quinta-feira, 17 de maio de 2012







                      Processos Cautelares no (novo) Contencioso Administrativo
                               Código de Processo nos Tribunais Administrativos

                              I - Enquadramento histórico - institucional.

              Particularmente pressionado pela consagração constitucional, em 1997, do (novo) cunho essencialmente subjectivista da justiça administrativa, orientado no sentido do aprofundamento da garantia da tutela jurisdicional efectiva, em notada preocupação dominante com a defesa dos direitos e interesses dos administrados, em vez da tradicional assunção da tutela da legalidade e do interesse público, proclamou o legislador nacional, no (novo) diploma ordenador da tramitação processual das causas submetidas a essa jurisdição ˍˍˍ Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/02, de 22/02, entretanto alterado pela Lei n.º 4-A/03, de 19/02 ˍˍˍ, logo no seu art.º 2.º, n.º 1, o direito de qualquer cidadão "... obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão ... ", acentuando-se no n.º 2 que ..." a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos ... ".
              Tratou-se, aí, da efectiva transposição para o nosso contencioso administrativo do princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, inserido no art.º 20.º do C.R.P., cuja lata estatuição se fixou, apenas, precisamente, com a Lei Constitucional n.º 1/97, de 20/09 (4.ª Revisão Constitucional), da qual cumpre aqui salientar a nova estatuição do seu aditado n.º 5, no sentido de que "... Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos ". Princípio que já fora acolhido, com a maior amplitude, no processo civil, domínio em que, indiscutivelmente, se já incluía, desde há muito, no seu âmbito normativo, o direito subjectivo de se levar qualquer pretensão ao conhecimento de um orgão jurisdicional, na lógica de que a cada direito corresponderá uma acção, podendo, pois, solicitar-se a abertura de um processo e, no seio deste, a pronúncia de uma decisão específica fundamentada, não submetida a qualquer espécie de limitação jurisdicional de poderes e de assegurada exequibilidade, mediante, nomeadamente, o acautelamento do efeito útil da acção mediante a adopção dos meios preventivos necessários (art.º 2.º do C.P.C.).
              Tratou-se, mais aprofundadamente, como vem referido por Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, in " Grandes Linhas de Reforma do Contencioso Administrativo ", 3.ª Ed., 2004, 18, da constatação final, pelo legislador, de que o espaço circundante era o de um " ... Estado de Direito democrático baseado no postulado da dignidade da pessoa humana... " e, portanto, de que "... os indivíduos são titulares de direitos fundamentais anteriores e superiores a qualquer forma de organização política ".
              De resto, no plano prescricional escrito, também só essa Lei Constitucional, veio assinalar, preto no branco, a respeito do tratamento do discutido tema da litigiosidade no seio da Administração Pública, ao nível do (novo) n.º 4 do art.º 268.º do diploma fundamental, generalizadamente, o direito à petição de medidas cautelares adequadas à tutela jurisdicional efectiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos; medidas que surgem, aliás ˍˍˍ a par, ainda, também inovatoriamente, no corpo inicial do dito n.º 4, do direito à "... impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem ... " e à " ... determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos ... "; e no aditado n.º 5, do referido texto, do reconhecimento aos cidadãos, do "... direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas ..." dos mesmos valores, ˍˍˍ ao mesmo tempo em que se deixou de supor como nuclear, mas só então, o meio adjectivo do ( velho ) recurso contencioso, enquanto expediente adequado ao exercício da reposição da legalidade por parte dos cidadãos, em defesa dos seus direitos ou interesses legítimos.

              Sendo líquido que a doutrina nacional, certamente inteirada dos novos ventos de mudança que se iam manifestando em torno de outros ordenamentos jurídicos ˍˍˍ desde logo do espanhol, objecto de aprofundados estudos de, entre outros autores, García de Enterría (particularmente in " Hacia uma Nueva Justicia Administrativa ", 2.ª Ed., Madrid, 1992; " La Transformatión del Contencioso - Administrativo Francés: La Reforma Radical de Sistema de Ejecución de Sentencias ", Rev. Española de Derecho Administrativo, n.º 68, 1990; e " La Batalha por Las Medidas Cautelares. Derecho Comunitario Europeo y Proceso Contencioso - Administrativo Español ", 2.ª Ed., Madrid, 1995 ), Chinchilla Marín ( in " El Derecho a la Tutela Cautelar como Garantia de la Efectividade de las Resoluciones Judiciales ", Revista de Administratión Pública, 131, 1993; e " La Tutela Cautelar en la Nueva Justicia Administrativa ", Madrid, 1991 ), González - Varas Ibañez ( in " La Jurisdicción Contencioso-Administrativa en Alemania ",  Madrid, 1993; e " Problemas Procesales Actuales de la Jurisdicción Contencioso-Administrativa ", Madrid, 1994 ) e Barnés Vásquez ( in " La Tutela Judicial Efectiva en la Grundgesetz ", " La Justicia Administrativa en el Derecho Comparado ", Madrid, 1993 ) ˍˍ, vinha desde há alguns anos reivindicando, com maior ou menor intensidade e labor argumentativo, a par da consolidação, ao nível da jurisdição contenciosa administrativa, do modelo orgânico-judicial de inspiração alemã, entre nós introduzido em 1976, em desfavor do modelo francês, a recepção formal de um vasto leque de princípios definidores de uma tutela judicial efectiva dos administrados, cujos direitos e interesses legítimos se deveriam supor garantidos pelos tribunais face à acção típica ( executória ou regulamentar ) ou à omissão da autoridade pública.
              Autoridade pública, esta, que passaria a ficar sujeita, em igualdade de condições às aplicáveis ao cidadão comum, nesta (nova) sede da relação jurídica administrativa, à Constituição, à lei e ao Direito; passando a tutelar-se plenamente, de princípio, todas as situações provocadas pela máquina administrativa (desde o mero funcionário, agente ou organismo de base ao colocado no cume da pirâmide, e sem deixar de abranger, como é evidente, os concessionários) susceptíveis de lesar os direitos e interesses do cidadão comum, sem se cuidar, já, da abordagem dos velhos requisitos da definitividade e da executoriedade; degradando-se, pois, o acto administrativo prévio ˍˍˍ que era tido, no pretérito inspirador modelo francês, como o verdadeiro objecto processual ˍˍˍ, em simples pressuposto fáctico da demanda judicial, que, centrada agora sobre  o conceito da relação jurídica ( paritária ) administrativa, se iria conformar ou debater com a precisa pretensão material do peticionante, em vista da projectada satisfação integral ou reparação dos seus direitos ou interesses alegadamente afectados por qualquer acção ou omissão administrativa ilegal ou, em caso de responsabilidade civil, face a acção ou omissão geradora de prejuízo não necessariamente oponível ao administrado.

              É neste quadro circunstancial que, entre nós, não muitos autores, passando de bem oportunas mas ainda assim algo timoratas menções à falta de concretização plena dos novos preceitos constitucionais do n.º 3 do art.º 268.º do texto revisto em 1982 ( caso de Rui Machete, in " A Garantia Contenciosa para obter o Reconhecimento de Direito ou Interesse Legalmente Protegido ", 1987, 24, acentuando, a respeito da acção para o reconhecimento de direitos criada pela reforma do contencioso-administrativo de 1984/85, e, concretamente, do cunho residual que lhe foi atribuído pelo n.º 2 do art.º 69.º da L.P.T.A., que " ... o carácter sumário da regulamentação e, sobretudo, a natureza subsidiária como é formulado o princípio da tutela efectiva ( ... ) não são os adequados ao âmbito de aplicação da garantia constitucional do art.º 268.º n.º 3 da Constituição ...", e propugnando, mesmo, que se viesse a  " ... fazer a necessária interpretação correctiva ... " ) e dos n.ºs 4 e 5 desse mesmo texto, na formulação conferida na revisão de 1989 ( caso de Vasco Pereira da Silva, in " Em Busca do Acto Administrativo Perdido ", Coimbra, 1996, onde, depois de afirmar, nomeadamente, que " ... É a necessidade de assegurar uma protecção plena e efectiva dos particulares perante a Administração, que faz com que a Constituição abandone a cláusula restritiva clássica dos actos definitivos e executórios, para passar a aferir a recorribilidade em razão de um critério, também ele de cariz subjectivo, que é a lesão dos direitos dos particulares, envolvidos com a administração numa relação jurídica administrativa ... ", alude, reportando-se à realidade do direito comparado, nos nossos dias, então já bem apreendida, a " ... uma crise do acto administrativo, a qual não resulta apenas da proliferação de novas, e muito frequentes formas de actuação distintas, mas decorre também de se ter passado a considerar a decisão final da administração apenas como um momento da actuação administrativa " ), vieram manifestar, enfim, o seu inconformismo perante a manifesta apatia do legislador em sede de concretização dos ( novos ) meios processuais que reflectiriam a " noção da relação jurídica administrativa como nova figura central do Direito Administrativo ".

              Pode afirmar-se, nestes termos, que só a partir da mencionada Lei Constitucional n.º 1/97, é que a doutrina nacional, co-geradora e co-beneficiária de um verdadeiro debate incidente sobre a ( nova ) dimensão subjectiva da justiça administrativa e sobre os ( novos ) meios de tutela jurisdicional, disseminados, agora, pelas áreas da tutela declarativa, da tutela cautelar e da tutela executiva, passa a pronunciar-se, com generalizado desassombro, àcerca do alcance presumível das mudanças enunciadas pelo legislador.
              Tal sucede, nomeadamente, com Isabel Celeste M. Fonseca, publicando em 2002 " Introdução ao Estudo Sistemático da Tutela Cautelar no Processo Administrativo ", a assim denominada dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas, Coimbra, Nov. 99, onde sublinha, censurando a "... timidez ˍˍˍ ou  mesmo o ensimesmamento do legislador ordinário ... ", que o próprio " Projecto de Código do Contencioso Administrativo " ( PCCA/92 ) " ... lamentavelmente, considerava a tutela cautelar inominada como corpo estranho ao processo administrativo ... ", acrescentando que só " Em Fevereiro de 1999, dá-se conta de um novo projecto ( ... ), desta vez elaborado por Magistrados do S.T.A. ( ... ) projecto que apresenta um significativo avanço em termos de introdução na justiça administrativa de instrumentos de garantia processual urgente e cautelar " ( cfr., em especial, fls. 389 a 403 ).
              Também Carla Amado Gomes acentuara, ainda antes, in " Contributo para o Estudo das Operações Materiais da Administração Pública e do seu Controlo Jurisdicional ", 1999, 484, que " ... A adopção de medidas cautelares atípicas apelando aos meios de processo civil é extremamente louvável, mas deve ser entendida, segundo alguns autores, como um remédio, não como uma cura definitiva das insuficiências do sistema... ", reclamando, adiante, a própria intervenção do legislador, "... imperiosa, para afastar o perigo da insegurança jurídica ".
              Paralelamente, referiu Vasco Pereira da Silva, in "" O Contencioso Administrativo como " Direito Constitucional Concretizado " ou " ainda por concretizar? "", Coimbra, 2000, que a revisão constitucional de 1997 "... para além de reafirmar as grandes opções de 1989 ˍˍˍ de que as mais importantes eram as seguintes: jurisdição administrativa especial no âmbito do poder judicial (art.º 211.º, n.º 3), recorribilidade do acto lesivo (artigo 268.º, n.º 4) ˍˍˍ, vai agora regular de um modo novo a garantia constitucional de acesso à justiça administrativa, incluindo nela expressamente o direito fundamental de impugnação de normas ( que, desta forma, também se subjectiviza, não obstante referir-se a actuações genéricas ), no n.º 5 do artigo 268.º, e enunciando os demais meios processuais do contencioso administrativo, enquanto instrumentos ao serviço do direito à tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, no n.º 4 do art.º 268.º ".
              E, prosseguindo, disse, in " Ventos de Mudança no Contencioso Administrativo ", 2000, 100, reproduzindo observação já contida in " A Acção para o Reconhecimento de Direitos "/Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 16, Julho/Agosto de 1999, daí resultar que ""... agora, ( ... ) a lógica de todo o contencioso administrativo, segundo o modelo constitucional, gravita em torno da tutela judicial plena e efectiva dos direitos dos particulares, sendo em razão desse princípio que devem ser organizados os diferentes meios processuais, principais e acessórios, sejam eles destinados ao reconhecimento de direitos, à impugnação de actos lesivos, à condenação da Administração, ou a acautelar direitos dos sujeitos processuais. Ironizando, poder-se-ia dizer que se verifica aqui uma espécie de " revolução coperniciana " no modo como se encontra formulada a garantia constitucional de acesso à justiça administrativa, uma vez que agora passam a ser os diferentes meios processuais que " giram " à volta do princípio da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, e não o contrário "".
              Tendo concluído, logo após, reafirmando pronúncia específica vasada na obra anteriormente referida, de 1999, no sentido de que ""... todas estas alterações da lei fundamental ainda não encontraram a devida realização na prática constitucional, pois " não surgiu, até ao presente, nenhuma grande reforma legislativa concretizadora das opções constitucionais, designadamente, que fosse capaz de alterar o regime jurídico dos diferentes meios processuais e (ou) de criar novos meios destinados a assegurar a tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, assim como de alargar o
universo dos actos recorríveis a fim de os compatibilizar com a noção de acto lesivo "". 

              Entretanto, por todo o continente europeu ocidental, sob marcante influência do Tribunal  de Justiça das Comunidades Europeias, ia grassando a instituição de mecanismos de urgência, de índole provisória ou cautelar, asseguradores da protecção jurisdicional efectiva dos direitos subjectivos dos cidadãos comunitários.
              Em Espanha, por exemplo, concretizando o trecho final da exposição de motivos de Lei n.º 29/98, de 13/07 - " Reguladora da Jurisdição Contenciosa-Adminis-trativa " (na qual se declarava, nomeadamente, que "... Se parte de la base de que la justicia cautelar forma parte del derecho a la tutela efectiva, tal como tiene declarado la jurisprudencia más reciente, por lo que la adopción de medidas provisionales que per-mitan asegurar el resultado del proceso no debe contemplarse como una excepción, sino como facultad que el órgano judicial puede ejecitar siempre que resulte nece-cesario ... "; que " La Ley aborda esta cuestión mediante una regulación común e to-das las medidas cautelares, cualquiera que sea su naturaleza. El criterio para su ado-pción consiste en que la ejecución del acto o la aplicación de la disposición pueden ha-cer perder la finalidad del recurso, pero siempre sobre la base de una ponderación su-ficientemente motivada de todos los interesses en conflicto ... "; e que " ... La Ley in-troduce en consecuencia la possibilidade de adoptar cualquier medida cautelar, inclu-so las de carácter positivo. No existen para ello especiales restricciones, dado el fun-damento común a todas las medidas cautelares. Corresponderá al Juez o Tribunal de-terminar las que, según las circunstancias, fuesen necesarias. "), fez-se constar, desde logo, do seu art.º 129.º n.º 1, que "... Los interessados podrán solicitar em cualquier estado del proceso la adopción de cuantas medidas aseguren la efectividade de la sentencia ", precisando-se, no imediato art. º 130. º no seu n. º 1, que "... Previa valora-ción circunstanciada de todos los interesses en conflicto, la medida cautelar podrá a-cordarse únicamente cuando la ejecución del acto de aplicación de la disposición pu-dieran hacer perder su finalidad legítima al recurso "e, no seu n. º 2, que "... La medi-da cautelar podrá denegarse cuando de ésta pudiera seguirse perturbación grave de los intereses generales o de tercero que el Juez o Tribunal ponderará em forma cir-cunstanciada ".
              Na Alemanha, reafirmado paradigma de vários legisladores e tribunais internacionais, já há muito de mostrava consolidada, a par da via do efeito suspensivo automático dos meios recursivos ou de impugnação do acto administrativo, a orgânica tutelar provisória, reflectida, nomeadamente, sobre duas modalidades de ordens provisórias decretáveis pelo julgador, " asseguradoras " (permitindo, por exemplo, suspender-se a ordem de expulsão de um cidadão estrangeiro do território nacional ou obstar-se ao preenchimento de uma vaga por outro concorrente) ou " reguladoras " (permitindo, pelo seu lado, por hipótese, obter a emissão provisória de um certificado de habilitações ou a transferência interina de um médico para lugar diferente) em termos idênticos aos que acabaram por ser importados para o art.º 120.º do nosso C.P.T.A.; sendo que a própria reforma de 01/11/96, enquadrada já num vasto naipe de expedientes garantísticos dos direitos e interesses legalmente protegidos, teve como principal objectivo, em vez de alterações de concepção de direito, ao nível ( designadamente ) da tutela cautelar, afinal já, então, adequadamente previstas, o de, tão só, encurtar os prazos e a duração dos processos, em geral, atalhando, em parte, não obstante, a regra do efeito suspensivo impugnatório.
              Por seu turno, em Itália, segundo informa Sofia David, in " Das Intimações. Consederações Sobre Uma (Nova) Tutela de Urgência no Código de Processo nos Tribunais Administrativos ", "... após as alterações introduzidas pela Lei n.º 205/00, de 21/07 ( ... ), o contencioso administrativo ( ... ) ficou dotado de uma ( nova ) tutela cautelar que, por um lado, vem concretizar o princípio da tutela jurisdicional efectiva e, por outro, dá cumprimento às imposições comunitárias ... "; dizendo tratar-se ˍˍˍ mediante apropriação terminológica do aí citado autor, Franscesco Caringella, in " Corso di Dirit-to Amministrativo ", I, 2001, 90/91 ˍˍˍ de uma "... tutela cautelar e propulsiva ... ", possibilitando reagir não apenas contra os actos mas também contra o silêncio da Administração, " ... quer por meio do ( tradicional ) pedido de suspensão jurisdicional de eficácia dos actos administrativos quer através de qualquer outra medida, inclusive de medidas que configurem verdadeiras condenações de facere  ou de non facere , dirigi-
das contra a Administração ". Sistema este, aliás, surgido, mais precisamente, no seguimento da reforma (parcialmente) iniciada pela Lei de 15/03/97, e desenvolvida pelo dec.-lei de 31/03/98, reportada, em essência, à matéria dos processos cautelares.   

              Quanto à jurisprudência nacional administrativa, essa, tolhida especialmente pelo espartilho constituído pelo próprio corpo legislativo, desde logo pelo persistente regime legal de apreciação de vícios dos articulados, maxime o estabelecido pelos art.ºs 54.º e 57.º da L.P.T.A. ou 57.º § 4.º do Reg. do S.T.A. e 838.º do C.A., sob sistemática invocação das partes, muito dificilmente poderia afirmar o seu poder criador de direito, fosse mediante a realização de interpretação mais conforme aos primeiros sinais de instituição de uma melhor protecção jurisdicional dos direitos e interesses dos particulares, revelados nas revisões constitucionais de 1982 e 1989, fosse através da emissão de juízos de inconstitucionalidade.
              Poderia ter-se instituído, em vez disso, como já foi sugerido em 24/03/93, em estudo subordinado ao título " Os Atrasos nos Tribunais: Verdadeira Dimensão do Problema, Causas e Soluções ", do domínio da Associação Sindical dos Juízes Portugueses ( Boletim, IV Série, n.º 5 - Abril 2005 ), um diligente sistema de revisão do nosso ordenamento, por leis interpretativas, das normais legais que maiores divergências de interpretação estivessem proporcionando ( como se veio a fazer, na área do direito civil, com o problema da legitimidade do cônjuge do arrendatário, em sede de acção de despejo ); ou, porventura, impor-se-ia, antes da adopção do regime de acórdãos uniformizadores de jurisprudência, "... a consagração constitucional da validade  dos assentos, evitando-se que se ponha em causa o único meio ... " por que vinha sendo posto termo a problemas de interpretação e aplicação das leis; parecendo de ponderar, ainda, seriamente, a possibilidade de "... o assento ser enviado ao orgão legislativo de que emana a norma nele interpretada, ficando o assento a valer como lei se esse orgão não legislasse diferentemente num determinado prazo, por exemplo, um mês ... ".
              Mas assim não aconteceu, nem nos derradeiros anos, apesar de se ter por inequívoco, na particular área do direito comunitário, onde (quase) naturalmente se multiplicam problemas de interpretação e integração das leis, o relevantíssimo papel jurídico-normativo do Tribunal de Justiça, que assumiu, fundadamente, aí, uma evidente função criadora de direito e "... nunca se limitou a ser uma mera boca da lei " ( Jónatas Machado, in " Direito Internacional. Do Paradigma Clássico ao Pós - 11 de Setembro ", 2.ª Ed., 2004, 668 ).
              Retenha-se, concomitantemente, que se continua a ensinar, nesta distinta área de direito contencioso, que "... o juiz administrativo deve ser o guardião de uma cultura do processo que o torne imune a delírios interpretativos aparentemente enfáticos. Em suma, é preciso perceber que o processo não é um palco para actores mais ou menos hábeis, mas um espaço teatral sem sombras e aparências. " (Colaço Antunes, in " Direito Administrativo e a sua Justiça no Início do Século XXI. Algumas Questões ", 2001, 94 ).

              Nem se deveria ter deixado de reflectir, durante décadas e até há tão poucos anos, sobre a bem provável concorrência da falta de ensino aturado do processo administrativo (na generalidade das nossas Faculdades de Direito e nos estágios dos jovens magistrados e advogados) para o verificado efeito da lenta tramitação dos autos, talvez até se justificando o encerramento desta breve nota, recorrendo de novo, a um outro excerto do referido texto, com reporte... " às acções mal intentadas ou mal contestadas, aos incidentes mal escolhidos, à consabida incapacidade de articularem só o essencial, ao imperfeito conhecimento do Código do Processo Civil, conduzindo a requerimentos inoportunos e deixando de lado a formulação do mais conveniente, ao mau estado das questões ".
        
              Repare-se, até, que nem mesmo Gomes Canotilho, em Colóquio organizado já em Junho de 1994, pelo Centro de Estudos Judiciários, em Guimarães, ao pronunciar-se sobre " Relações Jurídicas Poligonais. Ponderação Ecológica de Bens e Controlo Judicial Preventivo ", acusando embora a sua inquietude perante as declaradas falta de meios processuais específicos destinados à prevenção ambiental e manifesta inapropriedade do regime dos recursos contenciosos face à eventual irreversibilidade ecológica de quaisquer factos lesivos do ambiente (intervenção que pode colher-se, v.g., de " Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente ", n.º 1, 1994, 55/66), chega a apontar, verdadeiramente, solução jurídico - administrativa nesse sentido...

              Parecendo, enfim, dever compreender-se, da parte da jurisprudência, quanto à modelação da actividade heurística do julgador, sempre algo condicionado, nessa vertente, pela expressão dos princípios ético-culturais prevalecentes na sociedade (que ia, aliás, encontrando cada vez em maior número, no seio da jurisdição comum ou já da administrativa, soluções materiais ao menos parcelarmente satisfatórias ˍˍˍ cfr., v.g., Ac.s do S.T.J. de 26/04/95, Colect. Jur., 1995, I, 155, relativamente a acção instaurada contra fábrica poluente, conferindo-se aí prevalência à salvaguarda do interesse legalmente protegido em desfrutar de bom ambiente de vida humana, sadio e equilibrado, sobre o da laboração industrial; e do S.T.A., de 17/09/96, http://www.dg-si.pt/, em que, cotejando-se o interesse de uma associação ambiental demandante de certo Município, quanto à pretendida preservação de um habitat de aves, e o do aludido R., enquanto empenhado na realização e prosseguimento de obras, se entendeu dever ser este último a ceder), a adoptada atitude não criadora de direito, no sentido de que, como ensinava o saudoso Baptista Machado, in " Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 6.ª Reimpressão, 1993, 144/147,... os tribunais ... " só têm legitimidade democrática na exacta medida em que lhes cumpre descobrir e aplicar aos casos o direito que já é, carecendo de qualquer legitimidade para opções inspiradas por directivas políticas ... ", sendo que ... " o tribunal, na sua função estritamente jurisdicional, não faz prognoses, não decide com base em prognoses com vista à realização ou constituição de uma ordem social e jurídica diversa da ordem social vigente ". Tanto assim, de resto, até porque o caso se não inscrevia no limitado círculo de litigiosidade com referência ao qual é normalmente, aí sim, requerida uma intervenção judicial " criadora ", círculo que se tem por restrito, em tese geral, aos domínios da concretização das cláusulas gerais contratuais, dos conceitos indeterminados e do desenvolvimento do direito praeter legem.
              Aliás, mesmo relativamente ao tema, por exemplo, da bastas vezes invocada inconstitucionalidade do art.º 76.º n.º 1 da L.P.T.A., por alegada violação do n.º 4 do art.º 268.º da C.R.P., já após 1997, enquanto consagrando o direito à tutela jurisdicional efectiva e à adopção de medidas cautelares adequadas, parece não se justificar, ao menos a ter-se ela por posição de princípio, a tese da pretendida inaceitabilidade legal, por se dever considerar, igualmente, ao nível da necessária verificação cumulativa dos requisitos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do citado art.º 76.º, em cada caso, como era, até, sugerido pela doutrina ( citada, v.g., nos Ac.s do S.T.A. de 14/08/96, Rec. 40.838, onde se faz apelo à lição de Vieira de Andrade, in " A Justiça Administrativa ", 1998, 134; ou no do T.C.A. de 26/10/00, Rev. 149, no qual se invoca a obra de Freitas do Amaral, " Direito Administrativo ", IV, 1988, 313/314 ) ... o interesse público, maxime, quando estejam em causa valores vitais societários, ou transcendentes, co-mo a saúde, a segurança ou a ordem, pois que sempre importaria aferir se o prejuízo que se referia ser suportado pelo particular, com a execução imediata, seria ou não mais grave que o que o interesse público haveria de sofrer, por força da execução diferida.
              Ou, ainda a título de exemplificativa referência, e mesmo para todo o período posterior à Terceira Revisão Constitucional, introduzida pela Lei n.º 1/92, de 25/11, quanto ao distinto tema da também proclamada inconstitucionalidade do n.º 2 do art.º 69.º da L.P.T.A., por pretensa violação do mesmo n.º 4 do art.º 268.º da C.R.P., igualmente se afigura ao menos muito temerária uma tal pronúncia pois que, como unanimemente era sustentado pelo T.C. ( v.g. no Ac. n.º 104/99, de 10/02/99, in D.R., II Série, n.º 84, de 10/04/99 ) e pelo S.T.A. ( v.g., no Ac. de 30/10/97, in Ac. Dout. N.º 440/441, 1053 ), que, por sua vez, se firmavam na doutrina ( nomeadamente em Vieira de Andrade, in Direito Administrativo e Fiscal, 1996/97, 107; e Vasco Pereira da Silva, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 16, 41 ),  a norma em causa não enfermaria, de verdade, desse alegado vício, originaria ou supervenientemente, desde que interpretada no sentido de que a acção de reconhecimento de direito ou interesse legítimo não seria havida como meio processual idóneo à concretização da tutela pretendida se esta pudesse ser efectiva e igualmente assegurada pela interposição de recurso contencioso, assim continuadamente erigido a meio processual principal colocado à disposição plena dos administrados.
              De resto, é bem sabido que desde o Ac. do S.T.A. de 07/03/96, Proc. n.º 39.438, in B.M.J. 455.º-276, " ... o Supremo reconheceu a introdução da tutela cautelar inominada no processo administrativo, decidindo em sentido contrário ao T.A.C. do Porto, que havia indeferido uma providência cautelar não especificada, traduzida numa intimação a uma  Câmara Municipal para  proceder à  ligação  do sistema  de  abastecimento de água a estabelecimentos comerciais provisoriamente instalados num mercado municipal " ( Isabel Celeste M. Fonseca, ob. cit., 351 ). Também se lhe refere, por exemplo, João Caupers, in " Introdução ao Direito Administrativo ", 5.ª Ed., 2000, 303. Já antes, aliás, como informa Carla Amado Gomes, in " Contributo para o Estudo das Operações Materiais da Administração Pública e do seu Controlo Jurisdicional ", 1999, 452/453, se decidira nesse sentido, favoravelmente à aplicação das providências cautelares do processo civil ao processo administrativo: Ac. do S.T.A. de 31/05/90, publicado em apêndice ao D.R. de 31/01/95; e já no Ac. de 08/07/97, in Cad. Just. Adm., n.º 8, 37 e seg.ts, se mostrava plenamente consolidado o mesmo ponto de vista, escrevendo-se que " ... é no âmbito das medidas cautelares, onde os tribunais podem ter poderes particularmente paralisantes da actividade administrativa, que, sem pôr em causa que a tutela efectiva dos direitos dos cidadãos exige a abertura do recurso a providências cautelares, como meio de garantir a situação pré-existente, importa determinar, em cada caso, se ao abrigo do art.º 1.º da L.P.T.A. e com carácter supletivo se justificará, ou não ( ... ) o recurso, no caso concreto, à medida cautelar não especificada pretendida pelos recorrentes ".

              Sucede é que, como se afirmou no " Manifesto de Guimarães ", produzido na sequência do colóquio organizado em Abril de 1999, pelos " Cadernos de Justiça Administrativa " e segundo o que hoje é generalizadamente reconhecido, o desenvolvimento imediato daquelas inovadoras normas constitucionais em matéria de acesso à justiça, não dispensava uma mais rápida intervenção do legislador ordinário, em termos de concretização do ( novo ) modelo de contencioso administrativo adoptado pela lei fundamental.
              Tanto mais que, compelido pelo direito comunitário, ia publicando legislação avulsa, transpondo para a ordem jurídica nacional directivas atinentes, nomeadamente, à formação dos contratos de empreitadas de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento urgente, em que se adoptava o expediente processual civilístico das providências cautelares, com vista a "... assegurar utilidade prática à impugnação jurisdicional de actos procedimentais ... ", na feliz expressão de Maria João Estorninho ( in " A Propósito do Dec.-Lei n.º 134/98, de 25 de Maio, e das Alterações Introduzidas ao Regime de Contencioso dos Contratos da Administração Pública ", " Cadernos de Justiça Administrativa ", n.º 11, Setembro/Outubro 1998, 3 ).
                                                                          *
              Subsiste, porém, apesar da visível predominância do afirmado cunho essencialmente subjectivista, na nossa (nova) justiça administrativa, um assinalável espaço de intervenção objectivista do Ministério Público ou de algumas entidades públicas, como as associações cívicas, ou as autarquias ou mesmo do cidadão comum, actuando isoladamente, em sede de protecção da legalidade e do interesse público: situações em que se lhes reconhece, em tese geral, uma " ... legitimidade impessoal ou social, digamos assim, para propor e intervir em processos principais e cautelares destinados à defesa de certos bens e valores constitucionalmente protegidos como, por exemplo, ou de saúde pública, do ambiente, do urbanismo, do ordenamento do território, da qualidade de vida, do património cultural e dos bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais " ( Mario Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in " Código do Processo nos Tribunais Administrativos ", 2004, I Vol., 156 ).
              Detectam-se tais manifestações, reveladas que são pela instituição no C.P.T.A., em cumprimento da consagração constitucional ( no art.º 52.º n.º 3 ) do direito de acção popular, da tutela judicial dos " interesses difusos ", no art.º 9.º n.º 2, no art.º 40.º n.ºs 1 , alínea be n.º 2, alíneas c e d, no art.º 55.º n.º 1, alínea b e n.º 2, no art.º 62.º, no art.º 68.º n.º 1, alínea c e no art.º 73.º n.º 3 daquele diploma.
              Alargando por tal forma o universo das pessoas com legitimidade activa para propor ou intervir em processos administrativos, em relação a bens ou valores legal ou constitucionalmente protegidos e na defesa de interesses pertencentes a uma pluralidade indiferenciada de sujeitos, como vem previsto, v.g., na Lei de Acção Popular (Lei n.º  83/95, de  31/08 ), na Lei sobre Organizações Não Governamentais  do  Ambiente ( Lei n.º 35/98, de 18/07 ), ou na Lei de Defesa dos Consumidores ( Lei n.º 24/96, de 31/07 ), o que o legislador vem pretendendo, afinal, não podendo, ele próprio, optar autoritariamente por uma qualquer das faladas dimensões, subjectivista ou objectivista do contencioso administrativo, é, certamente, alcançar o mais vasto leque possível de protecção judicial dos bens e valores, a partir, desde logo, da instauração da acção procedimental administrativa.

              Preocupante é que o Ministério Público, incumbido pelo legislador ordinário da tutela judicial dos interesses difusos, se alheie, quase completamente, da concretização e da garantia daqueles interesses difusos ou colectivos, pese embora a ampla legitimidade processual que possui (art.º 68.º n.º 1, alínea c do C.P.T.A.), plasmada aliás no seu Estatuto (art.º 3.º n.º 1, alínea e da Lei n.º 47/86, de 15/10, na versão conferida pela Lei n.º 60/98, de 27/08), acentuada não só pelo próprio despacho da Procuradoria-Geral da República, de 23/07/90, a respeito, precisamente, do alcance da sua intervenção na defesa da legalidade no contencioso administrativo, e no qual se lhe fixa a imposição da impugnação dos actos... " que afectem interesses difusos ou colectivos... ", como por muito autorizadas intervenções de seus representantes, nomeadamente a do então Procurador - Geral Arala Chaves, denominada " O Ministério Público, o seu Passado e o seu Futuro ", in Boletim da Faculdade de Direito, 1980, Vol. LVI, 100, e Luis Eloy de Azevedo, considerado, v.g., o seu estudo denominado " Os Interesses Difusos no Quadro da História do Ministério Público em Portugal ", in " Revista do Ministério Público ", Out./Dez., 2004, n.º 100, 135/151. 
                                                                                                                                              
              Revelou-se, pois, ao próprio legislador do contencioso administrativo, em face do exposto, a necessidade de modificar posicionamento clássico seu, de carácter restritivo, sobre a ponderação do valor quase absoluto que vinha conferindo aos privilégios da Administração, procurando evitar, agora, a tradicionalmente denominada política de factos consumados, cuja produção vinha sendo assegurada, dentro de uma lógica forjada ainda sobre o modelo napoleónico de Administração Pública, pela combinação dos privilégios da presunção de legitimidade dos actos administrativos e da respectiva exequibilidade imediata.
              Corolário de tal modificação, em sede de tutela cautelar, como adiante passaremos a analisar mais detalhadamente, foi a manifestação aberta de descompressão das circunstâncias propícias à suspensão da execução dos actos administrativos ( em contraponto com o entendimento jurisprudencial pacífico, no âmbito da L.P.T.A., no sentido de que ela só seria concedida, como se acentuara, v.g., no Ac. do S.T.A. de 09/06/92, in Ac. Dout. n.º 379.º-723, quando se verificassem, cumulativamente, os seguintes requisitos: um requisito positivo, traduzido no facto de a execução do acto causar provavelmente prejuízos de difícil reparação para o requerente ou para os interesses por ele defendidos ou a defender no recurso contencioso; um requisito negativo, traduzido na circunstância de a suspensão da eficácia do acto não determinar grave lesão do interesse público; e de um outro, ainda, revelado, este, no facto de não resultarem do processo fortes indícios de ilegalidade da interposição do recurso ), tendo-o sido, igualmente, a explícita introdução de uma muito maior amplitude de medidas cautelares ou acessórias no processo contencioso administrativo ( cujo leque possível de concretizações mesmo após as revisões constitucionais de 1982 e 1989, formalmente alargado à suspensão de eficácia do acto administrativo, à intimação para a consulta de documentos ou passagem de certidões, à intimação para um comportamento e às próprias produção antecipada de prova e execução de julgados, era genericamente havido por muito restritivo, tanto mais que, na prática, pelo menos até ao já referenciado Ac. do S.T.A. de 07/03/96, quase se não fazia uso, nesse domínio, da aplicação supletiva da lei processual civil, consagrada tanto na L.P.T.A. - art.º 1.º ˍˍ como no regime do R.S.T.A. ˍˍ art.º 103.º ˍˍ ou no do C.A. ˍˍ art.º 682.º; tendo-se consagrado, agora, já no domínio do C.P.T.A., como principal inovação, o princípio da não taxatividade das providências cautelares em contencioso administrativo, tal como no processo civil, e de critérios de ponderação mais maleáveis quanto à respectiva concessão ).
              O próprio conceito tradicionalmente muito apertado de " acto administrativo recorrível ", cujo elemento nuclear era a própria conclusividade do procedimento administrativo (ou de uma sua fase autónoma), exigindo um verdadeiro requisito de definitividade horizontal, "... vinha sendo, de resto, amplamente contestado pela doutrina ... (tendo sido)... assumidamente afastado da noção de acto administrativo impugnável ... ", segundo elucida Mário Aroso de Almeida, in " O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos ", 3.ª Ed., 2004, 138.
              Foi preterido pelo vigente conceito de " acto contenciosamente impugnável " introduzido na estrutura provisional do art.º n.º 51.º do C.P.T.A..
              Conduzia, em tais termos, a soluções desfavoráveis aos interesses dos administrados, como facilmente se retira v.g., da leitura simples dos sumários dos Ac.s do S.T.A. de 22/04/93 ( em que se consigna que " ... o acto que manda instaurar processo disciplinar é, em princípio, um acto preparatório, irrecorrível ... ) ou de 27/02/96 ( ( do qual se mostra sumariado "... I - O procedimento do concurso para habilitação ou provimento de lugares ou cargos da função pública é uma operação complexa - um procedimento administrativo - composto de vários actos materiais e jurídicos, que se inicia com a declaração de abertura e publicação do respectivo aviso e culmina com os actos de nomeação dos concorrentes seleccionados para os lugares a prover. II - Assim, configurando um acto meramente preparatório ou prodrómico da decisão final do procedimento ( acto instrumental ou acto pré-decisório ), não produzindo ainda quaisquer efeitos na ordem jurídica externa à Administração ( insusceptível, por isso, de criar ou extinguir relações jurídicas inter-subjectivas, v.g., com os candidatos ao concurso ), e não constituindo por essa razão um acto administrativo, é, como tal, insusceptível de impugnação contenciosa. " ) ), in, respectivamente, B.M.J. 426.º-325 e Ac. Dout., XXXV, n.º 414, 749.
              Sendo que "... a solução agora adoptada pretende dar uma maior relevância ao procedimento administrativo, admitindo que este possa ser controlado judicialmente, não apenas no momento da emissão do acto final, mas sempre que se produzam actuações procedimentais imediatamente lesivas ", no sentido de que, não se confundindo, necessariamente, o acto contenciosamente impugnável com o acto lesivo, " ... embora possa, na generalidade dos casos, corresponder a um acto potencialmente lesivo, cuja impugnação será admissível se a acção for deduzida pelo tribunal do direito ou interessa ofendido ... ", sempre o carácter impugnável do acto se aferirá " ... pela susceptibilidade de produzir efeitos externos, e não pelo efectivo preenchimento dos requisitos de eficácia " ( cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in " Comentário ao Código do Processo nos Tribunais Administrativos ", 2005, 260 e Mário Aroso de Almeida, in " O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2004, 135/138 ).
              Devendo seguir-se, agora, face ao sistema legal vigente e superado, já, o receio logo manifestado por Freitas do Amaral, em 16/03/00, colocado que fora, no momento ainda da discussão do Anteprojecto, perante a total falta de enunciado das condições objectivas de recorribilidade dos actos administrativos (cfr. " Reforma do Contencioso Administrativo ", I, " O Debate Universitário ˍˍˍ Trabalhos Preparatórios " ˍˍˍ, 2003, 109/110 ), o colaborante critério proposto por Mário Torres ( in Anotação ao Ac. n.º 40/2001, de 31/01/01, " Cad. Just. Adm. ", 27.º-41/42, recaindo essa decisão sobre a impugnabilidade do acto de aprovação de um projecto de arquitectura, no seio de determinado procedimento de licenciamento de construção ): " a determinação dos actos administrativos contenciosamente impugnáveis, designadamente quando inseridos em procedimentos complexos, há-de obedecer a um critério pragmático, visando assegurar que a intervenção do tribunal não ocorra nem demasiado cedo (redundando em desperdício da actividade judicial), nem demasiado tarde (redundando em desperdício da actividade da Administração e dos particulares e correndo o risco de não assegurar a tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses em causa). Há que partir da análise de cada procedimento especial e determinar qual é aí o acto central (que não coincide com o acto final do procedimento), que condiciona relevantemente ˍˍˍ segundo critérios de normalidade ˍˍˍ os actos procedimentais subsequentes, que assim surgirão como meros actos complementares, e no qual (acto central) radica a lesão de direitos ou interesses legítimos dos impugnantes, ou, noutra perspectiva, detectar quais os sub-procedimentos em que o procedimento se divide em termos tais que seja patente que o legislador pretendeu que só se suba ao patamar seguinte quando estiver consolidado o patamar anterior. Em ambas as situações (acto central ou acto final de sub-procedimento), justifica-se a imediata abertura da via contenciosa ".

              

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