Quem são os
contra-interessados:
A expressão
contra-interessados é utilizada pelos artigos 36/1,b e 40/1,b da lei de
processo dos tribunais administrativos e considera que são aqueles “a quem o
provimento do recurso possa directamente prejudicar”e que não se incluem nem no
autor nem na entidade demandada.
O processo
civil tem uma lógica bilateral ao contrário do contencioso administrativo. O
professor Sérvulo Correia chama-lhe
“ esquema ternário imperfeito”.
França, não
atribuiu a qualidade de parte no processo aos contra-interessados ao contrário
de Portugal em que estes terceiros são titulares de direitos subjectivos e se
lhes concede garantia da tutela jurisdicional efectiva art.20.º e art.268/4
CRP.
Autores
consideram que deve ir-se mais longe e conceder uma posição de paridade do
terceiro para com o autor, tal como no processo civil ao abrigo do princípio da
igualdade e do princípio da tutela jurisdicional efectiva que exige mais do que
a existência de um meio de intervenção no processo, exigindo uma “paridade
simétrica” como refere o professor Diogo
Freitas do Amaral e Mário de Almeida.
A indicação
dos contra-interessados cabe ao recorrente, aquando da formulação da petição de
recurso contencioso, sob pena de ilegitimidade passiva, sancionada com a rejeição
do respectivo recurso contencioso. O ónus do recorrente impõe-lhe que
identifique e mande citar os contra interessados na petição, que se traduz numa
intervenção processual de terceiros.
A identificação
destes terceiros nem sempre é fácil, tendo em conta que as decisões
administrativas podem afectar uma multiplicidade de pessoas para além dos seus
directos e imediatos destinatários, não sendo todos passíveis de serem
identificados. Deste modo é necessário recorrer a critérios determinativos.
Fundamento da tutela processual dos
contra-interessados:
No direito
alemão e italiano o contra-interessado é visto como uma parte secundária, isto
é, a sua presença não é condição da procedência da acção. Ao invés, a lei
portuguesa impõe ao recorrente a indicação de todos os contra-interessados, na
petição de recurso, sob pena de ilegitimidade passiva. Pode afirmar-se que
estamos perante um litisconsórcio necessário passivo quer entre a autoridade
recorrida e os contra-interessados quer entre todos os
contra-interessados.
Uma das
soluções é entender os contra-interessados como substitutos processuais da
administração ou auxiliar e a intervenção funcionaria como um instrumento que
viria reforçar o pedido de manutenção do acto recorrido. Esta solução foi
defendida por Daniele Corletto,
todavia criticada pelo professor Paulo
Otero. Este autor nega esta solução, referindo que a intervenção dos
contra-interessados não provoca uma substituição processual, tendo em conta que
a autoridade recorrida não abandona o processo. Deve ainda ser rejeitada pelo
facto de a intervenção processual do contra interessado não ter como fim
coadjuvar a administração na defesa da manutenção do acto mas sim a defesa dos
seus próprios interesses.
O professor Vieira de Andrade considera que os
contra-interessados são legalmente concebidos como partes. Assim o art.10.º
CPTA pressupõe que os contra-interessados formem um litisconsórcio necessário
passivo com a entidade demandada (posição de igualdade) art.20/4CRP e art.
6.ºCPTA.
Apesar de
não ter como principal efeito a defesa do interesse público mas sim a de
interesses próprios, a manutenção do acto recorrido pode ser um efeito reflexo
da intervenção do terceiro interessado. Determina-se deste modo uma função
subjectiva da intervenção do contra-interessado (intervenção justificada
pela titularidade de interesses susceptíveis de
serem violados e direito fundamental de acesso à justiça art.20.º CRP). Os contra-interessados,
através da intervenção processual, defendem a posição jurídica material
resultante do acto recorrido.
No exercício
de funções, a administração está limitada pela ponderação dos direitos dos
particulares com o interesse público art. 266.ºCRP. Os particulares necessitam
de ter meios contenciosos ao dispor, para defesa e garantia dos seus direitos
quando sejam lesados art. 268.º/4CRP. Estamos perante o princípio da tutela
jurisdicional efectiva dos administrados que fundamenta a intervenção dos
contra-interessados no recurso. Os contra-interessados são chamados a intervir
no processo pelo facto de a procedência do recurso ser susceptível de lesar a
sua posição jurídica subjectiva.
De acordo
com um Estado de direito, os terceiros têm de ver a sua participação no processo
assegurada. Para além do princípio da tutela jurisdicional efectiva dos
direitos e interesses legalmente protegidos, o princípio do contraditório e da
igualdade das partes fundamentam igualmente a intervenção destes terceiros.
As decisões
resultantes da procedência do recurso não são oponíveis aos contra-interessados
que não foram chamados a intervir no processo, tendo em conta que não se
incluem no âmbito de eficácia subjectiva do caso julgado, caso contrário estes terceiros
poderiam invocar inconstitucionalidade por violação de direitos fundamentais
(direito à justiça e tutela jurisdicional efectiva). Apenas é exigível a
possibilidade de intervenção do contra-interessado no processo, não sendo
necessária uma efectiva intervenção. Como refere o professor Paulo Otero “ a possibilidade de
intervenção dos contra-interessados funciona como instrumento de extensão da
eficácia subjectiva do caso julgado”. Estamos perante uma imposição de um
litisconsórcio necessário passivo.
A unidade do
sistema jurídico e a necessidade de obter um exercício eficaz da função
implicam que haja um chamamento dos contra-interessados. Estamos perante uma
função de natureza objectivista que justifica a intervenção destes terceiros.
A falta de chamamento implicaria que a decisão não obtivesse efeitos plenos
tendo em conta que estes terceiros não tiveram a oportunidade de intervir no
processo para defenderem os seus direitos.
Importa
saber o que se pretende tutelar, se a posição jurídica subjectiva material do
contra interessado ou a eficácia subjectiva do caso julgado e efeito útil da decisão.
Através do art. 20.ºCRP e 36/1,b lei PTA conclui-se que a exigência de um
litisconsórcio necessário visa assegurar aspectos de natureza objectivista,
isto é, acautelar o efeito útil da decisão garantindo os valores da unidade do
sistema jurídico, que permite a resolução definitiva da questão.
Em suma,
conclui-se que o fundamento da tutela processual dos contra interessados tem natureza
mista: uma função essencialmente subjectivista que garante o direito de acesso
à justiça e ao mesmo tempo objectivista que permite uma máxima amplitude da
eficácia subjectiva do caso julgado.
Critério geral de determinação dos
contra interessados
Segundo o
professor Paulo Otero o critério
legal determinativo dos contra-interessados centra-se em duas ideias.
I) A
existência de interesse de terceiros que podem ser prejudicados.
ii) Que
esses terceiros sejam prejudicados por efeito directo da anulação do acto
recorrido.
Apenas na
execução da sentença é possível determinar se há terceiros que sejam
directamente afectados com a procedência do recurso. O ónus de o recorrente
indicar terceiros interessados implica que se efectue um juízo de prognose: o recorrente
terá que ficcionar que o recurso procederá e aferir quem serão as pessoas que
podem vir a ser prejudicadas com tal decisão (este é o primeiro juízo de
prognose para a determinação dos contra interessados). Parte-se do conteúdo do
acto recorrido e averiguam-se as violações de posições jurídicas subjectivas de
terceiros que podem ocorrer com a anulação do acto.
A autoridade
recorrida, o MP e o juiz têm também
de aferir se existem outros interessados, de acordo com os dados fornecidos na
petição e com o juízo de prognose sobre os efeitos da anulação do acto (segundo
juízo de prognose). Partindo do conteúdo da petição de recurso procura-se
determinar se existem terceiros que possam ser afectados com o provimento do
mesmo.
O Doutor Francisco Paes Marques aponta a
determinação dos contra-interessados separando as acções de impugnação de actos
administrativos das acções de condenação da administração à prática do acto
devido art.57.º e art.68.º CPTA, respectivamente.
Acções de impugnação de actos
administrativos
A doutrina
apontou alguns critérios com o intuito de auxiliar o interprete na determinação
dos contra interessados.
- Critério do acto impugnado
- Critério da posição substantiva do terceiro
- Critério dos efeitos da sentença.
a. O acto administrativo recorrido,
atribui uma vantagem ao terceiro. Segundo este entendimento possuem direito de
intervenção no processo todos os que tenham interesse na manutenção do acto.
Orientação que predomina em Itália. É criticável pelo facto de desconsiderar os
casos em que não há acto administrativo mas sim uma omissão por parte da
administração pública.
b. Critério defendido por Alexandra leitão em que é contra-interessado
quem tem o interesse pessoal e directo de modo semelhante ao autor.
c. Os contra-interessados são determinados
mediante uma prognose de quem serão os afectados com a sentença de anulação.
Posição dominante na Alemanha e defendida pelo Doutor Paes Marques. É necessário efectuar um juízo antecipatório dos
efeitos de modo a possibilitar a intervenção dos terceiros possivelmente
afectados, tendo em conta que a lesão apenas ocorre com a execução da sentença.
Contrariamente Alexandra leitão (porque
o objectivo do terceiro é a manutenção do primeiro acto).
O CPTA adopta um critério misto: os contra interessados
são aqueles “a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente
prejudicar”.Estamos perante uma consagração da teoria dos efeitos da sentença.
Os contra-interessados são os “ que tenham legítimo interesse na manutenção do
acto impugnado”-teoria do critério do acto impugnado. E ainda os “que possam
ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos
contínuos no processo administrativo” - teoria da posição substantiva do
sujeito.
Deveras questionável é a interpretação que deve
fazer-se do conceito de relação material.
Uma das
possibilidades é considerar que abarca todas as posições activas e passivas que
possam ser enquadrados no conceito de contra-interessado (1) ou em termos restritos tendo em conta as consequências graves
que advenham da falta de indicação art. 89-º/1,f CPTA (relação material ser a
resultante do procedimento) (2) ou
ainda a resultante da petição do autor (3).
1) - Insuficiência funcional
2) - Inconstitucionalidade por violação do
princípio da tutela jurisdicional efectiva art.20/1 e 268/4CRP. A última parte
do art. 57.º não tem como função excluir possíveis interessados, mas sim
materializar o conceito de contra-interessado, pelo que preenchendo os dois
primeiros requisitos /critérios considera-se um contra-interessado.
O Doutor Paes Marques defende que apenas
deveriam ser considerados contra-interessados os terceiros que preencham os
seguintes requisitos:
- O titular de um direito subjectivo atribuído directamente pela ordem jurídica (verificar se possui direito subjectivo ou designado interesse legalmente protegido). Não se pode incluir o mero interesse de facto embora ocasionalmente possa obter uma vantagem com a manutenção da primeira decisão, isto porque os seus interesses não foram tidos em conta pela ordem jurídica e não está habilitado a defende-lo. Os detentores de meros interesses de facto podem estar numa posição secundária relativamente à questão principal, não sendo possível inclui-los naqueles “a quem o provimento do processo possa directamente prejudicar”
- Aquele que tenha um interesse em colisão com o autor, impossível de conciliar ambos.
- Os casos em que a frustração ou satisfação, do direito do terceiro, decorresse de forma directa e imediata dos efeitos da sentença.
O art. 57.ºCPTA
pretendeu apenas englobar todos os titulares de direitos subjectivos
contrapostos ao demandante.
Duvidosa é a
possibilidade de o juiz corrigir as peças processuais art.88/1 CPTA para
identificar contra-interessados não indicados pelo autor na petição inicial,
tendo em conta que pode provocar um excessivo alargamento do universo dos
terceiros que têm de figurar como partes necessárias ficando assim enfraquecida
a protecção do autor.
O art. 10/1
CPTA parece exigir um litisconsórcio necessário passivo com a administração e
ao mesmo tempo incluir na categoria, sujeitos com interesses secundários.
Admitindo-se que é imprescindível a presença de todos os contra-interessados
para que a sentença possa produzir os seus efeitos normais, o risco da
ineficácia das pronúncias aumentarão devido ao aumento do universo de contra-interessados,
alguns podem até não vir a ser identificados.
Acções de condenação à prática do
acto administrativo legalmente devido
Na Alemanha
não é admissível, em todos os casos a presença dos contra-interessados
distinguindo-se os casos em que o acto requerido vai afectar de forma imediata
o terceiro e aqueles em que não vai. Para estes últimos a forma adequada de
reagir será a impugnação da licença que a administração venha a admitir.
Em Itália o
critério utilizado é o do acto administrativo, pelo que não havendo acto não há
contra-interessados, nem lesão causada pela anulação. A solução é problemática porque
a posterior impugnação do acto que executa a sentença acarreta o risco de
passar a haver duas sentenças contraditórias sobre a mesma relação.
Diferentemente, em Portugal (art. 68/1,a e art.71/1) não relevará saber se a
administração praticou ou não um acto expresso, art. 66/2. Decisiva é a
pretensão do autor.
Após o
exposto podemos concluir que a determinação dos contra-interessados não é uma
tarefa fácil, antes pelo contrário. Para além dos diferentes critérios
determinativos apontados pela doutrina temos ainda a visão jurisprudencial.
Deste modo, a determinação destes terceiros deve ocorrer casuisticamente, isto
é, em cada situação em concreto apurar quem são estes terceiros lesados com a
anulação da primeira decisão tomada pela administração pública.
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