quarta-feira, 25 de abril de 2012

Legitimidade Administrativa


Abordagem transversal

O CPTA consagra um princípio geral de legitimidade activa superando a concepção tradicional e fragmentária por referência aos diversos meios processuais.

O legislador adoptou a técnica da lei processual comum, concentrando num único preceito, em correspondência com as normas dos artigos 26.º e 26.º-A do CPC, a pertinência da relação jurídica administrativa para as acções de função subjectiva e a titularidade de um interesse difuso no que se refere à acção popular.

Utilizando uma fórmula diferente da que é enunciada no artigo 26.º do CPC o CPTA toma posição explícita sobre a velha querela relativa ao critério de determinação da legitimidade dando agora como assente que esta é aferida pela relação jurídica controvertida tal como é apresentada pelo autor.

Enquanto a lei processual estabelece como critério de legitimação o interesse processual, e faz intervir a titularidade da relação controvertida como critério supletivo, o artigo 9.º unicamente identifica como parte legitima o sujeito da relação jurídica, remetendo para as disposições especiais do código relativas aos diferentes meios processuais o enunciado das demais circunstâncias em que o interesse em agir pode justificar a necessidade de tutela judicial.

Não podemos passar em branco a referência que é feita no artigo 9.º, n.º 2 à acção popular[1] destinada à defesa de interesses difusos a que se reporta o artigo 52.º, n.º 3 da CRP.

A Lei n. 83/95, que regulamentou aquela disposição constitucional, estendeu o direito de acção às autarquias locais em relação aos interesses de que sejam titulares residentes na área da despectiva circunscrição (artigo 2.º, n.º2) e regulou nos artigos 12.º e seguintes, de modo unitário, os demais termos específicos da representação processual e da tramitação processual.

O artigo 9.º, n.º2, em paralelo com o artigo 26.º-A, incorpora no regime processual administrativo a regra da legitimidade que se encontrava já prevista no artigo 2.º, n.º2 da Lei referida supra; mas dá mais um passo: alarga a incidência da acção popular, incluindo no elenco dos interesses difusos os valores e os bens relativos ao urbanismo e ao ordenamento do território e confere uma capacidade ao Ministério Público[2]. A atribuição desta nova função ao Ministério Público poderá justificar-se pela conveniência de agilizar a tutela judiciária dos interesses difusos

Ao definir como parte legítima o autor que alegue ser parte na relação material controvertida, o legislador fornece um indicador seguro quanto à filosofia que enforma o novo contencioso. Depois de reconhecer no artigo 2.º a tutela jurisdicional, assegurando a todos os cidadãos a plenitude de acesso à justiça administrativa e de ter reforçado, no artigo 3.º, os poderes do juiz administrativo, “a regra da legitimidade evidencia o propósito de construir todo o sistema judiciário em torno da figura da relação jurídica”[3].

O CPTA define em termos diferentes a legitimidade das partes nas acções administrativas comuns e nas acções administrativas especiais. Para além desta regulamentação particular não podemos esquecer o princípio geral enunciado anteriormente e que surge como um denominador comum que opera em todos os casos em que a disposição especial é omissa ou inconsequente.

Para além de enunciar o princípio geral de legitimidade activa o artigo faz uma ressalva ao regime específico aplicado à acção sobre contratos (artigo 40.º). No domínio do contencioso dos contratos a alteração mais significativa consistiu no alargamento do âmbito da legitimidade para além das partes na relação contratual. O objectivo foi, essencialmente, o de cobrir o défice de prtotecção de terceiros no quadro do contencioso pré-contratual, permitindo que o pedido relativo à validade dos contratos possa ser deduzido, não apenas pelas partes na relação contratual, mas também por quem, e a título de exemplo, tenha impugnado um acto administrativo relativo à formação dos contratos (alínea c))[4].

O alargamento do âmbito da legitimidade activa no domínio do contencioso dos contratos atinge não apenas as acções constitutivas, mas também as acções condenatórias relativas à execução das prestações contratuais, conforme resulta do artigo 40.º n.º2.

A legitimidade nas acções administrativas comuns é concebida em termos idênticos aos da legitimidade das partes no âmbito do processo civil.

No entanto o artigo 39.º estabelece um regime específico de legitimidade embora não expressamente ressalvado pelo artigo 9.º.

Nas acções administrativas especiais de impugnação tem legitimidade para impugnar “quem alegue ser titular de um interesse directo[5] e pessoal[6], designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos” – artigo 55.º, n.º1, al. a)[7]; “as pessoas colectivas públicas ou privadas, quanto aos direitos e interesses que lhes cumpre defender” – artigo 55.º. n.º1, al. c)[8]; e legitimidade passiva, para além da entidade autora do acto impugnado, “os contra-interessados a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo” – artigo 57.º.

O artigo 55.º, n.º2 prevê a acção popular correctiva que poderá ser exercida por qualquer eleitor, no gozo dos seus direitos civis e políticos, para a impugnação de deliberações dos órgãos autárquicos na circunscrição em que se encontre resenciado.

A legitimidade radica apenas na qualidade de cidadão e representa a manifestação de um poder político e tem em vista a fiscalização da gestão das autarquias.

Quanto às acções de condenação à prática do acto administrativo devido, tem legitimidade para pedir a condenação “quem alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente protegido, dirigido à emissão do acto” e as “pessoas colectivas públicas ou privadas, em relação aos direitos e interesses que lhes cumpre defender” – artigo 68.º, n.º 1, al. a) e b). Possuem legitimidade passiva, para além da entidade responsável pela situação de omissão ilegal, “os contra-interessados a quem a prática do acto omitido possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse em que ele não seja praticado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo” – artigo 68.º, n.º2.

Quanto ao processo de impugnação das normas, a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, nos termos do artigo 73.º, n.º1 “pode ser pedida por quem seja prejudicado pela aplicação da norma ou possa previsivelmente vir a sê-lo em momento próximo, desde que a aplicação da norma tenha sido recursada por qualquer tribunal em 3 casos concretos, com fundamento na sua ilegalidade.” Também quem alegue um prejuízo directamente resultante de uma situação de omissão pode pedir ao tribunal administrativo a declaração de ilegalidade da mesma – artigo 77.º, n.º1. Não apenas no caso do artigo 73.º, n.º 2 mas também nos restantes, pode haver contra-interessados, identificados pela aplicação da norma impugnada a um caso concreto.

Em jeito de conclusão e usando as palavras sábias de Carlos Alberto Fernando Cadilha[9] “ a legitimidade assenta num figurino que melhor corresponde à concretização do princípio da tutela jurisdicional efectiva – a legitimidade expande-se, permitindo realizar de forma abrangente a protecção jurídica de terceiros lesados por actuações da Administração; a legitimidade resguarda-se, na perspectiva de reduzir ao mínimo as objecções formais que possam colocar-se à apreciação do mérito da causa ou que de algum modo possam dificultar o acesso efectivo à justiça administrativa.”



[1] A Constituição configurou a acção popular como uma forma de legitimidade processual activa dos cidadãos, que poderá ser exercida perante qualquer tribunal, individualmente ou por intermédio de associações representativas
[2] É apenas de condensar a legitimidade que este já tinha mas que se encontrava dispersa por vários diplomas: DL n.º 446/85, Lei n.º 11/87, Lei n.º 26/94 entre muitos outros
[3] Cadernos de Direito Administrativo, n.º 32
[4] Ver a este propósito as restantes alíneas.
[5] Para o Professor Mário Aroso de Almeida o interesse directo é configurado como um interesse em agir, o acto tem de estar a provocar consequências desfavoráveis na esfera do autor e a anulação do acto tem de se traduzir numa vantagem imediata.
[6] Tem de obter alguma utilidade pessoal com a acção
[7] Interesse individual
[8] Interesse público
[9] Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 32

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