quarta-feira, 23 de maio de 2012


Dualidade versus Unidade do Contencioso Contratual da Função Administrativa:



A dicotomia contrato administrativo/contrato de direito privado da Administração teve origem no período da "infância difícil" do Contencioso Administrativo,na fase do "pecado original",em que os tribunais administrativos tinham como objectivo proteger a Administração,funcionando como órgãos administrativos especiais,fase na qual os "actos de poder público" estavam isentos do controlo judicial exercido pelos tribunais administrativos.

Num primeiro momento,os "privilégios de foro" da Administração disseram apenas respeito aos actos administrativos,situação que não demorou muito tempo,na medida em que,cedo se entendeu que os contratos administrativos deveriam ser submetidos a um tribunal especial.Surge assim o contrato administrativo de tipo francês,correspondente aos "privilégios exorbitantes" da Administração,estabelecendo-se um novo fundamento substantivo,de natureza material,que vem justificar a aplicação de um regime excepcional decorrente da "especialidade do foro".

Assim,estava estabelecida uma divisão entre "contratos administrativos",os quais correspondiam ao exercício de "privilégios exorbitantes" da Administração,que exigiam um regime jurídico específico,enquanto que do outro lado se situam os contratos de direito privado da Administração,em que as autoridades administrativas actuavam como simples privados,despindo as suas vestes de autoridade,cujo regime jurídico aplicável era o regime comum a qualquer contrato.

Por seu lado,esta divisão apresentava consequências substantivas e processuais.De um ponto de vista substantivo ,havia um regime jurídico "especial"(de direito público") para os contratos administrativos e um regime "comum"(de direito privado") para os restantes contratos em que a Administração interviesse.De um ponto de vista processual,esta divisão implicava que os litígios referentes à interpretação,validade ou execução de contratos administrativos fossem da competência dos tribunais administrativos,enquanto que os contratos de direito privado da Administração eram da competência dos tribunais comuns.

No entanto,o fenómeno de "europeização" veio aproximar as formas contratuais no exercíco da função administrativa,decorrente do conceito francês de "contrato administrativo" ter sido relativizado em comparação com o "contrato de direito público" alemão.Assim,a construção europeia de um "mercado comum" e de uma "união económica e monetária" implicou a existência de regras comuns em matéria de contratação administrativa.Surgem múltiplas fontes de Direito Administrativo Europeu,que ao priveligiarem a forma da Directiva,estabelecem um regime comum da contratação pública,tanto ao nível substantivo como ao nível processual.

Por seu lado,do ponto de vista do Contencioso nacional,o contencioso pré-contratual surge regulado nos art.100º e ss,como processo urgente,consagrando um contencioso de plena jurisdição relativo aos litígios emergentes das relações contratuais administrativas,tanto pela via da acção comum como da acção especial.

De um ponto vista da "europeização",para além de uma "integração vertical",referente á aplicabilidade das fontes comunitárias nas ordens jurídicas nacionais de cada um dos Estados Membros,verifica-se também uma "integração horizontal" no sentido da convergência das administrações nacionais para um determinado modelo.

No Contencioso nacional,o fenómeno da "europeização" manisfestou-se primeiro na legislação relativa aos procedimentos pré-contratuais,e depois,na legislação do contencioso administrativo,eliminando a categoria dos contratos administrativos(art.4ºnº1 e) e f) CPTA).É também de referir o actual Código da Contratação Pública (D.lnº18/2008) ,o qual se encontra a meio-caminho entre a adopção de um conceito genérico de "contrato público",em sentido europeu, e a manutenção da dualidade originária.

Por outro lado,com a Reforma do Contencioso Administrativo pirtuguês,procedeu-se ao alargamento do âmbito da jurisdição administrativa ao universo das relações jurídicas administrativas e fiscais(art.212º nº3 CRP) e estabeleceu-se a consagração da unidade jurisdicional no que respeita ao controlo de toda a actividade contratual da Administração.Assim,o art.4º ETAF estabeleceu uma cláusula geral de longo alcance e uma exemplificação muito extensa,consagrando a competência dos tribunais administrativos e fiscais para o julgamento de todas as relações jurídicas correspondentes ao exercício da função administrativa.Como é fácil de constatar,o acto adm. entrou em crise,não permitindo abranger a integralidade do relacionamento da Administração com os particulares,e a relação jurídica administrativa passa a ser o critério de delimitação do âmbito da jurisdição administrativa,permitindo abranger tanto as ligações dos privados com as autoridades administrativas como as relações que estas estabelecem entre si.

Por seu lado,é também de realçar que a diversidade de "critérios de qualificação" da natureza da relação adoptados pelo ETAF demonstra a consagração de uma noção ampla e aberta da relação jurídica administrativa,permitindo abranger todos os litígios ocorridos na actuacão da prossecução de fins públicos,como é típico nas novas relações da Administração Prestadora e Infra-Estrutural.



Bibliografia:

-O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise-prof.Vasco Pereira da Silva

-Justiça Administrativa-prof.Vieira de Andrade


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