domingo, 29 de abril de 2012

Os contra-interessados no Contencioso Administrativo


O Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) impõe que sejam obrigatoriamente demandados ao processo, os contra-interessados  quem o provimento do recurso possa directamente prejudicar ou que tenham um interesse legítimo na manutenção do acto impugnado e possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo, segundo o disposto no art. 57º, quanto à impugnação de actos administrativos e nos termos do art. 68º, nº2, relativamente à acção de condenação à prática de acto administrativo devido.
Estes são verdadeiros sujeitos de relações jurídicas administrativas multilaterais, que muitas vezes envolvem um conjunto mais ou menos alargado de pessoas cujos interesses são afectados pela conduta da Administração, mesmo não sendo os imediatos destinatários daquele acto. Esta produz decisões cujos efeitos podem lesar os interesses de uns e, simultaneamente, beneficiar outros, circunstância esta que se irá reflectir na própria configuração das garantias contenciosas dos diferente interessados, na medida em que a uns importa obter a destruição das decisões, e a outros importa a sua manutenção. Por isso, surge um conjunto de posições jurídicas de terceiros, que não sendo “terceiros” na verdadeira acepção do termo, passam a integrar com o imediato destinatário da decisão e com a Administração uma verdadeira relação jurídica multilateral ou multipolar. É um sistema diferente do alemão ou italiano em que os contra-interessados são vistos como partes secundárias, enquanto o recorrente e a autoridade recorrida são partes principais.
Eles devem receber protecção jurídica procedimental e contencioso, uma vez que, de tais decisões da Administração, podem decorrer efeitos lesivos ou benéficos para os mesmos.
Mas qual o fundamento de tal chamamento? Terá previsão constitucional?
Por um lado, decorre dos seus interesses próprios,uma vez qu pode ser directamente prejudicado com uma determinada actuação, mas, por outro lado, tem efectivamente previsão constitucional no art. 20º da CRP que consagra o Direito Fundamental de acesso à justiça, desenvolvido e completado pelo art. 268º, nº 4 da CRP, que consagra o direito a tutela jurisdicional efectiva dos administrados. Pode ainda falar-se no art. 266º, nº1 da CRP, na medida em que, a prosecução do interesse público deve ser seguido com respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. E, por fim, decorre do príncipio geral do contraditório e da igualdade das partes, visto que, sempre que a actuação processual de alguém se mostra passível de lesar directamente direitos ou interesses legítimos de terceiros, é indispensável, de acordo com o Estado de Direito, que a estes seja assegurada a possibilidade de participar no processo e garantidos os meios processuais de influenciar activamente o seu êxito.
Uma questão igualmente importante refere-se ao âmbito subjectivo de caso julgado, ou seja, será que se existir uma decisão judicial de provimento que directamente prejudique terceiros e estes nunca tenham sido chamados ao processo, esta decisão lhe será oponível?
A resposta não pode deixar de ser não. O direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva seriam totalmente desrespeitados se aquele a quem não foi assegurada a possibilidade de intervenção processual, designadamente porque nunca foi mandado citar, pudesse ser directamente prejudicado pela anulação do acto recorrido através do provimento do respectivo recurso contencioso. Sublinhe-se que estes Direitos Fundamentais não têm apenas o sentido de abrir a via contenciosa aos particulares, permitem também limitar a eficácia subjectiva das decisões judiciais, excluindo do âmbito dos seus efeitos todos os particulares a quem não foi assegurada em termos efectivos a possibilidade de intervenção processual.
 Este é um entendimento acolhido pela Doutrina[1] e pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[2].
Deste modo,a possibilidade de intervenção processual dos contra-interessados funciona como instrumento de extensão da eficácia subjectiva de caso julgado, verificando-se que a própria utilidade plena da sentença anulatória do acto recorrido depende da susceptibilidade dessa mesma intervenção processual, justificando-se, por isso, o entendimento que estamos aqui perante a imposição legal de um verdadeiro litisconsórcio necessário passivo. A preterição do litisconsórcio passivo tem consequências gravosas para o autor: ilegitimidade passiva que obsta ao conhecimento da causa, nos termos dos arts.78º, nº2, alínea f), 81º, nº1 e  89º, nº1, alínea f).
Em conclusão, os contra-interessados são pessoas a quem a procedência da acção pode prejudicar ou que têm interesse na manutenção da situação contra a qual se insurge o autor.
Há uma situação de litisconsórcio necessário passivo e a sua preterição leva a uma situação de ilegitimidade.
Por fim, há uma inoponibilidade da decisão judicial que porventura venha a ser proferida à revelia dos contra-interessados, nos termos do art. 155º, nº2.
Bibliografia:
-Silva, Vasco Pereira da, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2º Edição, Almedina;
-Almeida, Mário Aroso de , “Manual de Processo Administrativo”, 2010, Almedina
-Otero, Paulo, “Os Contra-Interessados em Contencioso Administrativo: Fundamento, Função e Determinação do Universo em Recurso Contencioso de Acto Final de procedimento Concursal”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares.


[1] Neste sentido, Amaral, Diogo Freitas do, “Direito Administrativo”, IV, pag.227 e 228.
[2] Acórdão da 1ª  Secção do STJ de 9 de Março de 1995.

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