quarta-feira, 25 de abril de 2012

Condenação à prática do ato devido - Objeto (artigo 66.º do CPTA)

           A condenação à prática do ato devido é uma modalidade de ação administrativa especial – artigo 66.º a 71.º do CPTA. Esta modalidade de ação administrativa foi introduzida na reforma do contencioso administrativo, e marca uma evolução importante pois, como refere o professor Vasco Pereira da Silva (1), “ao passar de uma mera anulação para uma plena jurisdição, deixa de estar limitado na sua tarefa de julgamento, desta forma superando muitos dos respetivos “traumas de infância”.
            Foi a revisão da Constituição de 1997, que estabeleceu de forma expressa que a possibilidade de “determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos” é uma componente essencial do princípio da tutela jurisdicional plena e efetiva dos direitos dos particulares em face da administração, o qual constitui o novo centro do contencioso administrativo – artigo 268.º/4 CRP.   
            No âmbito da discussão da reforma do contencioso administrativo, ainda se colocou uma de duas possibilidades, para a resolução de um problema que existia antes desta ação especial: o legislador deveria optar por criar uma simples ação declarativa, que poderia vir a ser acompanhada por medidas compulsórias, e seguir-se-ia o modelo “francês tradicional”, ou deveria o legislador consagrar uma verdadeira ação condenatória, seguindo dessa forma o modelo alemão. O nosso legislador decidiu seguir o modelo alemão e consagrar uma verdadeira ação condenatória, e foi desta forma que surgiu a ação de condenação à prática do ato devido.
            Realizada uma breve referência ao surgimento da ação de condenação à prática do ato devido, alcançamos agora o problema da determinação do objeto desta ação. Como refere o professor Vasco Pereira da Silva (2), podemos distinguir, partindo do artigo 66.º do CPTA, duas modalidades de ação administrativa especial de condenação à prática do ato devido, consoante esteja em causa a necessidade de obter a prática de ato ilegalmente omitido ou recusado. Podemos assim distinguir dois pedidos distintos: a condenação na emissão de um ato administrativo omitido e a condenação na produção de ato administrativo de conteúdo favorável ao particular, para substituir o ato de conteúdo desfavorável anteriormente praticado. Como refere Crisanto Mandrioli “uma noção adequada de objeto do processo deve proceder a uma ligação do pedido e da causa de pedir, considerando-os como dois aspetos de direito substantivo invocado” (3). Aqui surge a necessidade de fazer uma referência ao pedido imediato, mediato e causa de pedir. O pedido imediato será aquele que se destina a obter a condenação da entidade competente à prática de um ato que tenha sido ilegalmente omitido ou recusado, sendo que por “ato devido” deve entender-se que será aquele ato que devia ter sido emitido mas não foi, ou que o deveria ter sido com um conteúdo que satisfizesse a pretensão do autor. Posição esta, que é defendida por Vieira de Andrade (4), e contraposta por Vasco Pereira da Silva por entender que não se deve dar prevalência ao pedido imediato relativamente ao mediato e à causa de pedir, pois tal prevalência “não é suscetível de abarcar a integralidade do objeto da ação de condenação à prática do ato devido, além de se encontrar em desconformidade com as soluções legais”. (5) Para este autor, o CPTA valoriza o pedido mediato sobre o imediato, adotando uma conceção ampla do objeto do processo, que nas palavras de Vieira de Andrade, “deve ser entendido em sentido amplo, abrangendo a generalidade dos casos em que a omissão ou recusa sejam contrários à ordem jurídica, excluindo apenas as situações em que a prática do ato pretendido corresponder a um mero dever de boa administração.” Como se lê no código anotado (6), são de excluir as pretensões que tenham a ver com a prática de “atos paritários”, ou seja, de meros atos de autoridade inseridos no contexto de relações essencialmente paritárias. Não se tratando de atos administrativos impugnáveis, não dever igualmente ser objeto de uma sentença de condenação nesta ação especial mas sim na ação administrativa comum. Estão em causa os casos de omissão ilegal, e os casos de atos de conteúdo negativo. Desta forma podemos afirmar que:
a)                            O objeto do processo não é o ato administrativo, mas sim o direito do particular a uma determinada conduta da administração. Nas palavras de Mário Aroso de Almeida (7) “o processo de condenação não é configurado como um processo impugnatório, no sentido em que, mesmo quando tenha havido lugar à prática de um ato de indeferimento, o objeto do processo não se define por referência a esse ato.” Destas palavras podemos afirmar que para este tipo de ação especial não é relevante a existência de uma ato prévio. Esta posição pode ser reforçada por recurso ao disposto no artigo 71.º/1 do CPTA, que prevê não só a “declaração de nulidade ou inexistência do eventual ato de indeferimento, mas pronunciando-se sobre a pretensão material do interessado”. O que releva é a pretensão do particular em obter um ato que não foi praticado no prazo legalmente previsto, ou mesmo quando foi praticado tem um conteúdo contrário à pretensão do particular. Assim, defende-se nesta ação a posição substantiva do particular;
b)                            O objeto do processo corresponde à pretensão do interessado, ou seja, ao seu direito subjetivo. O objeto do processo vai ser o direito subjetivo do particular no quadro da concreta relação jurídica administrativa. No artigo 66.º/2 do CPTA pode ler-se “pretensão”, o que, para Vasco Pereira da Silva, pode gerar inequívocos do ponto de vista substantivo, porque o que está em causa no processo administrativo é, como já foi referido, a concreta relação jurídica administrativa e não qualquer pretensão do particular. O direito de propor esta ação especial de condenação à prática do ato devido, só surgiu por uma omissão ou recusa da administração, que era legalmente devida por esta.
Depois de uma referência ao que será o objeto do processo, resta analisar a menção feita pelo artigo 66.º/3 do CPTA, ao prever uma “sanção pecuniária compulsória destinada a prevenir o incumprimento”. Se recorrermos ao disposto no artigo 3.º/2 do CPTA, verificamos que já está previsto um poder relevante atribuído aos tribunais administrativos, que lhes permite “fixar oficiosamente um prazo para o cumprimentos dos deveres que imponham à administração e aplicar, quando tal se justifique, sanção pecuniária compulsória”, podendo afirmar que o legislador terá sido demasiado rigoroso na formulação do artigo 66.º/3 do CPTA, repetindo o que já se encontrava regulado nas regras gerais.
Em suma, podemos concluir que o objeto do processo será o direito subjetivo do particular, resultante da relação material controvertida com a administração. É fundamental frisar a irrelevância que tem o ato, eventualmente, praticado pela administração que não satisfaça a pretensão do particular, porque esse ato não vai ser objeto de apreciação em primeira linha, sendo uma consequência lógica da condenação da administração à prática do ato devido. O tribunal vai para além do ato, devendo pronunciar-se sobre o litígio existente, julgando acerca da existência do direito do particular, e seu, consequente, alcance, determinando o conteúdo do comportamento da administração, legalmente devido. O que releva nesta ação especial de condenação à prática do ato devido, é o direito do particular à conduta legalmente devida. Mesmo quando haja uma atuação por parte da administração, mas com conteúdo desfavorável ao particular, o que continua a ser relevante é o direito do particular porque está em causa uma atuação errónea da administração, dado que praticou um ato com conteúdo diferente daquele que era legalmente devido.
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(1) Vasco Pereira da Silva, "O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise", 2º edição, pp. 377.
(2) Vasco Pereira da Silva, "O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise", 2º edição, pp. 382 e 383.
(3) Crisanto Mandrioli, "Riflessione in Tema di pepitum e di causa petendi", in "Rivista do Diritto Processuale", 1984, nº3, pp. 224 e 225.
(4) José Carlos Vieira de Andrade, "A Justiça Administrativa", 11º edição, 2011, pp. 200 a 202.
(5) Vasco Pereira da Silva, "O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise", 2º edição, pp. 383.
(6) Código Anotado, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, 2004, pp. 210 a 216.
(7) Mário Aroso de Almeida, "O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais", 2º edição, 2003, pp. 200 e 201.

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