Conforme resulta do texto do Acórdão do Tribunal Central
Administrativo Sul (TCAS), de 19-01-2012, o Ministério da Administração Interna
(Recorrente), vem interpor recurso da sentença do TAC de Lisboa que decretou a
suspensão de eficácia do despacho do Ministério da Administração Interna, de
18-04-2011, que puniu J. (Recorrido) com a pena disciplinar de reforma
compulsiva.
Alega, para o efeito o Recorrente que a sentença recorrida
incorre em erro de julgamento, porque inexiste
periculum in mora. Invoca, como justificação, que o
Recorrido e o seu agregado familiar apenas ficaram reduzidos em cerca de 25% do
seu rendimento mensal. E ainda que, a decisão recorrida também errou na
ponderação dos interesses públicos e privados em presença.
Face aos factos indiciariamente provados, atendendo aos
encargos mensais do agregado do Recorrido e aos valores totais que aufere tal
agregado, entende o Tribunal que, se este deixar de auferir uma parte dos seus
rendimentos, terá certamente prejuízos materiais e morais relevantes, porquanto,
durante o período em que decorre a acção principal, terá o Recorrido maiores
dificuldades a sustentar-se ou a manter o nível de vida que até aqui mantinha.
Feitas as contas, o agregado do Recorrido apresenta encargos
fixos de cerca de 70% dos valores totais, sendo que para as restantes despesas,
que não vêm incluídas, do dia-a-dia (tais como, alimentação, transportes,
despesas médicas), não restam mais do que uns 600€.
Entendeu o tribunal que um corte nos valores totais que este
agregado aufere, nomeadamente o indicado corte de 25% dos valores, irá trazer
consequências imediatas no seu trem de vida, que ficará irreversivelmente
prejudicado.
Consequentemente, se presente providência for recusada e se,
posteriormente, o processo principal for julgado procedente, ter-se-ão
verificado prejuízos de difícil reparação, pois as condições de vida do ora
Recorrido e do seu agregado familiar, já se terão alterado, tendo diminuído as
suas condições económicas durante o tempo em que decorre o processo principal. Verificada
esta situação, não seria possível repor a situação conforme com a legalidade,
pois o Recorrido e restantes membros do agregado já terão passado por alguma
dificuldade económica.
Para que a providência
seja decretada é necessário que se verifiquem os requisitos gerais e especiais,
que se retiram do artigo 120º CPTA:
- Existe periculum in mora quando haja
fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da
reparação para os interesses que o requerente visa assegurar ou pretende ver
reconhecidos no processo principal.
Segundo Mário Aroso de Almeida, quanto ao periculum in mora, a providência «deve ser concedida desde que os factos
concretos alegados pelo Requerente inspirem o fundado receio de que, se a
providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo
principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos
factos, da situação conforme à legalidade» e ainda, quando «embora não seja de prever que a reintegração
no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível,
os factos alegados pelo Requerente inspirem o receio de que, se a providência
for recusada, essa reintegração no plano dos factos será difícil, no caso de o
processo principal vir a ser julgado procedente – de onde resulta que também
nesta segunda hipótese, em que se trata de aferir da possibilidade de se
produzirem “prejuízos de difícil reparação”, o critério deve ser o da maior ou
menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria
existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar», in Manual De Processo
Administrativo, Coimbra, Almedina, 2010, páginas 474 a 476.
Considerou o Tribunal
que no caso sub judice existe periculum in mora, e portanto
confirma a decisão recorrida neste ponto.
Entendeu o Tribunal, no meu entender, bem, que apesar de ser
mais facilmente quantificável o prejuízo pecuniário resultante dessa privação,
o mesmo é de reputar irreparável ou de difícil reparação, se essa privação puser em risco a satisfação de necessidades pessoais
elementares, ou mesmo se determinar um drástico abaixamento do nível de vida do
requerente e seu agregado familiar.
- A atribuição das providências depende de um juízo por parte
do juiz, sobre o bem fundado da pretensão que o requerente faz valer no
processo. O juiz deve, portanto, avaliar o grau de probabilidade de êxito do
requerente no processo. Trata-se do
critério da aparência de bom direito ou fumus
boni iuris.
Cabe, salientar, que
tratando-se de uma providência
conservatória (aquela que se destina a reter, na posse ou na titularidade
do particular, um direito a um bem de que ele já disponha, mas que está
ameaçado de perder) o artigo 120º nº1
alínea b) do CPTA, estabelece que, uma vez demonstrado o periculum in mora, a providência deve
ser decretada a menos que “ seja manifesta a falta de fundamento da pretensão
formulada ou a formular no processo principal” (fumus non mali iuris).
Nos casos de
providência conservatória, o critério da aparência de bom direito assume, um
papel limitado,
intervindo apenas numa formulação negativa, isto justifica-se pelo facto de
estarem em causa providências destinadas a manter o statu quo. Adquirindo maior relevo, o critério, quando estão em
causa providências antecipatórias (aquelas que visam obter, antes que o dano aconteça,
um bem a que o particular tenha direito), pois que, em causa está a alteração
do status quo, se o requerente
pretende que algo mude a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova,
simples, do bem fundado da pretensão deduzida no processo principal.
No caso sub judice não há necessidade de
analisar o critério do fumus boni iuris. Dado que, o
tribunal concluiu pela verificação do critério do periculum in mora e, como sua
decorrência, pela procedência da suspensão do despacho do Ministério da
Administração Interna, dados os valores em causa (desde logo uma existência
condigna do agregado familiar de J.).
- Contudo, diferentemente do que acontece em processo civil
em que bastam estes dois critérios o
CPTA no nº2 do artigo 120º exige uma ponderação de interesses públicos e
privados em presença. Podendo as providências ser recusadas “quando, devidamente ponderados os
interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua
concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa (…) ”.
As providências cautelares a adoptar devem limitar-se ao necessário para
evitar a lesão dos interesses defendidos, no caso em apreço pelo Recorrido
(120º nº3).
Neste preceito
introduz-se, o que se tem apelidado de “cláusula de salvaguarda”.
O que está em causa não é ponderar valores ou interesses
entre sim, mas danos ou prejuízos e, portanto prejuízos reais, que numa
prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, e tendo em conta as
circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou concessão da
providência cautelar.
Com efeito, não consagra a lei qualquer prevalência do interesse público face
aos demais interesses em conflito, tanto mais que, não se trata aqui de
ponderar o interesse público com o interesse privado, mesmo que muitas vezes o
interesse do requerido seja o interesse público e o interesse do requerente
seja o interesse privado: o que está em causa, são sim, os resultados ou os
prejuízos que podem resultar para todos os interesses, da concessão ou a recusa
da concessão.
Abandona-se, assim, a tradição forjada no âmbito da aplicação
do instituto da suspensão de eficácia de actos administrativos, de se
ponderarem separadamente os pressupostos de que dependia a concessão da
providência e em valor absoluto os riscos para o interesse público que dessa
concessão poderiam advir.
Para a recusa da
concessão duma providência à luz do juízo de ponderação previsto no nº2 do
artigo 120º não é suficiente ou idónea uma qualquer lesão do interesse público
porquanto o interesse público, por natureza, está ínsito ou subjacente a
qualquer actuação desenvolvida por parte da Administração.
Volvendo ao caso em análise, alegou o Ministério da
Administração Interna que J. enquanto militar da GNR tem o ónus de manter uma
postura exemplar o que não sucedeu. De facto, o Recorrido terá tido um
comportamento altamente reprovável e censurável, aliás, pelo qual lhe foi
imposta medida de coacção de suspensão do exercício de funções. Não obstante
tal facto, a verdade é que essa medida de coação foi declarada extinta em 2005,
voltando o Recorrido ao exercício das suas funções, não lhe sendo apontada, até
à data, qualquer prática de outros ilícitos. Também não ficou provado que tenha
havido perturbações no serviço ou imagem da instituição, pelo facto do
Recorrido ter reiniciado funções. Também nada aponta para que «a população»
tenha conhecimento da situação, e nessa medida deixe de respeitar os guardas da
GNR.
Assim, concluiu o tribunal que, «a permanência do Recorrido no exercício de
funções, até ao termo da decisão principal, não acarreta uma perturbação
efectiva ao serviço e ponha em causa o prestígio da instituição.»
Ou seja, não ficou
provado a existência de um interesse público qualificado, específico e
concreto, que justifique o não decretamento da providência. Existe apenas
um interesse genérico, de eficácia dos actos administrativos, de manutenção
genérica do prestígio da GNR. Contudo, tal interesse
genérico não é suficiente para se ponderar a favor do interesse público.
Para que seja relevante
é necessário que o interesse público seja específico e concreto, portanto, diferenciado do interesse
genérico da eficácia dos actos administrativos. O que é essencial é que, no
caso concreto, a lesão dos interesses públicos, em presença, se traduza e
assuma contornos tais que se torne desproporcionado o decretamento da providência
cautelar.
No mesmo sentido, Ac. STA n.º 1217/09, de 6-1-2010, defende o
Tribunal que «o que se estabelece no n.º
2 do artigo 120º do CPTA não é que a providência deva ser recusada quando tal
seja preferível para o interesse público, quando a recusa traga mais vantagens
para este interesse, mas sim que essa recusa deve acontecer quando dela
resultem danos ao interesse público, o que é diferente de não haver vantagem».
Em meu entender decidiu bem o Tribunal. Ponderados os
interesses em presença, claro se torna que o interesse do privado, a existência
condigna, que podia ser posta em causa, desde logo, pelas dificuldades
económicas, pelas quais o Recorrido e o restante agregado familiar teriam de passar,
é mais preponderante que os interesses genéricos da GNR. Desde logo, o facto de
que desta força não façam parte elementos que hajam sido condenados em
processo-crime e que tenham sido alvo de um processo disciplinar.
Neste sentido, compete, fazer breve referência ao Acórdão do
TCA Sul, n.º 6070/19, de 22.04.2010, no qual se defendeu o seguinte: «a depreciação da imagem e o desprestígio
das forças policiais, que resultam da manutenção do agente ao seu serviço, são
diminutas, pois, numa sociedade urbana, essencialmente anónima, caracterizada
pela vivência em conjunto de centenas de milhares de pessoas, o público em
geral não terá nunca conhecimento da manutenção do agente em serviço enquanto
durar o processo judicial (…). Ainda que tal conhecimento seja objecto de notícia,
por exemplo nos meios de comunicação, cada vez mais, as pessoas compreenderão
que as decisões de expulsão só se tornam irreversíveis, caso sejam impugnadas
em Tribunal, após decisão judicial. Donde, o desprestígio será certamente muito
diminuto
Enquanto, a eficácia
imediata da pena de demissão acarretará pelo contrário graves prejuízos ao
recorrente, que verá o seu nível de vida reduzido drasticamente».
Bibliografia:
Almeida, Mário Aroso de, Manual
de Processo Administrativo, Almedina, 2010;
Andrade, José Vieira de, A
Justiça Administrativa – Lições, Coimbra, Almedina, 2009;
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