A doutrina portuguesa divide-se
quanto à eficácia erga omnes ou inter partes do caso julgado. Ao invés, a
doutrina estrangeira (nomeadamente alemã e espanhola) adopta preferencialmente
uma concepção de eficácia inter-partes, todavia consagram mecanismos que
estendem os efeitos a terceiros que não estiveram presentes no processo.
O problema que se pretende analisar
prende-se com a eficácia do caso julgado, saber se terá eficácia em relação às
pessoas que participaram no processo como partes (inter-partes) ou ao invés se
produz efeitos sobre todas as pessoas que possam beneficiar ou ser prejudicados
com a decisão (erga omnes).
Fezas Vital parte de uma concepção objectivista, considerando a
defesa da legalidade como finalidade do recurso implicando a necessidade do
caso julgado ter uma eficácia absoluta. Se não tivesse eficácia erga omnes não
se garantiria a legalidade na actuação dos órgãos administrativos.
Por sua vez, Marcelo Caetano reconhece uma natureza mista ao recurso contencioso,
principalmente subjectivista, prosseguindo também a defesa da legalidade. Faz
uma distinção de situações, de acordo com os fundamentos de anulação.
Se o fundamento for em razões que
apenas se verifiquem no recorrente (subjectivos), a eficácia é inter-partes. Na
hipótese de ocorrer uma ilegalidade objectiva e o acto for indivisível a
anulação provoca o seu desaparecimento e assim terá uma eficácia erga omnes. No
que diz respeito aos actos divisíveis, o referido autor considera que se a
anulação recair apenas sobre parte do acto, o efeito de caso julgado somente se
produz quanto àqueles interessados na parte anulada.
Posição distinta das
anteriormente apresentadas, defende Rui
Machete. Este autor, baseando-se na natureza objectiva que visa a defesa da
legalidade, considera que a distinção feita por Marcelo Caetano não se justifica, deve sim entender-se que o caso
julgado tem sempre eficácia erga omnes tanto no caso de rejeição como de
provimento, independentemente dos fundamentos serem objectivos ou subjectivos. Sustenta
a sua posição com a afirmação de que um acto não pode ser nulo para uns e válido
para outros. Esta eficácia erga omnes tem como excepção os actos plurais
(conjunto de actos singulares). Nestes, quando um destinatário de acto plural
não recorreu nem foi citado para contestar não fica abrangido pelo caso julgado.
Aqui apenas se discute a legalidade de parte dos actos simples que compõem o
acto plural.
Podemos encontrar duas situações em
que o caso julgado produza efeitos erga omnes quando estejam em causa actos
plurais: 1) Quando actos plurais são objecto de acção popular; 2) Quando actos
plurais são objecto de acção pública.
1)
A L 83/95 no seu art. 19/1, respeitante aos efeitos do
caso julgado consagra uma eficácia geral das sentenças de provimento
transitadas em julgado. É necessário apontar que não estarão abrangidas aqueles
titulares de direitos que se tenham auto – excluído da representação, sob pena
de inconstitucionalidade.
2)
Esta acção também prossegue finalidades de defesa da legalidade
e tem uma eficácia erga omnes, embora com um estatuto sui generis
Quando estão em causa actos plurais há uma
decisão da administração que é aplicável de igual modo a várias pessoas. Este
facto torna o acto divisível num número de actos igual ao número de
destinatários.
No entendimento dos professores Freitas do Amaral e Paulo Otero existe na realidade uma
pluralidade de actos administrativos, sob a aparência de um único acto administrativo.
A eficácia subjectiva não pode ser aferida em relação a todos os actos
singulares, deve ser aferida a cada acto simples. Um acórdão do STA em 1996 (caso
Ana Berga) considerou que quando não são impugnados alguns actos singulares
tendo deixado os destinatários que estes se confirmem pela não impugnação
contenciosa, não há efeito erga omnes (o acto atribui a cada singular uma
autonomia contenciosa). Este efeito apenas opera quanto aos actos indivisíveis e
não quanto aos divisíveis.
Podem apontar-se duas excepções à
posição defendida pelo STA: A) quando ocorra uma acção pública contra o acto plural,
a sentença que anule o acto recorrido tem eficácia erga omnes; B) estando em
causa um acto plural nulo ou inexistente verifica-se uma ilegalidade objectiva,
consequentemente a sentença da nulidade ou inexistência em relação a cada acto
tem eficácia erga omnes, sendo susceptível de ser estendida aos demais actos
singulares do acto plural.
Vasco Pereira da Silva assume uma visão subjectivista do
contencioso administrativo. Considera que os efeitos do caso julgado apenas
podem incidir sobre o que tenha sido alegado e sobre quem o alegou.
A eficácia erga omnes tem de ser
afastada com base no art. 20.º/ 2CRP, onde se consagra o direito de defesa e
consequentemente os efeitos da sentença devem limitar-se aos participantes no
processo.
Por sua vez, Paulo Otero e Freitas do
Amaral apontando o mesmo art. 20/2 CRP, todavia, invocam-no para justificar
a excepção à regra geral, da eficácia erga omnes. A eficácia erga omnes da
decisão não pode prejudicar quem não recorreu nem foi citado para contestar.
Terá eficácia erga omnes se os interesses tiverem tido a faculdade efectiva de
intervir no processo e mesmo que não intervenham, manifestem a vontade de
aproveitar a sentença anulatória.
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