A acção de condenação à prática de acto devido pela
Administração Pública permite ao particular que requereu a decisão
administrativa contestar em juízo pelo facto de não ter havido decisão no prazo
legalmente prescrito, por ter sido produzida decisão de indeferimento expresso
(enquanto acto negativo deve tramitar o pedido nesta acção especial, ex vi art.51º/4)
ou por ter sido recusada a apreciação do requerimento (não se confundindo com a
hipótese anterior, em que há recusa expressa do pedido do particular).
Este tipo de acção especial vem pôr termo à necessidade que
presidia à consagração do instituto do indeferimento tácito, que tinha como
objectivo primacial possibilitar a impugnação judicial de uma “não-actuação”
administrativa, ficcionando-se a tomada de posição pela Administração e
consequentemente ficcionando-se a existência de um acto, que seria depois
atacado para ser substituído por um outro, que não enfermasse de ilegalidades
ou violação de princípios norteadores da actuação administrativa.
Impõe-se nesta sede saber então o que pode o Tribunal
abranger com a sua decisão condenatória nesta recente modalidade de acção, que
vem ditar igualmente a suplantação do tradicional paradigma do contencioso de
mera anulação, consagrando agora o contencioso de plena jurisdição. O que
compreende a plena jurisdição e quais os seus limites, mormente no que concerne
ao art.71º do CPTA, são as matérias a versar.
Perante um acto negativo como seja o indeferimento ou a
recusa de apreciação, a fim do particular não será discutir em juízo esse acto
negativo mas sim fazer valer a sua pretensão nas múltiplas faces da sua
realização. Por ser um contencioso de plena jurisdição, o objecto do processo
não se reduz à anulação do acto negativo, tendo como complemento essencial a
pretensão dirigida à prática do acto devido. Impende sobre o particular o ónus
da prova dos elementos constitutivos da pretensão que alega, aos quais a
Administração pode opor factores impeditivos ou extintivos, como de resto
ocorre na tramitação do Processo Civil.
Há que distinguir conforme o acto devido pela Administração
seja vinculado ou discricionário. Principiando pelo primeiro caso, a doutrina
defende a instrumentalidade dos vícios de forma e de procedimento, bastando ao
particular invocar o fundamento que subjaz ao dever de decisão e de emissão do
acto vinculado, não lhe sendo exigido ou necessário até invocar os vícios.
Quando, por seu turno, o acto padecer apenas de vício formal (por exemplo, a falta
de fundamentação, legalmente imposta art.124ºCPA) e seja de conteúdo vinculado,
a jurisprudência tem vindo a considerar irrazoável condenar a Administração à
prática de um acto de conteúdo exactamente igual apenas para suprir essa
ilegalidade, por força de princípios de economia processual. Não deverão ser
invalidados actos negativos vinculados formal ou procedimentalmente inválidos
apenas para que sejam emanados outros com similar conteúdo, apelando ao
princípio do aproveitamento dos actos administrativos.
Diferentemente, quando exista margem de discricionariedade
para a Administração, é plausível e razoável que o particular formule o pedido
de condenação à prática do acto devido ainda que exclusivamente fundado em
ilegalidades formais e procedimentais, com o fim de obter a melhor decisão
administrativa possível. Uma vez que a discricionariedade é demarcada de modo
ténue da arbitrariedade com recurso às conformações legais relativas à forma
dos actos, às regras de procedimento e aos princípios basilares da actuação
administrativa, não faria sentido relegar estas limitações essenciais à
discricionariedade para o plano da instrumentalidade, nestes casos.
Em qualquer dos casos, a pronúncia do tribunal encontra
também limitações na sua extensão, que embora não sejam unanimemente entendidas
pela doutrina e jurisprudência por comportarem várias interpretações, estão
actualmente vertidas no art.71º do CPTA. Antes de mais há que recuperar a
querela histórica que impossibilitou durante largos anos a consagração de um
contencioso de plena jurisdição, e que se prende com o princípio da separação
de poderes. Não pode o tribunal imiscuir-se na tarefa de administrar, porque a
este apenas caberá julgar da conformidade da actuação dos poderes públicos com
as vinculações legais e de princípio a que se encontram adstritos.
Tradicionalmente foi defendida a tese segundo a qual ao poder jurisdicional só
era admitido o juízo negativo dos actos administrativos, e tudo quanto o
excedesse seria ofensivo à separação de poderes por ditar uma ingerência na
esfera discricionária da Administração.
Actualmente este paradigma encontra-se ultrapassado, e deu
lugar ao entendimento de que aos tribunais administrativos cabe apenas a
aplicação do direito (art.3º/1 do CPTA), todavia cabe igualmente ao tribunal
impor a aplicação plena e ampla das disposições normativas, inclusive
conformando a actuação administrativa ao indicar-lhe as vinculações a que se
encontra adstrita. O actual CPTA atribui à Administração o poder de definição
jurídica primária com a prática do acto administrativo, beneficiando de uma
reserva de princípio. O interessado que tenha direito à emissão do acto tem o
direito de o requerer junto da Administração, mas em regra não poderá exigir ao
tribunal que se substitua sem mais ao órgão administrativo competente para o
acto. O particular interessado pode solicitar ao tribunal a imposição à
Administração do dever de praticar o acto quando exista este dever e nos moldes
em que este for conformado pela lei, estando neste caso perante uma atribuição
do poder jurisdicional primacial, que é justamente fazer aplicar
(correctamente) o Direito. Não cabe aos tribunais administrativos julgar da
conveniência e do mérito da decisão administrativa, mas sim pronunciar-se sobre
a aplicação das normas jurídicas na sua plena extensão ao caso sub judice. Em
suma, não há lugar no actual contencioso administrativo que visa cumprir a tutela jurisdicional efectiva perante os
poderes públicos à aplicação das limitações tradicionais relativas à demarcação
rígida de poderes.
Uma vez que a Administração está sujeita, na sua actuação, a
variados graus de vinculação e discricionariedade é relevante apontar várias
situações que podem ter lugar e como devem os tribunais administrativos o que é
o acto devido in casu.
Primordialmente, há que dar como assente que é necessário
para que possa haver condenação nestes moldes que a recusa do acto ou da sua
prática tenham sido ilegais, por violação de imposição legal de agir. Haverá
condenação quando haja vinculação quanto à oportunidade da actuação (por
impender sobre a Administração o dever de agir), ou quando haja redução da
discricionariedade quanto à oportunidade da actuação (isto é, quando o tribunal
entenda que existe o dever de agir e o correspondente direito do interessado em
exigir essa actuação, sendo este apuramento determinado casuisticamente).
Seguidamente há que precisar que condenar à prática do acto devido não é
equivalente a condenar à prática de um acto com conteúdo determinado. É
possível condenar a Administração a emitir um acto discricionário, cuja definição
do conteúdo não cabe ao poder jurisdicional, desde que exista um efectivo dever
de agir. O art.71º/2 do CPTA determina que quando esteja em causa a
discricionariedade da Administração, ainda assim, e para alguma doutrina
(nomeadamente para Mário Aroso de Almeida) poderá ser possível ao tribunal
determinar o conteúdo do acto discricionário quando exista uma redução da
discricionariedade a zero, isto é, quando se conclua que há apenas uma solução
possível por força das circunstâncias do caso concreto. Existe doutrina que
discorda e entende que mesmo nestes casos apenas cabe ao tribunal
administrativo explicitar as vinculações legais que no caso concreto apenas
permitem uma decisão, sem precisar o sentido da decisão a tomar. A condenação
genérica da Administração só pode ter lugar em todo o caso quando o tribunal
não disponha dos elementos necessários à indicação das vinculações a que o
órgão administrativo se encontra adstrito e quais os limites ao exercício da
discricionariedade no caso concreto.
Quanto aos graus de discricionariedade/vinculatividade, é
assente que quando o conteúdo do acto seja vinculado, o tribunal condena à
prática do acto devido com determinado conteúdo. Quando haja redução da
discricionariedade a zero, a condenação opera nos mesmos moldes para Mário
Aroso de Almeida, como já referimos supra. Quando não seja possível condenar
num acto com conteúdo determinado, deve seguir-se o art.71º/2 parte final, que
inculca o dever do tribunal administrativo “enformar” a actuação administrativa
que o deve seguir, clarificando as vinculações aplicáveis ao exercício do poder
discricionário. Em último caso, terá lugar uma condenação genérica que imponha
a reapreciação administrativa da pretensão do interessado, decidindo novamente
sobre a matéria, sem que o tribunal determine sequer as vinculações aplicáveis.
Este caso de excepção só pode acontecer quando estejamos perante situações de
inércia ou omissão pela Administração dos elementos necessários à identificação
das adstrições aplicáveis ou quando a Administração tenha alegado
infundadamente a existência de questões prévias para se furtar a apreciar a
pretensão, apenas cabendo ao tribunal neste caso decidir que tais questões
prévias não se colocam e consequentemente condenar a Administração a pronunciar-se
sobre o mérito.
Há doutrina que equaciona o diferimento tácito como via
alternativa a esta acção administrativa especial, rejeitando em última análise
esta solução. Embora à primeira vista se afigurasse como preferível, porque
estaria superada a falta de acto que pode presidir à fundamentação da acção de
condenação à prática de acto devido, coagindo implicitamente a Administração a
uma decisão expressa em tempo útil sob pena de a pretensão ser deferida, pode
revelar-se pernicioso. Senão vejamos. Ao operar o diferimento tácito,
constitui-se na esfera do particular os efeitos típicos do diferimento
expresso, permite ao interessado iniciar a actuação dentro da permissão
administrativa que não existiu realmente assim que o prazo legar para decidir
fosse verificado, o que pode comportar efeitos nefastos mormente em matérias
ambientais, em que há uma tendencial irreversibilidade dos efeitos humanamente
produzidos. Independentemente disto, produzir-se-iam efeitos constitutivos
inderrogáveis e condicionadores da actuação administrativa subsequente
relativamente às situações constituídas por esses actos administrativos (caso
decidido). Não obstante esta solução seja mais fácil de aceitar em caso de
actos vinculados, em presença de actos discricionários esta orientação não faz
sentido porquanto nestes casos o acto silente não permitiria pela sua natureza
não intencional a ponderação dos interesses em presença que deve presidir à
decisão nestes casos. A exigência de acto expresso e escrito consubstancia
assim uma garantia para o particular e para a administração. Esta é a posição
defendida por Maria Francisca Portocarrero[i]
[i] in Boletim da Faculdade de Direito de
Coimbra, 2008. - p. 443-516; (Studia Iuridica . 92. Ad Honorem ; 3). Também em Separata de: ARS IUDICANDI: estudos em
homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves, Vol. 3, 2008
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