domingo, 20 de maio de 2012

Suspensão de eficácia de despacho Ministerial; Periculum In Mora; Ponderação de Interesses



Conforme resulta do texto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 19-01-2012, o Ministério da Administração Interna (Recorrente), vem interpor recurso da sentença do TAC de Lisboa que decretou a suspensão de eficácia do despacho do Ministério da Administração Interna, de 18-04-2011, que puniu J. (Recorrido) com a pena disciplinar de reforma compulsiva.

Alega, para o efeito o Recorrente que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento, porque inexiste periculum in mora. Invoca, como justificação, que o Recorrido e o seu agregado familiar apenas ficaram reduzidos em cerca de 25% do seu rendimento mensal. E ainda que, a decisão recorrida também errou na ponderação dos interesses públicos e privados em presença.

Face aos factos indiciariamente provados, atendendo aos encargos mensais do agregado do Recorrido e aos valores totais que aufere tal agregado, entende o Tribunal que, se este deixar de auferir uma parte dos seus rendimentos, terá certamente prejuízos materiais e morais relevantes, porquanto, durante o período em que decorre a acção principal, terá o Recorrido maiores dificuldades a sustentar-se ou a manter o nível de vida que até aqui mantinha.

Feitas as contas, o agregado do Recorrido apresenta encargos fixos de cerca de 70% dos valores totais, sendo que para as restantes despesas, que não vêm incluídas, do dia-a-dia (tais como, alimentação, transportes, despesas médicas), não restam mais do que uns 600€.
Entendeu o tribunal que um corte nos valores totais que este agregado aufere, nomeadamente o indicado corte de 25% dos valores, irá trazer consequências imediatas no seu trem de vida, que ficará irreversivelmente prejudicado.

Consequentemente, se presente providência for recusada e se, posteriormente, o processo principal for julgado procedente, ter-se-ão verificado prejuízos de difícil reparação, pois as condições de vida do ora Recorrido e do seu agregado familiar, já se terão alterado, tendo diminuído as suas condições económicas durante o tempo em que decorre o processo principal. Verificada esta situação, não seria possível repor a situação conforme com a legalidade, pois o Recorrido e restantes membros do agregado já terão passado por alguma dificuldade económica.

Para que a providência seja decretada é necessário que se verifiquem os requisitos gerais e especiais, que se retiram do artigo 120º CPTA:
- Existe periculum in mora quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da reparação para os interesses que o requerente visa assegurar ou pretende ver reconhecidos no processo principal.

Segundo Mário Aroso de Almeida, quanto ao periculum in mora, a providência «deve ser concedida desde que os factos concretos alegados pelo Requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade» e ainda, quando «embora não seja de prever que a reintegração no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível, os factos alegados pelo Requerente inspirem o receio de que, se a providência for recusada, essa reintegração no plano dos factos será difícil, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente – de onde resulta que também nesta segunda hipótese, em que se trata de aferir da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação”, o critério deve ser o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar», in Manual De Processo Administrativo, Coimbra, Almedina, 2010, páginas 474 a 476.

Considerou o Tribunal que no caso sub judice existe periculum in mora, e portanto confirma a decisão recorrida neste ponto.

Entendeu o Tribunal, no meu entender, bem, que apesar de ser mais facilmente quantificável o prejuízo pecuniário resultante dessa privação, o mesmo é de reputar irreparável ou de difícil reparação, se essa privação puser em risco a satisfação de necessidades pessoais elementares, ou mesmo se determinar um drástico abaixamento do nível de vida do requerente e seu agregado familiar. 

- A atribuição das providências depende de um juízo por parte do juiz, sobre o bem fundado da pretensão que o requerente faz valer no processo. O juiz deve, portanto, avaliar o grau de probabilidade de êxito do requerente no processo. Trata-se do critério da aparência de bom direito ou fumus boni iuris.

 Cabe, salientar, que tratando-se de uma providência conservatória (aquela que se destina a reter, na posse ou na titularidade do particular, um direito a um bem de que ele já disponha, mas que está ameaçado de perder) o artigo 120º nº1 alínea b) do CPTA, estabelece que, uma vez demonstrado o periculum in mora, a providência deve ser decretada a menos que “ seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal” (fumus non mali iuris).

Nos casos de providência conservatória, o critério da aparência de bom direito assume, um papel limitado, intervindo apenas numa formulação negativa, isto justifica-se pelo facto de estarem em causa providências destinadas a manter o statu quo. Adquirindo maior relevo, o critério, quando estão em causa providências antecipatórias (aquelas que visam obter, antes que o dano aconteça, um bem a que o particular tenha direito), pois que, em causa está a alteração do status quo, se o requerente pretende que algo mude a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova, simples, do bem fundado da pretensão deduzida no processo principal.

No caso sub judice não há necessidade de analisar o critério do fumus boni iuris. Dado que, o tribunal concluiu pela verificação do critério do periculum in mora e, como sua decorrência, pela procedência da suspensão do despacho do Ministério da Administração Interna, dados os valores em causa (desde logo uma existência condigna do agregado familiar de J.).

- Contudo, diferentemente do que acontece em processo civil em que bastam estes dois critérios o CPTA no nº2 do artigo 120º exige uma ponderação de interesses públicos e privados em presença. Podendo as providências ser recusadas “quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa (…) ”. As providências cautelares a adoptar devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos, no caso em apreço pelo Recorrido (120º nº3).
Neste preceito introduz-se, o que se tem apelidado de “cláusula de salvaguarda”.

 O que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre sim, mas danos ou prejuízos e, portanto prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou concessão da providência cautelar. Com efeito, não consagra a lei qualquer prevalência do interesse público face aos demais interesses em conflito, tanto mais que, não se trata aqui de ponderar o interesse público com o interesse privado, mesmo que muitas vezes o interesse do requerido seja o interesse público e o interesse do requerente seja o interesse privado: o que está em causa, são sim, os resultados ou os prejuízos que podem resultar para todos os interesses, da concessão ou a recusa da concessão.

Abandona-se, assim, a tradição forjada no âmbito da aplicação do instituto da suspensão de eficácia de actos administrativos, de se ponderarem separadamente os pressupostos de que dependia a concessão da providência e em valor absoluto os riscos para o interesse público que dessa concessão poderiam advir.
Para a recusa da concessão duma providência à luz do juízo de ponderação previsto no nº2 do artigo 120º não é suficiente ou idónea uma qualquer lesão do interesse público porquanto o interesse público, por natureza, está ínsito ou subjacente a qualquer actuação desenvolvida por parte da Administração.

Volvendo ao caso em análise, alegou o Ministério da Administração Interna que J. enquanto militar da GNR tem o ónus de manter uma postura exemplar o que não sucedeu. De facto, o Recorrido terá tido um comportamento altamente reprovável e censurável, aliás, pelo qual lhe foi imposta medida de coacção de suspensão do exercício de funções. Não obstante tal facto, a verdade é que essa medida de coação foi declarada extinta em 2005, voltando o Recorrido ao exercício das suas funções, não lhe sendo apontada, até à data, qualquer prática de outros ilícitos. Também não ficou provado que tenha havido perturbações no serviço ou imagem da instituição, pelo facto do Recorrido ter reiniciado funções. Também nada aponta para que «a população» tenha conhecimento da situação, e nessa medida deixe de respeitar os guardas da GNR. 

Assim, concluiu o tribunal que, «a permanência do Recorrido no exercício de funções, até ao termo da decisão principal, não acarreta uma perturbação efectiva ao serviço e ponha em causa o prestígio da instituição
Ou seja, não ficou provado a existência de um interesse público qualificado, específico e concreto, que justifique o não decretamento da providência. Existe apenas um interesse genérico, de eficácia dos actos administrativos, de manutenção genérica do prestígio da GNR. Contudo, tal interesse genérico não é suficiente para se ponderar a favor do interesse público.

Para que seja relevante é necessário que o interesse público seja específico e concreto, portanto, diferenciado do interesse genérico da eficácia dos actos administrativos. O que é essencial é que, no caso concreto, a lesão dos interesses públicos, em presença, se traduza e assuma contornos tais que se torne desproporcionado o decretamento da providência cautelar.

No mesmo sentido, Ac. STA n.º 1217/09, de 6-1-2010, defende o Tribunal que «o que se estabelece no n.º 2 do artigo 120º do CPTA não é que a providência deva ser recusada quando tal seja preferível para o interesse público, quando a recusa traga mais vantagens para este interesse, mas sim que essa recusa deve acontecer quando dela resultem danos ao interesse público, o que é diferente de não haver vantagem».

Em meu entender decidiu bem o Tribunal. Ponderados os interesses em presença, claro se torna que o interesse do privado, a existência condigna, que podia ser posta em causa, desde logo, pelas dificuldades económicas, pelas quais o Recorrido e o restante agregado familiar teriam de passar, é mais preponderante que os interesses genéricos da GNR. Desde logo, o facto de que desta força não façam parte elementos que hajam sido condenados em processo-crime e que tenham sido alvo de um processo disciplinar.

Neste sentido, compete, fazer breve referência ao Acórdão do TCA Sul, n.º 6070/19, de 22.04.2010, no qual se defendeu o seguinte: «a depreciação da imagem e o desprestígio das forças policiais, que resultam da manutenção do agente ao seu serviço, são diminutas, pois, numa sociedade urbana, essencialmente anónima, caracterizada pela vivência em conjunto de centenas de milhares de pessoas, o público em geral não terá nunca conhecimento da manutenção do agente em serviço enquanto durar o processo judicial (…). Ainda que tal conhecimento seja objecto de notícia, por exemplo nos meios de comunicação, cada vez mais, as pessoas compreenderão que as decisões de expulsão só se tornam irreversíveis, caso sejam impugnadas em Tribunal, após decisão judicial. Donde, o desprestígio será certamente muito diminuto
Enquanto, a eficácia imediata da pena de demissão acarretará pelo contrário graves prejuízos ao recorrente, que verá o seu nível de vida reduzido drasticamente».


Bibliografia:
Almeida, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010;
Andrade, José Vieira de, A Justiça Administrativa – Lições, Coimbra, Almedina, 2009; 

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