sábado, 21 de abril de 2012

A eficácia subjectiva do caso julgado no recurso contencioso de anulação


A doutrina portuguesa divide-se quanto à eficácia erga omnes ou inter partes do caso julgado. Ao invés, a doutrina estrangeira (nomeadamente alemã e espanhola) adopta preferencialmente uma concepção de eficácia inter-partes, todavia consagram mecanismos que estendem os efeitos a terceiros que não estiveram presentes no processo.
O problema que se pretende analisar prende-se com a eficácia do caso julgado, saber se terá eficácia em relação às pessoas que participaram no processo como partes (inter-partes) ou ao invés se produz efeitos sobre todas as pessoas que possam beneficiar ou ser prejudicados com a decisão (erga omnes).
Fezas Vital parte de uma concepção objectivista, considerando a defesa da legalidade como finalidade do recurso implicando a necessidade do caso julgado ter uma eficácia absoluta. Se não tivesse eficácia erga omnes não se garantiria a legalidade na actuação dos órgãos administrativos.
Por sua vez, Marcelo Caetano reconhece uma natureza mista ao recurso contencioso, principalmente subjectivista, prosseguindo também a defesa da legalidade. Faz uma distinção de situações, de acordo com os fundamentos de anulação.
Se o fundamento for em razões que apenas se verifiquem no recorrente (subjectivos), a eficácia é inter-partes. Na hipótese de ocorrer uma ilegalidade objectiva e o acto for indivisível a anulação provoca o seu desaparecimento e assim terá uma eficácia erga omnes. No que diz respeito aos actos divisíveis, o referido autor considera que se a anulação recair apenas sobre parte do acto, o efeito de caso julgado somente se produz quanto àqueles interessados na parte anulada.
 Posição distinta das anteriormente apresentadas, defende Rui Machete. Este autor, baseando-se na natureza objectiva que visa a defesa da legalidade, considera que a distinção feita por Marcelo Caetano não se justifica, deve sim entender-se que o caso julgado tem sempre eficácia erga omnes tanto no caso de rejeição como de provimento, independentemente dos fundamentos serem objectivos ou subjectivos. Sustenta a sua posição com a afirmação de que um acto não pode ser nulo para uns e válido para outros. Esta eficácia erga omnes tem como excepção os actos plurais (conjunto de actos singulares). Nestes, quando um destinatário de acto plural não recorreu nem foi citado para contestar não fica abrangido pelo caso julgado. Aqui apenas se discute a legalidade de parte dos actos simples que compõem o acto plural.
Podemos encontrar duas situações em que o caso julgado produza efeitos erga omnes quando estejam em causa actos plurais: 1) Quando actos plurais são objecto de acção popular; 2) Quando actos plurais são objecto de acção pública.

1)      A L 83/95 no seu art. 19/1, respeitante aos efeitos do caso julgado consagra uma eficácia geral das sentenças de provimento transitadas em julgado. É necessário apontar que não estarão abrangidas aqueles titulares de direitos que se tenham auto – excluído da representação, sob pena de inconstitucionalidade.
2)      Esta acção também prossegue finalidades de defesa da legalidade e tem uma eficácia erga omnes, embora com um estatuto sui generis
   
 Quando estão em causa actos plurais há uma decisão da administração que é aplicável de igual modo a várias pessoas. Este facto torna o acto divisível num número de actos igual ao número de destinatários.
No entendimento dos professores Freitas do Amaral e Paulo Otero existe na realidade uma pluralidade de actos administrativos, sob a aparência de um único acto administrativo. A eficácia subjectiva não pode ser aferida em relação a todos os actos singulares, deve ser aferida a cada acto simples. Um acórdão do STA em 1996 (caso Ana Berga) considerou que quando não são impugnados alguns actos singulares tendo deixado os destinatários que estes se confirmem pela não impugnação contenciosa, não há efeito erga omnes (o acto atribui a cada singular uma autonomia contenciosa). Este efeito apenas opera quanto aos actos indivisíveis e não quanto aos divisíveis.
Podem apontar-se duas excepções à posição defendida pelo STA: A) quando ocorra uma acção pública contra o acto plural, a sentença que anule o acto recorrido tem eficácia erga omnes; B) estando em causa um acto plural nulo ou inexistente verifica-se uma ilegalidade objectiva, consequentemente a sentença da nulidade ou inexistência em relação a cada acto tem eficácia erga omnes, sendo susceptível de ser estendida aos demais actos singulares do acto plural.
Vasco Pereira da Silva assume uma visão subjectivista do contencioso administrativo. Considera que os efeitos do caso julgado apenas podem incidir sobre o que tenha sido alegado e sobre quem o alegou.
A eficácia erga omnes tem de ser afastada com base no art. 20.º/ 2CRP, onde se consagra o direito de defesa e consequentemente os efeitos da sentença devem limitar-se aos participantes no processo.

Por sua vez, Paulo Otero e Freitas do Amaral apontando o mesmo art. 20/2 CRP, todavia, invocam-no para justificar a excepção à regra geral, da eficácia erga omnes. A eficácia erga omnes da decisão não pode prejudicar quem não recorreu nem foi citado para contestar. Terá eficácia erga omnes se os interesses tiverem tido a faculdade efectiva de intervir no processo e mesmo que não intervenham, manifestem a vontade de aproveitar a sentença anulatória.

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