terça-feira, 24 de abril de 2012

Intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias


A psicose da urgência[1]

A previsão no CPTA dos processos urgentes surge para dar resposta à cultura da urgência. Mas surge a significar mais do que isso, surge com o objectivo de obviar ao tempo perdido e a fortalecer a relação entre o tempo, o juiz, a Administração e os particulares. “ Tudo indica que o conceito de urgência de transformou na chave do novo contencioso de urgência previsto no CPTA.”[2]

No Título IV estão sistematizados os processos rápidos rotulados como urgentes, que têm um âmbito material de aplicação previamente delimitado pelo legislador, que desembocam em pronúncias judiciais definitivas e que decidem, portanto, o mérito da causa[3].

O CPTA integra um conceito multiforme de urgência e distingue bem os conceitos de celeridade, urgência (stricto sensu) e periculum in mora[4].

Estruturalmente o Título IV do CPTA consagra 2 géneros de processos urgentes autónomos: as impugnações urgentes e as intimações urgentes. Sendo que, apenas analisarei o segundo e dentro deste apenas a intimação para a protecção dos direitos, liberdades e garantias[5], prevista nos artigos 109.º e seguintes.

Qual o âmbito de aplicação deste preceito? Que direitos e garantias são através de si protegidos? Somente os DLG[6] pessoais ou também os de participação política; unicamente os previstos no catálogo ou também os outros de natureza análoga, consagrados fora dele e somente os clássicos direitos fundamentais ou também os novos ditos de 3ª geração? Como é que preenchemos o conteúdo legítimo da intimação e os poderes de controlo do juiz relativamente à tramitação processual, e como apuramos os pressupostos de admissibilidade ou realizamos a prova?

Começando pelos pressupostos de admissibilidade, uma leitura atenta do artigo deixa clara a natureza subsidiária[7] da intimação. A intimação urgente “pode ser requerida quando a célebre emissão de uma decisão de mérito (…) se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º.”[8] 

A intimação urgente só será legítima se a decisão cautelar (intimação urgentíssima provisória) se revelar insuficiente ou impossível para assegurar uma efectiva tutela dos particulares.

Este processo, que finaliza com uma decisão de fundo tem uma tramitação simplificada, em certos casos muito ligeira e sumária. No que respeita à produção de prova e à sua valoração, não se encontram elementos caracterizadores distintivos de sumariedade nas normas que prevêem este processo e os processos cautelares, sendo que nestes últimos, de alguma forma, as decisões provisórias justificam a superficialidade.

Quando é que podemos lançar mão do processo urgente para defesa dos DLG? A intimação urgente definitiva tem preferência sobre os processos comuns na medida em que mostre possuir a qualidade de que é absolutamente necessária, ou seja, quando esse meio se revele adequado ou próprio para resolver definitivamente a questão existente face a um outro que impede a protecção em tempo útil. Ela tem, ainda, preferência sobre a tutela urgentíssima provisória (artigo 131.º CPTA) quando este último se revelar impossível ou insuficiente.

No entanto a dúvida persiste quanto ao âmbito da subsidiariedade estabelecida na lei. Será que ela existe perante a avaliação da possibilidade da medida cautelar urgentíssima ou existe em relação à aferição da impossibilidade de toda a medida cautelar que tenha natureza provisória, quer seja ou não emitida num momento antecipado do processo cautelar?[9]

“Para compreender o conceito de subsidiariedade o que conta é a capacidade ou a incapacidade da medida cautelar para regular definitivamente uma situação e não a urgência.”[10]

De acordo com a letra da lei, subjacente à necessidade da intimação urgente definitiva existe uma situação de urgência, mas para a qual não servem as vias processuais comuns, porque são lentas de mais, nem presta a medida cautelar urgentíssima - esta não serve porque se caracteriza pela provisoriedade e deve ser preterida perante o processo urgente que julgue definitivamente o mérito da causa.

Esta resposta proclama uma nova solução: Como sabemos que casos reclamam uma tutela definitiva e quais os que reclamam uma tutela provisória? Que é o mesmo que responder à pergunta sobre quais os casos em que a intimação cautelar se revela insuficiente ou impossível.

Segundo Isabel Fonseca a resposta convoca a técnica da antecipação cautelar. Para perceber melhor esta temática servir-me-ei de alguns exemplos.

Hipóteses do Tipo X

Um estrangeiro dirige-se aos tribunais administrativos para impugnar e requerer a suspensão da decisão de expulsão proferida pelo director-geral dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras. O individuo encontra-se ilegal uma vez que o seu pedido de asilo ainda não obteve resposta. Foi-lhe determinado um prazo para abandonar o país e ele solicita que sejam adoptadas medidas a obstar à sua expulsão enquanto o juiz se não pronunciar pela validade daquela decisão.

Desta vez, imaginemos um estudante a quem foi negada a candidatura ao ensino superior porque o mesmo não realizou um exame necessário ao seu ingresso (em virtude de informações várias e contraditórias por parte dos serviços competente). O aluno vem impugnar a recusa e pedir que aceitem provisoriamente a sua inscrição e a realização da prova em falta antes do juiz se pronunciar pela validade da rejeição.

Hipóteses do Tipo Y

A associação para a defesa dos animais decide promover a realização de uma manifestação no Campo Pequeno. No cumprimento do dever de aviso prévio a entidade competente proíbe em absoluto a realização da manifestação por razões de segurança. A associação pretende ver anulada tal decisão e solicita que as entidades competentes não obstem à realização da manifestação.

Do outro lado, os adeptos do Sporting, tendo em vista os festejos pela vitória no campeonato decidem organizar um festival com actuações de bandas de estilo variado. Tal evento, autorizado pelas entidades competentes realizar-se-ia num prazo de 15 dias, durante 2 noites numa praça pública junto à Escola e ao Centro de Saúde. Os Benfiquistas, muito revoltados, julgam a manifestação ilegal, impugnam a decisão e pedem ao juiz que tome as medidas necessárias a impedir tal espectáculo leonino.

O que dizer destes exemplos? Facilmente percebemos que a tutela efectiva ficaria prejudicada se usassemos para as hipóteses de Tipo y uma intimação para tutela provisória uma vez que que ela seria impossivel ou insuficiente para solucionar a questão sob o ponto de vista técnico-jurídico. A forma como o factor tempo[11] interfere com o direito que é objecto do processo e de como este só se realiza se a decisão do juiz for imediata são condições que obrigam à emissão de uma decisão que não pode ser provisória, porquanto qualquer que seja a decisão formal que o juiz emita, ao pronunciar-se sobre o pedido cautelar, ele decide sobre o objecto do processo principal, já que nesses casos, o objecto mediato dos processos se identifica com referência à situação substancial a acautelar – esvaziando o conteúdo da decisão principal sem que tenha legitimidade para o fazer[12].

Para uma melhor compreensão, nas hipóteses Y só uma decisão de mérito pode constituir remédio jurisdicional: Para que os Benfiquistas conseguissem uma tutela jurisdicional efectiva o juiz cautelar teria de impedir a realização do espectáculo leonino caso contrário de pouco servirá uma sentença que lhes venha a dar razão horas, dias, meses mais tarde.

No caso do aluno que vê rejeitada a inscrição no ensino superior trata-se de uma situação que pode ser provisoriamente regulada. No entanto esta situação pode ser perfeitamente discutível. Claro está, que uma decisão de mérito que posteriormente declare válida a rejeição, acabaria por invalidar tudo o que teria sido feito até aí. Daí que a maioria da doutrina confesse ser desejável, nestas situações, uma decisão de fundo uma vez que a decisão cautelar favorável dá origem a vantagens significativas de direito e proveitos de facto, cuja reversibilidade, na hipótese de o processo principal vir a ter insucesso, será de difícil aceitação para o requerente, entretanto favorecido.

Há situações claras de urgência que são propícias a exigir decisões de fundo. De forma generalista, podemos dizer que a situação de urgência pode manifestar-se pela sua configuração em função do tempo: situações sujeitas a um período de tempo curto, ou que digam respeito a direitos que devem ser exercitados num prazo ou em datas fixas – actos ou comportamentos que devem ser realizados numa data fixa própria ou num período de tempo determinado, como exames escolares ou uma frequência do ano lectivo, também situações de caracter pessoal ou familiar em que esteja em causa a sobrevivência pessoal de alguém.

Em suma, os processos para intimação, de intimação urgente definitiva, permitem ao juiz, no domínio dos DLG, decidir legitimamente a questão de fundo de modo definitivo, nos casos em que as situações concretas de urgência verdadeiramente o mereçam e exijam. Os pressupostos de admissibilidade da intimação para protecção dos DLG dependem da consideração da absoluta necessidade de emissão de uma decisão de mérito pelo facto de uma medida cautelar se revelar, num certo caso, como impossível ou insuficiente. Mas se a situação poder ser decidia pela via cautelar provisória esta deve ser escolhida e preferida em detrimento da intimação definitiva. A intimação urgentíssima provisória (quando determine a possibilidade de lesão irreversível e iminente de direitos) - artigo 131.º tem primazia sobre o processo cautelar comum.

Apenas uma análise casuística permitirá saber quando é que as pronúncias de mérito são necessárias, por contraste com as insuficientes pronúncias cautelares, visto que estas são sempre, na sua globalidade, provisórias, quer sejam emitidas com especial urgência no início do processo cautelar ou não.









[1] Expressão usado por Vieira de Andrade
[2] Cfr. Isabel Celeste M. Fonseca, Dos processos urgentes no Contencioso Administrativo (Função e Estrutura)
[3] A protecção de situações urgentes é realizada, também, no Título V, através dos processos cautelares. Ver a este respeito um anterior comentário da minha autoria “Uma viagem pela tutela cautelar”
[4] Esteve bem o legislador ao distinguir estes conceitos, pois, o de celeridade não se identifica em pleno com o de urgência e este não esgota o do periculum in mora. Este conceito pressupõe, para além do de prevenção e urgência, a consideração do “perigo de ulterior dano marginal que pode derivar do atraso da sentença definitiva resultante da inevitável demora do processo principal”, vd. P Calamandrei, Introduzione allo studio sistemático, pág.18
[5] Segundo a professora Carla Amado Gomes esta teria sido uma forma adoptada pelo legislados para se eximir da imposição legiferante que resulta do artigo 20.º, n.º 5 da CRP, a qual pretende colmatar a recorrentemente denunciada ausência no ordenamento português de uma acção de amparo: Um amparo atípico.
[6] Direitos Liberdades e Garantias
[7] Aquilo que Carla Amado Gomes chama de salvaguarda funcional – “A subsidariedade face a outros meios, mais idóneos à tutela do direito em jogo, revela a preocupação do legislador em basear a intimação em pressupostos de necessidade e adequação objectivamente controláveis pelo julgador e transforma a utilização da intimação num evento excepcional, prevenindo, a banalização deste tipo de tutela.” Cfr. Carla Amado Gomes, Intimação por protecção de direitos, liberdades e garantias, pág 111
[8] Artigo 109.º do CPTA
[9] O professor Mário Aroso de Alemeida, no seu Manual de Processo Administrativo afirma que esta é uma questão complexa e delicada. Cuja resolução estaria dependente da distinção entre as situações em que as providências cautelares originam uma situação de irreversibilidade jurídica ou apenas provocam uma irreversibilidade fáctica. Afirma ser próprio da natureza das providências que para evitar consequências irreversíveis adoptem providências que podem comportar consequências difíceis de reverter no plano fáctico. Mas isto não faz com que se esteja no plano das intimações. O que se impõe é que no momento em que se vai aplicar o artigo 120.º se ponderem as alternativas de modo a escolher a solução mais equilibrada atendendo à concreta configuração dos interesses em presença.
[10] Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 32
[11] Para Carla Amado Gomes isto seria o reflexo da salvaguarda circunstancial na medida em que a componente intrínseca da intimação consiste na urgência da concessão da intimação para evitar a impossibilitação irreversível do direito.
[12] A tutela cautelar obedece ao princípio da provisoriedade

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