A
cumulação de pedidos, regulada nos artigos 4º e 47º do CPTA, caracteriza-se
pela admissibilidade de, no mesmo processo administrativo, deduzir dois ou mais
pedidos (que são definidos como a pretensão do autor em juízo, reportada a uma
relação jurídica administrativa que tenha despoletado um litígio), desde que
verificadas certas condições legalmente prescritas (desde logo a existência de
uma relação de conexão entre os pedidos de índole material, remetendo-se neste
caso para o artigo 4º, n.º1)[i].
O CPTA vem acolher a solução da cumulação, que era admitida pela doutrina desde
1967. O artigo 4º, n.º1 elenca as hipóteses genéricas de cumulação,
densificando os casos de admissibilidade a título exemplificativo no seu n.º2. O
artigo 47º adopta o mesmo modelo normativo dos exemplos-padrão, enveredando
igualmente por uma enumeração exemplificativa dos casos de admissibilidade da
cumulação em sede de acção especial.
No
actual contencioso administrativo é possível cumular pedidos aos quais
correspondam formas de processo diferentes e/ou que devam ser julgados em
tribunais de hierarquia ou território díspar, superando neste último caso o que
sucede no processo civil, em que para que exista cumulação quando são
competentes para os diferentes pedidos tribunais de diferente hierarquia é
necessário que a tramitação não seja manifestamente incompatível (artigo 31º,
n.º1 do CPC). O artigo 5º, n.º2 do CPTA apenas obsta a que sejam julgados
cumulativamente pedidos sem que todos se reconduzam à jurisdição
administrativa, pelo que a verificar-se esta situação apenas tem condições de
prosseguir o pedido para o qual sejam competentes os tribunais administrativos,
absolvendo a instância dos pedidos excluídos do âmbito da jurisdição
administrativa. Quando correspondam a formas de processo distintas (por
exemplo, um dos pedidos seguiria a forma comum e o outro a forma especial), a
acção tramitará sob a forma especial, impendendo sobre o tribunal o dever de
prover pela adaptação da tramitação, introduzindo alterações que se afigurem
necessárias, nos termos do artigo 265º A do CPC, aplicável por não haver norma
especial do processo administrativo que regule esta matéria (nestes termos
dispõe o artigo 1º do CPTA).
A
cumulação, tal como no processo civil, pode ter lugar no início do processo ou
já na sua pendência, sendo neste último caso denominada cumulação sucessiva
(artigos 28º, 48º, n.º1 e 61º do CPTA). Um exemplo desta possibilidade
processual consubstancia-se na faculdade de cumular o pedido de condenação à
prática do acto devido com o de anulação de um acto de deferimento parcial que
tenha sido praticado na pendência do processo.
A
cumulação de pedidos assume várias feições. Pode ser simples, quando o
autor pretenda a procedência de todos os pedidos e igualmente a produção de
todos os efeitos deles decorrentes, subsidiária, quando se pede a
procedência de um pedido apenas e se no caso de improceder o pedido principal,
e alternativa, quando intentando vários pedidos apenas se pretenda a
procedência dos efeitos de alguns deles, cabendo neste caso a escolha a alguém
que não o próprio autor. O Prof. Vasco Pereira da Silva, acompanhando neste
ponto o Prof. Teixeira de Sousa, introduz ainda o conceito de utilidade
económica para diferenciar a cumulação real da aparente.
Em
todo o caso admite a cumulação aparente, que seriam os casos vertidos nos
artigos 4º e 47º do CPTA e assim resultante da modificação do contencioso
administrativo, entendendo que a cumulação real será regulada pelo CPC.
Enquanto de Teixeira de Sousa tende a não admitir as cumulações aparentes uma
vez que se reportam À mesma relação jurídica e não representam uma utilidade
económica autónoma, Vasco Pereira da Silva encontra aqui um mecanismo próprio
do âmbito administrativo (afastando-se das concepções civilistas), que permite
o julgamento de pedidos em conjunto que de outro modo não poderia ter lugar.
Em
qualquer dos casos, permite que tramitem na mesma acção várias pretensões, o
que pode revelar-se vantajoso em termos de economia processual. Permitirá assim
ao autor intentar apenas uma acção, e não tantas quanto os pedidos, o que se
reflecte em termos de dispêndios económicos com custas (mormente, taxas de
justiça) e honorários de advogado, bem como obstar a suscitar em tribunal
questões para apreciação parcelada, quando faria mais sentido pela conexão que
apresentam o seu julgamento em conjunto. Não obstante, a cumulação pode surtir
um efeito pernicioso, ao incrementar pela sua natureza a complexidade do
processo. Em suma, embora permita salvaguardar a tutela jurisdicional efectiva,
por garantir o acesso efectivo dos particulares à justiça, pode contrariar um
dos corolários elementares deste princípio, que se consubstancia na decisão em
prazo razoável, que permita aproveitar desta os seus efeitos úteis. Caberá em
última análise ao interessado optar pelo que lhe parecer mais vantajoso: propor
várias acções, que correm separadamente e dentro dos prazos considerados
normais, ou propor uma única acção e sujeitar-se à morosidade do processo
(sendo de acrescentar que não havendo exclusão legal expressa da cumulação de
pedidos urgentes esta será possível, mas será tendencialmente prejudicada a
decisão em prazo urgente, como seria desejável).
[i]
ANDADRE, Vieira de; «A Justiça Administrativa (Lições)»; Almedina 2009, p. 291 e
ss. :“[…]que identificam situações semelhantes às fixadas para a coligação: que
a causa de pedir seja a mesma e única; que os pedidos estejam entre si numa
relação de prejudicialidade ou de dependência (nomeadamente por respeitarem à
mesma relação substancial); que, apesar de a causa de pedir ser diferente, a
procedência dos pedidos dependa essencialmente dos mesmos factos ou das mesmas
normas jurídicas. […]”
Notas bibliográficas:
ALMEIDA, Mário Aroso de, «Manual de Processo Administrativo»; Almedina 2010
ANDRADE, Vieira de; «A Justiça Administrativa (Lições)»; Almedina 2009
ANDRADE, Vieira de; «A Justiça Administrativa (Lições)»; Almedina 2009
SILVA, Vasco Pereira da; «O
contencioso administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as acções no
novo processo administrativo» 2ª ed; Coimbra; Almedina, 2009
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