segunda-feira, 21 de maio de 2012


O contencioso e o Direito Comunitário: a intimação para protecção dos direitos, liberdades e garantias – art. 109º CPTA


Segundo o disposto no art.109º/1 do CPTA, a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando “a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar - artigo 131º  do CPTA. Daqui podem, desde logo, retirar-se as condições de admissibilidade desta intimação, entre elas: a urgência e a indispensabilidade da mesma, bem como, a impossibilidade ou insuficiência do decretamento provisório de uma providência cautelar.



Não cabendo aqui a análise do âmbito objectivo e subjecto de aplicação do artigo em análise, tentarei abordar o caso especial do recurso à intimação contra a execução de actos normativos comunitários ou de actos administrativos emitidos ao seu abrigo.



A  crescente penetração do Direito Comunitário derivado nos ordenamentos dos Estados-membros leva-nos a reflectir, em especial, sobre a possibilidade de requerer uma intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias contra actos normativos comunitários. Com efeito, a transformação das Administrações nacionais em estruturas de execução do Direito Comunitário pode gerar situações em que a aplicação de uma norma comunitária, através de actos jurídicos ou materiais, entre em rota de colisão com direitos fundamentais dos particulares.

O problema que aqui se coloca prende-se com as áreas delicadas do primado do direito comunitário e da defesa dos direitos fundamentais no âmbito das constituições nacionais. Importa dizer, antes de mais, que o que se pretende ao recorrer à intimação na sede do direito comunitário é impedir a execução de um acto normativo comunitário que viola, ou pode violar, um direito, liberdade ou garantia. O problema surge porque, caso a Administração considere que há mesmo essa violação, ver-se-á obrigada, através da intimação, a comportar-se de forma contrária ao acto normativo comunitário, o que a leva a ofender a regra de aplicação uniforme do Direito Comunitário e mesmo o princípio do primado do Direito Comunitário sobre o Ordenamento Jurídico Nacional. Parece evidente que podemos dizer então que, tal como os juízes nacionais são juízes comunitários, a Administração Portuguesa é Administração comunitária, na medida em que actua como tal, de forma indirecta, na execução administrativa do Direito comunitário.



Uma solução “fácil” passaria por submeter todas as questões que se suscitassem a reenvio para o Tribunal de Justiça da União Europeia, para que este se pronunciasse sobre a questão. Aí, conforme a decisão do TJUE, a Administração daria, ou não, providência à intimação.



Acontece que esta solução não se compadece com situações de urgência em que o denominador comum deverá ser a celeridade. Parece-me então defensável que, não obstante a incompetência para declarar a invalidade de actos comunitários, face à gravidade do assunto em causa, e quando não seja possível recorrer em tempo útil ao mecanismo do reenvio prejudicial, poderá a Administração decidir, por si só, se deve dar, ou não, providência à intimação quando estejam em causa actos comunitários. Essa actuação deverá, no entanto, ficar limitada ao exercício/protecção de certos direitos que pela sua importância o justificam, tais como, o direito à vida, à integridade física, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroactividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião



Apesar de esta solução não derivar de uma interpretação literal do art.109º CPTA, cabe-me concluir que deve, na minha opinião, poder ser apresentada, na medida em que as vantagens desta intimação superam as desvantagens que daí podem advir,  encontrando a sua maior justificação na importância dos Direitos em causa. Não deve, como tal, o Direito Administrativo ficar sujeito a interpretações literais que ponham em causa uma protecção adequada dos Direitos dos particulares; tudo deve ser feito em prol dessa protecção, ainda que, caiba, em cada caso concreto, ponderar a situação em causa e atender às circunstâncias reais. Não deverá, sem mais, excluir-se o recurso ao mecanismo do reenvio; isso só se justificará em relação a certos direitos e quando a situação de urgência assim o imponha, ou seja, para que a solução possa ser admitida terá de existir uma correcta conciliação do princípio da legalidade ao nível interno com o princípio da lealdade ao nível comunitário.

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