Conexão entre a natureza
substantiva do contencioso administrativo e o princípio do acesso a justiça
administrativa e da tutela jurisdicional plena e efectiva
Historicamente a fiscalização da
actividade administrativa na sua génese (pós revolução francesa) esteve
limitado ao escrutínio da legalidade e da prossecução do interesse público da actuação
administrativa (natureza objectiva) e consequente declaração de nulidade ou
anulação das decisões administrativa que não estivesse enquadrado na lei ou não
prosseguido o interesse publico.
A tarefa de julgar a
administração estava reservada a tribunais que não eram independentes da
própria esfera do poder administrativo, isto devesse a uma interpretação rígida
do princípio da separação de poderes, que se baseava na ideia de que julgar a
administração era ainda administra por isso tarefa que não pode ser executada
por tribunais judicias.
A sindicância da actividade
administrativa se limitava ao recurso de anulação e não mais, feita perante
tribunais que não são “verdadeiros tribunais “ porque inseridos na
administração, trata-se do sistema de administrador – juiz.
É este modelo francês de
contencioso que sérvio de inspiração a outros países europeus, nomeadamente a
Portugal.
Este modelo de contencioso de
natureza objectiva, tem como meio processual por excelência o recurso de
anulação, que se baseava na impugnação com fundamento na violação a lei ou no
excesso do poder, a intervenção do particular no processo é tida como um
auxiliar e não como parte com interesse próprio a defender.
O recurso de anulação é um
processo feito a um Acto (individual ou normativo) e não a relação jurídica
administrativa, visa essencialmente fiscalizar o exercício do poder
administrativo no que toca ao cumprimento da legalidade, não se preocupa com a
protecção de direitos e interesses dos particulares.
Em contraponto a este modelo
surgi o modelo subjectivista, com génese na Alemanha após II guerra mundial, foi
se alastrando aos restantes países da Europa continental.
O modelo subjectivista
assenta nas seguintes ideias fundamentais:
1. Um
contencioso com função primacial de tutela de direitos e interesses legalmente
protegidos dos particulares;
2. Um
contencioso totalmente jurisdicionalizado (fim do administrador – juiz);
3. Admissibilidade
da sindicância universal de todas as decisões da administração;
4. Tutela
plena e efectiva das pretensões dos particulares;
5. Atribui
ao juiz poderes de decisão diversificados e efectivos “anulatórios,
declarativos, condenatórios e cautelares”.
O processo, passa a ser um processo
de partes isto se reflecte em aspectos como a legitimidade, nos poderes e
deveres processuais da partes, ao uso dos meios cautelares, nos efeitos da
sentença, e na execução da s decisões judiciais.
Na ordem jurídica portuguesa dois princípios constitucionais espelham a
natureza subjectivista do contencioso administrativo.
·
O princípio
do acesso a justiça administrativa.
·
O princípio
da tutela jurisdicional efectiva.
v
O primeiro principio previsto no art 20º/1 CRP, estabelece
o acesso aos tribunais com um direito fundamental, isto implica que esta
sujeito ao regime do art 18º CRP (aplicabilidade e imediata).
Este preceito concede aos
particulares a faculdade para recorre aos tribunais para defesa dos seus
direito e interesses legalmente protegidos.
A interpretação que se faz do art
20º/1CRP,vai no sentido de que a todo direito deve corresponder uma acção
adequada a sua realização, dando sentido a tutela que a constituição exige.
Enquanto principio da justiça
administrativa esta previsto no art 7º CPTA, tendo por base ideia da promoção
da justiça “in dúbio pro actine”. Deste princípio resulta que o acesso ao
contencioso não pode estar sujeito a um prévio recurso as garantias
administrativas (como seja o recurso hierárquico necessário), existindo um
pressuposto deste tipo põe causa o exercício de um direito fundamental (direito
de acesso a justiça administrativa).
v
O segundo principio da tutela jurisdicional
efectiva, este é o mais importante no âmbito da justiça administrativa, tem
consagração constitucional art 268º/4CRP e previsão legal no art 2º CPTA.
Centrada na ideia de que a todo
direito ou interesse legalmente protegido deve corresponder a tutela junto dos
tribunais administrativos que o faço prevalecer.
O principio da tutela
jurisdicional efectiva esteva garantido antes da revisão constitucional de 1989
(a garantia administrativa estava limitada ao recurso de anulação),só com a
revisão de 89 é que a constituição consagrou o principio da tutela
jurisdicional administrativa. Trata-se pois de uma consagração especifica do
direito geral da protecção jurídica (20º CRP),um direito -garantia dos
cidadãos que se traduz no direito de acesso ao direito e aos tribunais e obter
uma decisão judicial em tempo razoável e mediante um processo equitativo, e no
direito a efectividade das sentenças decretadas (205ºCRP).
Com a revisão constitucional de
89 o legislador constituinte alterou o paradigma na delimitação do acto
recorrível, o critério deixa de ser o do acto definitivo e executório e passa a
ser o critério da lesão de direito e interesse legalmente protegido dos
particulares, com isto, o aspecto essencial para possibilidade de recurso é a
situação subjectiva do particular – trata se de um critério subjectivo e não
formal.
A tutela jurisdicional efectiva
que resulta da constituição tem de ser assegurada a três níveis:
a)
Ao nível da disponibilidade de acção ou
principais e adequadas a tutela;
b) No
plano das providências necessárias para acautelar a utilidade das decisões;
c)
Ao nível da execução efectiva das sentenças
O legislador ordenaria na sua
função de concretizar o comando constitucional definido pelo legislador
constituinte, estabelece um contencioso administrativo de natureza
subjectivista.
O princípio aparece densificado através da consagração no código do
processo nos tribunais administrativos através da previsão exemplificativo de
algumas das pretensão admissíveis (art 2º), bem com na consagração de meios
processuais, designadamente na acção administrativa comum no art 37º/2 CPTA, na
acção administrativa especial no art 46º/2 CPTA, nas providências cautelares
art 112º/2 CPTA, no processo executivo art. 162º ss CPTA.
Do exposto resulta que o modelo
contencioso administrativo é fundamentalmente subjectivo, mas isto não implica
que devemos ignorar a existência de meios na justiça administrativa que visam a
defesa da legalidade e a protecção de o interesse público, a um nível supra-
individual, nomeadamente de bens e de valores constitucionalmente protegidos,
como a saúde pública, o ambiente, urbanismo etc…
A propósito da tutela objectiva a
CRP tem previsto o direito a acção popular (art52º/3 CRP), a legislação
ordenaria concretiza o seu regime na lei da acção popular (lei Nº 83/95).
Ainda a propósito da defesa da
legitimidade e do interesse público uma referência deve ser feita ao papel do
ministério público enquanto defensor por excelência do estado de direito
democrático, sendo o contencioso de natureza subjectivista, marcada pela tutela
do direito e interesse dos particulares, o processo decorre essencialmente
entre o particular e a administração, a intervenção do ministério verifica-se a
dois níveis:
a) Na acção popular para defesa dos bens e valores referidos no art9º/2 CPTA, pode
intervir interpondo ele própria a acção para defesa da legalidade, ou
intervindo subsequentemente nas acções que já estejam a decorrer no tribunal
(art 85º CPTA) sempre que esteja em causa a defesa de bens e valores
constitucionalmente protegidos.
b) acção
pública para defesa da legalidade objectiva e dos bens e valores referidos no
art 9ºCPTA, nos quais goza de monopólio, excepto o previsto no art 55º/2 CPTA.
Os traços fundamentais que
decorrem da previsão constitucional do direito ao acesso a justiça
administrativa e a tutela jurisdicional efectiva, apontam um caminho muito claro
ao legislador ordinário, que é o da subjectivação do modelo do contencioso
administrativo, centrado na ideia da protecção dos direitos e interesses
legalmente protegidos dos particulares, na impugnabilidade judicial de todos os
actos administrativos, quer sejam preparatórios, definitivos ou executório.
Bibliografia
Almeida, Mário Aroso
de – O novo Regime do processo nos Tribunais Administrativos.3ª ed. Revista e
actualizada.
Freitas Amaral, Diogo – direito administrativo,4ª vol.
Miranda, Jorge- estudos sobre a constituição – regime das
liberdades e garantias, 3ª vol.
Pereira Silva, Vasco- Contencioso Administrativo no divã da
psicanalise.
Viera de Andrade, José Carlos – Justiça administrativa (lições).10º
ed
Mamadu Saliu Djaló, nº 19974
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