sábado, 19 de maio de 2012

Como expressamente resulta do artigo 268º, nº 4, da CRP, a tutela jurisdicional efectiva perante a Administração Pública inclui a adopção de medidas cautelares adequadas. É, na verdade, essencial à realização da justiça que os tribunais possam adoptar, em momento anterior àquele em que o pro¬cesso vem a ser decidido, providências cautelares, destinadas a dar uma regu¬la¬ção provi¬só¬ria aos interesses envolvidos no litígio. Em princípio, as providências caute¬lares estabelecem uma regulação provisória para o litígio, dirigida a assegurar a justa composição dos interesses durante a pendência do processo declarativo. Como refere o artigo 112º, nº 1 CPTA, as providências cautelares existem para assegurar a utilidade das sentenças a proferir nos processos judiciais e, portanto, para prevenir a inutilidade, total ou parcial, das sentenças, seja por infru¬tuo¬si¬da¬de, seja por retardamento. Existe inutilidade da sentença por infrutuosidade quando, mercê da evolução das circunstâncias, já não é possível dar corpo, no plano dos factos, ao que é de¬¬terminado na sentença, pelo que se assiste à perda definitiva da utilidade pretendida no pro¬cesso princi¬pal. A sentença é parcialmente inútil em virtude do retarda¬mento, na me¬di¬da em que, embora a sua execução seja possível e permita evitar a produção de danos futuros, a ver¬dade é que já não está em condições de remover os danos irreparáveis ou de difícil re¬pa¬ra¬ção que resultaram do estado de insatisfação do direito que se manteve duran¬te a pendência do processo. As providências cautelares tanto podem ser requeridas antes, como si¬mul¬ta¬nea-mente ou mesmo depois da pro¬po¬situra da acção prin¬¬cipal, artigo 114º, nº 1 CPTA. Tanto se pode pedir uma providência cautelar, como várias, por forma a obter, da conjugação dos efeitos de cada uma, o resultado pre¬ten¬dido, artigo 112º, nº 1, podendo também o tribunal optar pela adopção de uma ou de várias providências e até, ouvidas as partes, pela adopção de outra ou de ou¬tras, em cumulação ou em subs¬ti¬tui¬ção daquela ou da¬que¬las que ti¬nham si-do concre¬tamente requeridas, “quan¬do tal se revele ade¬¬quado a evi¬tar ou ate¬nuar a le¬são dos interesses defendidos pelo reque¬rente e seja me¬nos gra¬vo¬so para os de¬¬mais interesses, públicos ou privados, em presença”, artigo 120º, nº 3 CPTA. Como desde logo resulta do teor do artigo 112º, nº 1 CPTA, ao re¬fe¬¬rir-se a “quem possua le¬gitimidade para intentar um processo junto dos tribunais ad¬mi¬nis¬¬tra¬ti¬vos”, mas tam¬bém transparece dos vários preceitos que, ao longo do Título V, se re¬¬ferem aos “interesses que o requerente visa assegurar”, por exemplo, os artigos 120º e 129º CPTA, a le¬gi¬ti¬mi¬da¬de para requerer a adopção de pro-vidências cautelares não per¬tence apenas aos par¬ti¬cu¬la¬res que recorram à justiça ad¬mi¬nis-trativa em defesa dos seus di¬reitos ou interesses legal¬men¬te protegidos, mas também ao Mi-nistério Público, aliás, a referência no artigo 124º, nº 1 CPTA e a quem quer que actue no exercício da acção po¬pu¬lar ou impugne um acto ad¬¬ministrativo com funda¬men¬to num in-teresse directo e pes¬soal, no óbvio pressuposto de que a todos deve ser reconhecida a possibilidade de verem acautelada a utilidade do pro¬ces¬so prin¬cipal que estão legitimados a intentar. Por este motivo se surpreende, em diversos preceitos, a começar pelo artigo 120º, nºs 2 e 3 CPTA, que impõem ao juiz o dever de ponderar “os interesses, públicos e pri¬¬vados, em presença”, a preocupação do Código em evitar uma terminologia assente na clássica con¬-tra¬po¬si¬ção entre o interesse privado, que seria prosseguido pelo requerente da pro¬vi¬dência, e o interesse pú¬bli¬¬co, que seria titu¬lado pela Administração demandada. Como foi assinalado durante a dis¬cus¬são pú¬blica sobre a reforma do contencioso administrativo, multiplicam-se hoje “as situações em que es¬tão em causa decisões com¬ple¬xas, envolvendo uma mul¬ti¬pli¬ci-dade de interesses públicos e pri¬va¬dos conflituantes, co¬mo acontece nas relações ju¬rí¬di¬cas poligonais, ambientais e urba¬nís¬¬ti¬cas”, em que muitas ve¬zes o requerente, seja ele o Mi-nistério Público, uma associação ambientalista ou um gru¬po de moradores, se movem em defesa de interesses públicos, porventura contrapostos aos (outros) interesses públicos que determinaram a actuação da Administração, e “só uma ade¬quada ponderação global dos interesses em presença per¬mi¬¬tirá alcançar uma de¬ci¬são ju¬dicial justa”. As providências cautelares caracterizam-se fundamentalmente pelos traços da instrumentalidade e da provisoriedade. Estes traços transparecem do regime do CPTA. A instrumentalidade, em relação a um processo principal, transparece, des¬de lo¬go, do facto de o processo cautelar só po¬der ser desencadeado por quem tenha le¬gi¬ti¬mi¬¬da¬de para intentar um processo principal e se definir por referência a esse processo prin¬¬ci¬pal, em ordem a assegurar a utilidade da sen-tença que nele virá a ser proferida, ar¬tigo 112º, nº 1 CPTA. Mas é claramente afirmada no artigo 113º, nº 1 CPTA, onde se assume que “o pro¬¬¬ces¬so cautelar depende da causa que tem por objecto a decisão sobre o mérito”. Por este motivo, se o processo cautelar for intentado em momento anterior ao da instauração do processo principal, ele é intentado “como preliminar”, artigo 113º, nº 1 CPTA e, por isso, as providências cautelares que vierem a ser adoptadas caducam se o requerente não fizer uso, no prazo de três meses, do meio principal adequado artigo 123º, nº 2 CPTA. Pelo mesmo motivo, as providências também caducam se o processo principal estiver parado durante mais de três meses por negligência do interessado ou se nele vier a ser proferida decisão transitada em julgado desfavorável às suas pretensões, artigo 123º, nº 1 CPTA. A provisoriedade transparece da possibilidade de o tri¬bu-nal revogar, alterar ou substituir, na pendência do processo principal, a sua decisão de adoptar ou recusar a adopção de providências cautelares se tiver ocorrido uma alteração relevante das cir¬cuns¬tâncias inicialmente existentes, artigo 124º, nº 1 CPTA, designadamente por ter sido proferida, no processo principal, decisão de improcedência de que tenha sido in-ter¬posto recurso com efeito suspensivo, artigo 124º, nº 3 CPTA. De referir que o sentido do artigo 124º, nº 3 CPTA, é apenas o de estabelecer que a cir¬cuns¬tân¬cia nele prevista deve ser tida em conta, para o efeito de se avaliar se a providência deve ser man¬tida ou se, pelo contrário, deve ser revogada, alterada ou substituída. O regime do pre¬ceito com¬pre¬en¬de-se desde o mo¬men¬to em que, de acordo com o artigo 120º, nº 1 CPTA, o fumus boni iuris constitui um dos cri¬té¬rios a con¬si¬de¬rar para a concessão ou recusa das providências cautelares, sendo mesmo o único na hi¬pó¬te¬se prevista no artigo 120º, nº 1, alínea a) CPTA. Por outro lado, é afirmado o princípio de que o tribunal não pode dar, atra¬vés da concessão de uma pro¬vi¬dên¬cia cau¬telar, o que só à sentença final cumpre pro¬¬por¬¬cio¬nar, se vier a dar provimento às pre¬tensões deduzidas no processo principal. Não significa isto que uma providência cautelar não possa antecipar, a título pro¬vi¬só¬rio, a produção do mesmo efeito que a decisão a proferir no processo principal poderá de¬¬terminar a título definitivo. Ponto é que essa antecipação tenha, na verdade, lugar a título pro¬visório e, portanto, que ela possa caducar se, no processo principal, o juiz chegar a con¬¬clusões que sejam incompatíveis com a manutenção da situação provisoriamente cria¬da. Assim, se o interessado pretende que, no processo principal, lhe seja reconhecido o direito a ser admitido num concurso, é possível que, a título cautelar, o tribunal determine a sua admissão provisória, permitindo-lhe participar do concurso em condições precárias, até que, no processo principal, se esclareça se lhe assiste ou não esse direito. O que a providência cautelar não pode fazer é antecipar, a título definitivo, a cons¬ti¬tui¬ção de situações que só a decisão a proferir no processo principal pode de¬¬terminar a título definitivo, em tais condições que essa situação já não possa ser alterada se, no pro¬ces¬so principal, o juiz chegar, a final, a con¬¬clusões que não consintam a sua manutenção. Por conseguinte, se o interessado pre¬ten¬der a ob¬ten¬ção de licença para demolir um imóvel ou de autorização para realizar uma manifestação, o tri¬¬¬bu¬nal não pode impor, como pro¬vi¬dên¬cia cautelar, que a li¬cença ou a autorização sejam concedidas. Quando o periculum in mora possa com¬pro¬me¬ter o efeito útil do processo principal e só possa ser evitado através da antecipação de um efeito que só pode ser determinado pela sentença a proferir no processo principal, sob pena de a concessão da providência fazer com que o pro-ces¬so principal se torne inútil, o que é ne¬ces¬sá¬rio é ob¬ter, com carácter de ur¬gência, uma decisão sobre o mérito da questão colocada no processo principal. Tal decisão já não pertence, porém, ao domínio da tu¬tela cau¬te¬lar, mas ao do¬mí¬nio da tu¬tela final urgente, e só pode ter lugar se se preencherem os pressupostos de que de¬pen¬de a utilização de pro¬cessos principais urgentes espe¬cificamente instituídos na lei, como a in¬timação para protecção de di-rei¬tos, li¬ber¬da¬des e ga¬rantias, que inter¬vém precisamente, como diz o artigo 109º, nº 1 CPTA, quan¬do não seja possível ou suficiente, nas circuns¬¬¬tân¬cias do caso, o decretamento de uma pro¬vi¬dência cautelar.

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