Abordagem transversal
O CPTA consagra um princípio
geral de legitimidade activa superando a concepção tradicional e fragmentária
por referência aos diversos meios processuais.
O legislador adoptou a técnica da
lei processual comum, concentrando num único preceito, em correspondência com
as normas dos artigos 26.º e 26.º-A do CPC, a pertinência da relação jurídica
administrativa para as acções de função subjectiva e a titularidade de um
interesse difuso no que se refere à acção popular.
Utilizando uma fórmula diferente
da que é enunciada no artigo 26.º do CPC o CPTA toma posição explícita sobre a
velha querela relativa ao critério de determinação da legitimidade dando agora
como assente que esta é aferida pela relação jurídica controvertida tal como é
apresentada pelo autor.
Enquanto a lei processual
estabelece como critério de legitimação o interesse processual, e faz intervir
a titularidade da relação controvertida como critério supletivo, o artigo 9.º
unicamente identifica como parte legitima o sujeito da relação jurídica,
remetendo para as disposições especiais do código relativas aos diferentes
meios processuais o enunciado das demais circunstâncias em que o interesse em
agir pode justificar a necessidade de tutela judicial.
Não podemos passar em branco a
referência que é feita no artigo 9.º, n.º 2 à acção popular[1]
destinada à defesa de interesses difusos a que se reporta o artigo 52.º, n.º 3
da CRP.
A Lei n. 83/95, que regulamentou
aquela disposição constitucional, estendeu o direito de acção às autarquias
locais em relação aos interesses de que sejam titulares residentes na área da despectiva
circunscrição (artigo 2.º, n.º2) e regulou nos artigos 12.º e seguintes, de
modo unitário, os demais termos específicos da representação processual e da
tramitação processual.
O artigo 9.º, n.º2, em paralelo
com o artigo 26.º-A, incorpora no regime processual administrativo a regra da
legitimidade que se encontrava já prevista no artigo 2.º, n.º2 da Lei referida
supra; mas dá mais um passo: alarga a incidência da acção popular, incluindo no
elenco dos interesses difusos os valores e os bens relativos ao urbanismo e ao
ordenamento do território e confere uma capacidade ao Ministério Público[2].
A atribuição desta nova função ao Ministério Público poderá justificar-se pela
conveniência de agilizar a tutela judiciária dos interesses difusos
Ao definir como parte legítima o
autor que alegue ser parte na relação material controvertida, o legislador
fornece um indicador seguro quanto à filosofia que enforma o novo contencioso.
Depois de reconhecer no artigo 2.º a tutela jurisdicional, assegurando a todos
os cidadãos a plenitude de acesso à justiça administrativa e de ter reforçado,
no artigo 3.º, os poderes do juiz administrativo, “a regra da legitimidade
evidencia o propósito de construir todo o sistema judiciário em torno da figura
da relação jurídica”[3].
O CPTA define em termos
diferentes a legitimidade das partes nas acções administrativas comuns e nas
acções administrativas especiais. Para além desta regulamentação particular não
podemos esquecer o princípio geral enunciado anteriormente e que surge como um
denominador comum que opera em todos os casos em que a disposição especial é
omissa ou inconsequente.
Para além de enunciar o princípio
geral de legitimidade activa o artigo faz uma ressalva ao regime específico
aplicado à acção sobre contratos (artigo 40.º). No domínio do contencioso dos
contratos a alteração mais significativa consistiu no alargamento do âmbito da
legitimidade para além das partes na relação contratual. O objectivo foi,
essencialmente, o de cobrir o défice de prtotecção de terceiros no quadro do
contencioso pré-contratual, permitindo que o pedido relativo à validade dos
contratos possa ser deduzido, não apenas pelas partes na relação contratual,
mas também por quem, e a título de exemplo, tenha impugnado um acto
administrativo relativo à formação dos contratos (alínea c))[4].
O alargamento do âmbito da
legitimidade activa no domínio do contencioso dos contratos atinge não apenas
as acções constitutivas, mas também as acções condenatórias relativas à
execução das prestações contratuais, conforme resulta do artigo 40.º n.º2.
A legitimidade nas acções
administrativas comuns é concebida em termos idênticos aos da legitimidade das
partes no âmbito do processo civil.
No entanto o artigo 39.º
estabelece um regime específico de legitimidade embora não expressamente
ressalvado pelo artigo 9.º.
Nas acções administrativas
especiais de impugnação tem legitimidade para impugnar “quem alegue ser titular
de um interesse directo[5]
e pessoal[6],
designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses
legalmente protegidos” – artigo 55.º, n.º1, al. a)[7];
“as pessoas colectivas públicas ou privadas, quanto aos direitos e interesses
que lhes cumpre defender” – artigo 55.º. n.º1, al. c)[8];
e legitimidade passiva, para além da entidade autora do acto impugnado, “os
contra-interessados a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente
prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado em
função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo
administrativo” – artigo 57.º.
O artigo 55.º, n.º2 prevê a acção
popular correctiva que poderá ser exercida por qualquer eleitor, no gozo dos
seus direitos civis e políticos, para a impugnação de deliberações dos órgãos
autárquicos na circunscrição em que se encontre resenciado.
A legitimidade radica apenas na
qualidade de cidadão e representa a manifestação de um poder político e tem em
vista a fiscalização da gestão das autarquias.
Quanto às acções de condenação à
prática do acto administrativo devido, tem legitimidade para pedir a condenação
“quem alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente protegido,
dirigido à emissão do acto” e as “pessoas colectivas públicas ou privadas, em
relação aos direitos e interesses que lhes cumpre defender” – artigo 68.º, n.º
1, al. a) e b). Possuem legitimidade passiva, para além da entidade responsável
pela situação de omissão ilegal, “os contra-interessados a quem a prática do
acto omitido possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse em
que ele não seja praticado e que possam ser identificados em função da relação
material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo” –
artigo 68.º, n.º2.
Quanto ao processo de impugnação
das normas, a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, nos termos
do artigo 73.º, n.º1 “pode ser pedida por quem seja prejudicado pela aplicação
da norma ou possa previsivelmente vir a sê-lo em momento próximo, desde que a
aplicação da norma tenha sido recursada por qualquer tribunal em 3 casos
concretos, com fundamento na sua ilegalidade.” Também quem alegue um prejuízo
directamente resultante de uma situação de omissão pode pedir ao tribunal
administrativo a declaração de ilegalidade da mesma – artigo 77.º, n.º1. Não
apenas no caso do artigo 73.º, n.º 2 mas também nos restantes, pode haver
contra-interessados, identificados pela aplicação da norma impugnada a um caso
concreto.
Em jeito de conclusão e usando as
palavras sábias de Carlos Alberto Fernando Cadilha[9]
“ a legitimidade assenta num figurino que melhor corresponde à concretização do
princípio da tutela jurisdicional efectiva – a legitimidade expande-se,
permitindo realizar de forma abrangente a protecção jurídica de terceiros
lesados por actuações da Administração; a legitimidade resguarda-se, na
perspectiva de reduzir ao mínimo as objecções formais que possam colocar-se à
apreciação do mérito da causa ou que de algum modo possam dificultar o acesso
efectivo à justiça administrativa.”
[1]
A Constituição configurou a acção popular como uma forma de legitimidade
processual activa dos cidadãos, que poderá ser exercida perante qualquer tribunal,
individualmente ou por intermédio de associações representativas
[2]
É apenas de condensar a legitimidade que este já tinha mas que se encontrava
dispersa por vários diplomas: DL n.º 446/85, Lei n.º 11/87, Lei n.º 26/94 entre
muitos outros
[5]
Para o Professor Mário Aroso de Almeida o interesse directo é configurado como
um interesse em agir, o acto tem de estar a provocar consequências
desfavoráveis na esfera do autor e a anulação do acto tem de se traduzir numa
vantagem imediata.
[9]
Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 32
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