a desproporção existente entre o seu interesse na manutenção da situação e o interesse na execução da sentença anulatória – art.173º/3. E como assegurar que essa situação não é posta em causa? A meu ver é aqui que deve integrar-se a aplicação do art.173º/4, ou seja, quando a situação posta ser posta em causa nos termos acima descritos e isso se traduza numa situação de incompatibilidade, já que os funcionários novos ocupam a função por via de um acto indevidamente praticado pela Administração, então a solução passará pela adopção da medida já supracitada consagrada no art.173º/4. Obviamente que não quero dizer com isto que derrogo a aplicação tradicional deste artigo. Entendo que ele é directamente aplicável aos funcionários públicos; só entendo que não deverá limitar-se a aplicação deste artigo a essa categoria. Embora com mais exigências, pois terá de ter por base a aplicação do n.3 do art.173º, este artigo dever-se-á aplicar aos restantes funcionários.




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