sábado, 14 de abril de 2012

Os Contra-Interessados


Quem são os contra-interessados:
A expressão contra-interessados é utilizada pelos artigos 36/1,b e 40/1,b da lei de processo dos tribunais administrativos e considera que são aqueles “a quem o provimento do recurso possa directamente prejudicar”e que não se incluem nem no autor nem na entidade demandada.
O processo civil tem uma lógica bilateral ao contrário do contencioso administrativo. O professor Sérvulo Correia chama-lhe “ esquema ternário imperfeito”.
França, não atribuiu a qualidade de parte no processo aos contra-interessados ao contrário de Portugal em que estes terceiros são titulares de direitos subjectivos e se lhes concede garantia da tutela jurisdicional efectiva art.20.º e art.268/4 CRP.
Autores consideram que deve ir-se mais longe e conceder uma posição de paridade do terceiro para com o autor, tal como no processo civil ao abrigo do princípio da igualdade e do princípio da tutela jurisdicional efectiva que exige mais do que a existência de um meio de intervenção no processo, exigindo uma “paridade simétrica” como refere o professor Diogo Freitas do Amaral e Mário de Almeida.
A indicação dos contra-interessados cabe ao recorrente, aquando da formulação da petição de recurso contencioso, sob pena de ilegitimidade passiva, sancionada com a rejeição do respectivo recurso contencioso. O ónus do recorrente impõe-lhe que identifique e mande citar os contra interessados na petição, que se traduz numa intervenção processual de terceiros.
A identificação destes terceiros nem sempre é fácil, tendo em conta que as decisões administrativas podem afectar uma multiplicidade de pessoas para além dos seus directos e imediatos destinatários, não sendo todos passíveis de serem identificados. Deste modo é necessário recorrer a critérios determinativos.

Fundamento da tutela processual dos contra-interessados:

No direito alemão e italiano o contra-interessado é visto como uma parte secundária, isto é, a sua presença não é condição da procedência da acção. Ao invés, a lei portuguesa impõe ao recorrente a indicação de todos os contra-interessados, na petição de recurso, sob pena de ilegitimidade passiva. Pode afirmar-se que estamos perante um litisconsórcio necessário passivo quer entre a autoridade recorrida e os contra-interessados quer entre todos os contra-interessados. 

Uma das soluções é entender os contra-interessados como substitutos processuais da administração ou auxiliar e a intervenção funcionaria como um instrumento que viria reforçar o pedido de manutenção do acto recorrido. Esta solução foi defendida por Daniele Corletto, todavia criticada pelo professor Paulo Otero. Este autor nega esta solução, referindo que a intervenção dos contra-interessados não provoca uma substituição processual, tendo em conta que a autoridade recorrida não abandona o processo. Deve ainda ser rejeitada pelo facto de a intervenção processual do contra interessado não ter como fim coadjuvar a administração na defesa da manutenção do acto mas sim a defesa dos seus próprios interesses.

O professor Vieira de Andrade considera que os contra-interessados são legalmente concebidos como partes. Assim o art.10.º CPTA pressupõe que os contra-interessados formem um litisconsórcio necessário passivo com a entidade demandada (posição de igualdade) art.20/4CRP e art. 6.ºCPTA.

Apesar de não ter como principal efeito a defesa do interesse público mas sim a de interesses próprios, a manutenção do acto recorrido pode ser um efeito reflexo da intervenção do terceiro interessado. Determina-se deste modo uma função subjectiva da intervenção do contra-interessado (intervenção justificada pela titularidade de interesses susceptíveis de serem violados e direito fundamental de acesso à justiça art.20.º CRP). Os contra-interessados, através da intervenção processual, defendem a posição jurídica material resultante do acto recorrido.

No exercício de funções, a administração está limitada pela ponderação dos direitos dos particulares com o interesse público art. 266.ºCRP. Os particulares necessitam de ter meios contenciosos ao dispor, para defesa e garantia dos seus direitos quando sejam lesados art. 268.º/4CRP. Estamos perante o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos administrados que fundamenta a intervenção dos contra-interessados no recurso. Os contra-interessados são chamados a intervir no processo pelo facto de a procedência do recurso ser susceptível de lesar a sua posição jurídica subjectiva.

De acordo com um Estado de direito, os terceiros têm de ver a sua participação no processo assegurada. Para além do princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos, o princípio do contraditório e da igualdade das partes fundamentam igualmente a intervenção destes terceiros.
As decisões resultantes da procedência do recurso não são oponíveis aos contra-interessados que não foram chamados a intervir no processo, tendo em conta que não se incluem no âmbito de eficácia subjectiva do caso julgado, caso contrário estes terceiros poderiam invocar inconstitucionalidade por violação de direitos fundamentais (direito à justiça e tutela jurisdicional efectiva). Apenas é exigível a possibilidade de intervenção do contra-interessado no processo, não sendo necessária uma efectiva intervenção. Como refere o professor Paulo Otero “ a possibilidade de intervenção dos contra-interessados funciona como instrumento de extensão da eficácia subjectiva do caso julgado”. Estamos perante uma imposição de um litisconsórcio necessário passivo.

A unidade do sistema jurídico e a necessidade de obter um exercício eficaz da função implicam que haja um chamamento dos contra-interessados. Estamos perante uma função de natureza objectivista que justifica a intervenção destes terceiros. A falta de chamamento implicaria que a decisão não obtivesse efeitos plenos tendo em conta que estes terceiros não tiveram a oportunidade de intervir no processo para defenderem os seus direitos.

Importa saber o que se pretende tutelar, se a posição jurídica subjectiva material do contra interessado ou a eficácia subjectiva do caso julgado e efeito útil da decisão. Através do art. 20.ºCRP e 36/1,b lei PTA conclui-se que a exigência de um litisconsórcio necessário visa assegurar aspectos de natureza objectivista, isto é, acautelar o efeito útil da decisão garantindo os valores da unidade do sistema jurídico, que permite a resolução definitiva da questão.

Em suma, conclui-se que o fundamento da tutela processual dos contra interessados tem natureza mista: uma função essencialmente subjectivista que garante o direito de acesso à justiça e ao mesmo tempo objectivista que permite uma máxima amplitude da eficácia subjectiva do caso julgado.

Critério geral de determinação dos contra interessados
Segundo o professor Paulo Otero o critério legal determinativo dos contra-interessados centra-se em duas ideias.
I) A existência de interesse de terceiros que podem ser prejudicados.
ii) Que esses terceiros sejam prejudicados por efeito directo da anulação do acto recorrido.
Apenas na execução da sentença é possível determinar se há terceiros que sejam directamente afectados com a procedência do recurso. O ónus de o recorrente indicar terceiros interessados implica que se efectue um juízo de prognose: o recorrente terá que ficcionar que o recurso procederá e aferir quem serão as pessoas que podem vir a ser prejudicadas com tal decisão (este é o primeiro juízo de prognose para a determinação dos contra interessados). Parte-se do conteúdo do acto recorrido e averiguam-se as violações de posições jurídicas subjectivas de terceiros que podem ocorrer com a anulação do acto.
A autoridade recorrida, o MP e o juiz têm também de aferir se existem outros interessados, de acordo com os dados fornecidos na petição e com o juízo de prognose sobre os efeitos da anulação do acto (segundo juízo de prognose). Partindo do conteúdo da petição de recurso procura-se determinar se existem terceiros que possam ser afectados com o provimento do mesmo.

O Doutor Francisco Paes Marques aponta a determinação dos contra-interessados separando as acções de impugnação de actos administrativos das acções de condenação da administração à prática do acto devido art.57.º e art.68.º CPTA, respectivamente.
Acções de impugnação de actos administrativos
A doutrina apontou alguns critérios com o intuito de auxiliar o interprete na determinação dos contra interessados.
  1. Critério do acto impugnado
  2. Critério da posição substantiva do terceiro
  3. Critério dos efeitos da sentença.
a.      O acto administrativo recorrido, atribui uma vantagem ao terceiro. Segundo este entendimento possuem direito de intervenção no processo todos os que tenham interesse na manutenção do acto. Orientação que predomina em Itália. É criticável pelo facto de desconsiderar os casos em que não há acto administrativo mas sim uma omissão por parte da administração pública.

b.      Critério defendido por Alexandra leitão em que é contra-interessado quem tem o interesse pessoal e directo de modo semelhante ao autor.

c.       Os contra-interessados são determinados mediante uma prognose de quem serão os afectados com a sentença de anulação. Posição dominante na Alemanha e defendida pelo Doutor Paes Marques. É necessário efectuar um juízo antecipatório dos efeitos de modo a possibilitar a intervenção dos terceiros possivelmente afectados, tendo em conta que a lesão apenas ocorre com a execução da sentença. Contrariamente Alexandra leitão (porque o objectivo do terceiro é a manutenção do primeiro acto).
O CPTA adopta um critério misto: os contra interessados são aqueles “a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar”.Estamos perante uma consagração da teoria dos efeitos da sentença. Os contra-interessados são os “ que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado”-teoria do critério do acto impugnado. E ainda os “que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contínuos no processo administrativo” - teoria da posição substantiva do sujeito.

 Deveras questionável é a interpretação que deve fazer-se do conceito de relação material.
Uma das possibilidades é considerar que abarca todas as posições activas e passivas que possam ser enquadrados no conceito de contra-interessado (1) ou em termos restritos tendo em conta as consequências graves que advenham da falta de indicação art. 89-º/1,f CPTA (relação material ser a resultante do procedimento) (2) ou ainda a resultante da petição do autor (3).
1) - Insuficiência funcional
2) - Inconstitucionalidade por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva art.20/1 e 268/4CRP. A última parte do art. 57.º não tem como função excluir possíveis interessados, mas sim materializar o conceito de contra-interessado, pelo que preenchendo os dois primeiros requisitos /critérios considera-se um contra-interessado.
O Doutor Paes Marques defende que apenas deveriam ser considerados contra-interessados os terceiros que preencham os seguintes requisitos:

  1. O titular de um direito subjectivo atribuído directamente pela ordem jurídica (verificar se possui direito subjectivo ou designado interesse legalmente protegido). Não se pode incluir o mero interesse de facto embora ocasionalmente possa obter uma vantagem com a manutenção da primeira decisão, isto porque os seus interesses não foram tidos em conta pela ordem jurídica e não está habilitado a defende-lo. Os detentores de meros interesses de facto podem estar numa posição secundária relativamente à questão principal, não sendo possível inclui-los naqueles “a quem o provimento do processo possa directamente prejudicar”
  2. Aquele que tenha um interesse em colisão com o autor, impossível de conciliar ambos.
  3. Os casos em que a frustração ou satisfação, do direito do terceiro, decorresse de forma directa e imediata dos efeitos da sentença.

O art. 57.ºCPTA pretendeu apenas englobar todos os titulares de direitos subjectivos contrapostos ao demandante.

Duvidosa é a possibilidade de o juiz corrigir as peças processuais art.88/1 CPTA para identificar contra-interessados não indicados pelo autor na petição inicial, tendo em conta que pode provocar um excessivo alargamento do universo dos terceiros que têm de figurar como partes necessárias ficando assim enfraquecida a protecção do autor.

O art. 10/1 CPTA parece exigir um litisconsórcio necessário passivo com a administração e ao mesmo tempo incluir na categoria, sujeitos com interesses secundários. Admitindo-se que é imprescindível a presença de todos os contra-interessados para que a sentença possa produzir os seus efeitos normais, o risco da ineficácia das pronúncias aumentarão devido ao aumento do universo de contra-interessados, alguns podem até não vir a ser identificados.

Acções de condenação à prática do acto administrativo legalmente devido
Na Alemanha não é admissível, em todos os casos a presença dos contra-interessados distinguindo-se os casos em que o acto requerido vai afectar de forma imediata o terceiro e aqueles em que não vai. Para estes últimos a forma adequada de reagir será a impugnação da licença que a administração venha a admitir.
Em Itália o critério utilizado é o do acto administrativo, pelo que não havendo acto não há contra-interessados, nem lesão causada pela anulação. A solução é problemática porque a posterior impugnação do acto que executa a sentença acarreta o risco de passar a haver duas sentenças contraditórias sobre a mesma relação. Diferentemente, em Portugal (art. 68/1,a e art.71/1) não relevará saber se a administração praticou ou não um acto expresso, art. 66/2. Decisiva é a pretensão do autor. 

Após o exposto podemos concluir que a determinação dos contra-interessados não é uma tarefa fácil, antes pelo contrário. Para além dos diferentes critérios determinativos apontados pela doutrina temos ainda a visão jurisprudencial. Deste modo, a determinação destes terceiros deve ocorrer casuisticamente, isto é, em cada situação em concreto apurar quem são estes terceiros lesados com a anulação da primeira decisão tomada pela administração pública. 

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