quinta-feira, 26 de abril de 2012

O contencioso pré-contratual da contratação pública - uma breve análise "à queima-roupa"


O contencioso pré-contratual vem previsto nos art. 100 e ss. do CPTA, contudo, a grande discussão em torno desse mecanismo prende-se sobre a sua relativa prevalência sobre o constante no D.L. nº 134/98 de 15 de Maio, que transpõe as Directivas 89/665/CEE e 92/13/CEE contendo importantes regras de regulação da contratação publica. A tramitação seguida por este mecanismo urgente, baseia-se no disposto para a acção administrativa especial, art. 78 e ss. do CPTA, porém, mediado com alguns critérios do art. 102 do CPTA.

A. Quais os procedimentos pré-contratuais abrangidos pelo regime constante do CPTA? No nº1 do art. 100 do CPTA, temos que estão abrangidos os litígios que se verifiquem no âmbito de procedimentos de formação de contratos de empreitada e de concessão de obras públicas, de aquisição de serviços e de fornecimento de bens móveis, independentemente da forma privada ou publica do contrato, desde que, contudo, seja o mesmo regulado por normas de Direito Publico. Com isto, ficam excluídos os procedimentos adjudicatórios de direito privado e os procedimentos administrativos tendentes à celebração de quaisquer outros contratos de espécie diferente da dos supra referidos, como os contratos de concessão de serviços públicos ou as parcerias publico-privadas institucionalizadas.

B. Quais os fundamentos invocáveis para procedibilidade deste instituto? Tem-se entendido  poderem ser invocadas as actuações realizadas com violação de qualquer regra ou princípio de cariz pré-contratual, desde que tenha com objecto a conformação jurídica do procedimento que leve à formação do contrato em causa. Porém, tem sido admitida a possibilidade de invocar tudo o que ponha em causa a própria validade do procedimento de adjudicação (v.g., não se ter realizado um necessário procedimento de impacto ambiental).

C. Já quanto à legitimidade, caberá em primeira linha aos candidatos e concorrentes participantes no processo de adjudicação. Porém, é discutível a sua extensão ao Ministério Publico e mesmo aos interessados nas situações de “adopção de procedimento ilegal” e dos casos de “concurso lesivo”. Isto é, será que a remissão feita, pelo art. 100 nº1 do CPTA, para a secção da impugnação de actos administrativos (que serve de regime supletivo a este processo urgente, embora deva ser aplicado de forma adaptada, especialmente nos casos dos art. 58 nº3 e 4 e art. 60 nº3 do CPTA) inclui o constante no art. 55 nº1 do CPTA, podendo abranger casos como os litígios populares sociais (v.g., o caso do túnel do Marquês) e mesmo os litígios populares locais (art. 55 nº2 do CPTA)? Autores como RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA têm entendido que sim atendendo aos interesses em jogo no processo de adjudicação.

D. Podem ser formulados pedidos de impugnação de actos de conteúdo positivo, art. 100 nº3, pedidos de invalidação de documentos conformadores, art. 100 nº2 (v.g., o caderno de encargos), a própria invalidade do contrato, embora deva ser cumulado com um dos pedidos anterior, art. 102 nº4 e art. 63, sendo ainda possível pedir uma indemnização na hipótese previsto no art. 102 nº5, todos do CPTA. Tem sido também admitida a formulação de pedidos que não estejam consagrados neste mecanismo como o pedido de condenação à prática de acto procedimental devido que tenha sido omitido ou recusado (v.g., Ac. do STA nº1/2005 P. 903/2004). Porém, surge a dúvida quanto à aceitação de pedidos de condenação à abstenção de acto administrativo pré-contratual neste instituto, embora tal venha a ser admitido, apenas e só, quando se demonstre que o sistema de garantias principais e cautelares não tutele de forma suficiente o caso em concreto. É de referir, por fim, que tudo o que aqui não caiba, poderá seguir em acção administrativa comum ou outro qualquer processo especial.

E. No que toca à tempestividade deste mecanismo processual, cabe considerar as seguintes notas.

Um dos primeiros problemas é-nos colocado pelo art. 101 do CPTA e qual a sua influência em sede de revogação das decisões pré-contratuais. Aqui, o prazo de 1 mês vale da mesma forma para o Ministério Publico, mas, cabe referir que o prazo só termina 1 mês após a adjudicação e corre desde a prática do acto adjudicatório tido como ilegal, ou seja, apesar de se remeter para a secção onde se localizam os art. 50 a 65 do CPTA, o art. 58 nº2 do CPTA não será de se  aplicar.

Outro problema será aquele que se prende em saber se o âmbito de aplicação do art. 101 do CPTA, vale apenas para a impugnação de actos administrativos anuláveis ou também para os actos feridos de nulidade, já que, atendendo à letra e localização sistemática do preceito, tudo caberia no carácter urgente do processo, seguindo a tese do alcance máximo, sendo de afastar o constante nos art. 58 nº1 do CPTA e art. 134 nº2 do CPA, ou seja, sendo permitido a impugnação do acto nulo a todo o tempo. São conhecidas, e aceites, as preocupações com a necessidade de se obter estabilidade nas relações ou situações pré-contratuais, contudo, junta-se ao problema o facto de não se fazer qualquer distinção conforme a invalidade do acto. Mais, o art. 283 nº1 do CCP prevê que “os contratos são nulos se a nulidade do acto procedimental em que tenha assentado a sua celebração tenha sido judicialmente declarada ou possa ainda sê-lo”, o que leva a pressupor que se aceita a inimpugnabilidade de actos nulos, ficando sujeitos ao prazo constante do regime em estudo, o que prefigura um resultado inadmissível. Por isto, autores como RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, entendem que, de iure condendo, seria de admitir que os actos nulos fossem impugnáveis a todo o tempo, contudo, refere o mesmo autor que, ainda que assim não seja, essa mesma nulidade poderá ser invocada a todo o tempo, desde que com tal pedido, não se pretenda a declaração da nulidade do acto.

O referido prazo vale, da mesma forma, para os pedidos de condenação à pratica do acto devido (com o afastamento do art. 69 nº1 do CPTA), contando-se o mesmo desde a notificação do acto de recusa ou do decurso do prazo estabelecido para a emissão do acto ilegalmente omitido. No caso de condenação à abstenção da prática de um determinado acto, caso isto seja admissivel no contencioso pré-contratual, tem-se que: ou não haverá prazo, ou então este dever-se-á contar desde a notificação ou do conhecimento do projecto de acto que não se quer ver praticado. É ainda de sublinhar a admissibilidade da aplicação do art. 59 nº4 do CPTA.

F. Cabe ainda um apontamento, muito breve, quanto à impugnação do contrato em si. A celebração do contrato não leva à inutilidade superveniente da lide pré-contratual, mesmo que o contrato não seja, a posteriori, impugnado (cf. art. 63 nº2 do CPTA). Mais, se na pendência do processo pré-contratual, o contrato vier a ser celebrado, poderá o autor, para além de fazer estender o objecto do processo à impugnação do contrato, pode requerer a substituição da providência cautelar de suspensão do procedimento cautelar por outro, que vise suspender a execução do contrato, entretanto, celebrado (se apesar de celebrado, não estiver em execução, não se verificará uma situação de impossibilidade absoluta justificativa de se convolar o pedido de anulação em pedido de indemnização. E quanto aos fundamentos invocáveis para atacar a validade do contrato? Uma solução possível, que esteja em conformidade com o disposto no art. 63 nº2 do CPTA, é que o pedido de invalidação do contrato terá que se um pedido que derive, ou surja em consequência dos fundamentos que foram invocados contra o acto ou documento pré-contratual, i.e., a invalidade do de um qualquer acto pré-contratual irá projectar-se na própria validade do contrato. 

G. Por fim, cabe uma ultima referência ao constante no art. 103 do CPTA, que vem permitir a realização de uma audiência pública sobre a matéria de facto, e mesmo de direito, isto a requerimento das partes ou é permitido tal a título oficioso. Porém, é reconhecida a fraca utilização deste mecanismo, referindo MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, que seria melhor repensar a mesma.
Bibliografia consultada:

  • ALMEIDA, Mário Aroso, "Manual de Processo Administrativo", Almedina, 2010;
  • OLIVEIRA, Rodrigo Esteves de, "O contencioso urgente da contratação públicain Cadernos de Justiça Administrativa nº 78, 2009 

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