segunda-feira, 23 de abril de 2012

A intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões - um “ultimato” à Administração


Entre os processos urgentes do contencioso administrativo encontramos as intimações, que visam a condenação da Administração (tendencialmente) a adoptar certas condutas, que podem consubstanciar-se na concessão de informações ou acesso a registos ou ainda na defesa de direitos, liberdades e garantias. Na presente análise será abordado exclusivamente o primeiro tipo de intimações. Este tipo de acção tem como especificidade a sua tramitação simplificada e urgente, que confere celeridade à marcha do processo.

Esta intimação é regulada no CPTA, e incide sobre actos administrativos instrumentais (as certidões e documentos), por oposição a actos substanciais, para os quais o mecanismo processual adequado à sua obtenção é a condenação à prática de acto devido. Neste caso, a pretensão do particular não se prende com a obtenção de uma decisão ou de uma tomada de posição pela Administração. O que pretende é aceder a informação relativa a processos ou a obtenção de certidões, que são uma materialização do princípio da Administração aberta, consagrado no artigo 268º, n.º2 e 6 da CRP. Segundo este princípio, que equivale para o particular a um direito directamente invocável perante a Administração de acesso à informação administrativa, salvo quando razões de segurança interna e externa, investigação criminal e intimidade das pessoas o imponham, não pode a Administração furtar-se à divulgação de aquivos e registos aos cidadãos que o requeiram, sendo-lhe conferido um prazo de resposta para o efeito. O CPTA vem regular especialmente esta matéria nos artigos 104º e ss. do CPTA, sendo também relevante para este efeito a análise das disposições normativas dos artigos 36º e 147º, que reafirmam o cariz urgente deste tipo de acção.

A configuração legal da intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões é actualmente um meio autónomo, configurando mesmo uma acção principal, e não meramente acessória, como era configurada a sua antecessora “intimação para consulta de documentos ou passagem de certidões”. Todavia, a utilização deste meio processual na actualidade não se prende exclusivamente com a pretensão da obtenção da informação enquanto fim último do partículas, como também enquanto meio no âmbito de acções de impugnação, para pôr cobro a situações de notificação deficiente (artigo 60º, n.º2 do CPTA).

Tal como as demais acções principais consagradas no CPTA, a intimação nestes termos exige pressupostos processuais específicos, que se prendem sobretudo com a questão de saber a quem cabe deduzir esta pretensão (legitimidade activa), contra quem pode esta acção ser proposta (legitimidade passiva), em que momento pode ter lugar (prazo).

Uma questão prévia à própria legitimidade é um pressuposto fáctico e jurídico que tem de verificar-se forçosamente, sob pena de esta acção ser inadmissível e, consequentemente, o pedido ser improcedente. Para que seja possível ao particular lançar mão deste meio processual tem que ter havido um pedido prévio de informações junto da própria Administração, tendo esta incumprido o seu dever de notificar ou informar. Sem que o particular tenha movido meios extra judiciais para satisfazer a sua pretensão, não lhe deverá ser admitida a acção administrativa para o mesmo fim, sendo entendido como uma espécie de “falta de interesse processual”. Não se pode, lógica e racionalmente, condenar a Administração por um dever que esta não cumpriu, quando não lhe tenha sido solicitado em momento antecedente tal cumprimento.

Quanto à legitimidade activa, há que atribuir a possibilidade de propor esta acção aos titulares do direito de informação, atendendo ao que se disse supra quanto ao direito constitucional à informação administrativa. Acresce ainda que quando esta acção seja utilizada enquanto meio acessório face a uma acção de impugnação, pretendendo-se a obtenção de informações necessárias para efeitos impugnatórios, terão igualmente legitimidade todos aqueles que tenham legitimidade no seio da própria acção de impugnação, devendo incluir-se o Ministério Público e os autores populares para o exercício da acção pública ou da acção popular, respectivamente, assim resulta do artigo 104º, n.º2 do CPTA.

A legitimidade passiva nesta acção cabe ao órgão responsável pela concessão da informação ou pela emanação da certidão, sempre que seja possível determinar. Assim prescreve o artigo 10º, n.º2 e 107º. Quando não seja possível, a pessoa colectiva ou o ministério a que pertence o órgão em causa serão partes legítimas no processo.

Quanto ao prazo, a lei prevê 20 dias a contar da data do incumprimento do dever da Administração ou da não atendibilidade do pedido formulado pelo particular, seja por via do indeferimento, do diferimento parcial ou da omissão da Administração. Ao órgão a quem foi dirigido o pedido é facultado um prazo de 10 dias para responder, seguindo-se a decisão do juiz quando decorra este prazo ou quando a autoridade requerida responda (artigo 107º, n.º2).

O artigo 108º disciplina os efeitos da decisão do juiz, caso esta seja de provimento. À Administração cabe cumprir a intimação num prazo máximo de 10 dias sob pena de lhe ser aplicada sanção pecuniária compulsória (artigo 169º ex vi 108º, n.º2), podendo ainda haver imputação de responsabilidades a título civil, disciplinar e criminal (artigo 156º, ex vi 108º, n.º2 in fine), salvo se alegar e provar um motivo atendível para o incumprimento. Para o Prof Vieira de Andrade, serão aplicáveis a este caso as disposições relativas à execução de sentenças condenatórias na prestação de facto fungível, sendo possível uma sub-rogação na execução por outra entidade pública com competência para o efeito, dado que a prestação de informações ou a passagem de certidões não têm necessariamente de resultar da actuação da autoridade para isso obrigada uma vez que são factos e documentos objectivamente existentes e exigíveis à Administração lato sensu, e não limitados à entidade primeiramente responsável. Dentro dos limites da legalidade e competência será possível a execução subrogatória.

Em suma, sairá bastante “caro” à Administração não promover o cumprimento da informação, e assim não poderia deixar de ser. Se estamos no âmbito de uma garantia dos particulares, as decisões de condenação da Administração a informar devem vincular eficazmente, com recurso a um incentivo ao cumprimento, pela sanção pecuniária compulsória, e em última análise responsabilizando de modo agravado a autoridade administrativa.


Bibliografia consultada:

  • AROSO DE ALMEIDA, Mário, "Manual de Processo Administrativo", Coimbra, Almedina, 2010
  • VIEIRA DE ANDRADE, José, "Justiça Administrativa: lições", 2ª Ed., Coimbra, Almedina, 2009

Sem comentários:

Enviar um comentário