terça-feira, 22 de maio de 2012


Reforma da justiça cautelar administrativa – Parte II

 Tendo em conta o referido no primeiro comentário, apresenta-se ainda com especial interesse a análise sumária do Título V do CPTA, quanto aos actos processuais cautelar. O enquadramento que se tentará alcançar estará subordinado a duas características: plenitude e complexidade.[1]

- Plenitude

A ideia de plenitude traduz-se numa autonomia formal do sistema criado pelo CPTA relativamente ao Direito Processual Civil.

Antes da reforma só as providências cautelares do CPC, aplicáveis com as necessárias adaptações ao processo administrativo, ajudavam a combater a solidão da suspensão jurisdicional da eficácia, impotente para fazer face ao desdobramento das formas de actuação administrativa para além do acto administrativo.

O art. 112º/2 CPTA apresenta um elenco exemplificativo de providências cautelares que revela a ideia de plenitude.

As providências cíveis e administrativas concorrem entre si, subordinando-se a escolha do julgador ao critério da adequação. Assim, o juíz administrativo tem à sua disposição uma profusão de medidas potencialmente aptas a proporcionar tutela cautelar para as mais variadas situações. A existir qualquer tipo de subsidiariedade entre providências do CPC e do contencioso administrativo ela ocorrerá dentro da lógica de um sistema aberto, norteando-se apenas pelo critério de maior adequação, que, naturalmente, tende a corresponder a melhor tutela (subsidiariedade material – art. 20º CRP)

A plenitude, enquanto característica do CPTA, manifesta-se quanto às modalidades de tutela como multifuncional[2] revelando-se através do sistema cautelar, nas seguintes formas de actuação administrativa: acto, regulamento, contrato, operação material e actuação informal, designadamente avisos ao público.

Com a possibilidade de suspensão do processo principal – artigo 144º/1/c) do CPTA – atribui-se ao juiz uma maior abertura na sua concessão - artigo 120º/1/a) CPTA – no que se refere às restantes formas de actuação, havendo alterações verdadeiramente radicais.

Uma das grandes alterações do CPTA prende-se com o facto de este permitir a possibilidade de se pedir a suspensão da eficácia de normas que já tenham sido revogadas, nas seguintes situações concretas: com fundamento na ilegalidade, no âmbito de um processo, actual ou futuro (de declaração da sua ilegalidade com força obrigatória geral - artigo 130º/2 e 3 do CPTA), sendo também admissível que um destinatário, actual ou potencial, de uma norma alegadamente ilegal e de efeito imediato lesivo dos seus direitos, requeira ao Tribunal a sua suspensão, com efeitos restritos ao seu caso (artigo 130º/1). Neste âmbito, a regulação do CTPA veio, de facto, fazer uma absoluta diferença.

Quanto ao contrato administrativo – artigos 100º a 103º do CPTA - a previsão expressa de providências cautelares relativamente à formação de contractos, veio a revelar-se uma das outras novidades do CPTA.

Outra grande inovação desta reforma aponta para a protecção cautelar contra as actuações e omissões materiais administrativas ilegais. A articulação com as acções comuns condenatórias no plano da efectivação da responsabilidade extracontratual administrativa, na sua obrigação de reconstituição natural e no plano geral, na obrigação de realização de condutas materiais positivas e na abstenção da prática de actos materiais ilegais, potencia a utilização de providências cautelares não especificadas através das quais o juiz conforma, com maior ou menor densidade, a actividade administrativa.

No plano do contencioso, além da intimidação para a suspensão da difusão do aviso, importa sobretudo convencer o julgador da necessidade de emissão de um acto de reposição da verdade, ou pelo menos de confirmação da incorrecção/falsidade do conteúdo do aviso.

Na prática, a intimidação para um comportamento (artigo 122º/2/f) do CPTA), instaurada contra a entidade administrativa (ou contra qualquer entidade de direito privado que colabore com a Administração, no exercício das funções de tutela), decretada provisoriamente ou não (artigo 131º/1 do CPTA), abrangendo ambas as vertentes da tutela cautelar, parece a providência mais ajustada a resolver certo tipo de situações. Resta saber se a necessidade de antecipação do juízo não reconduzirá algumas destas situações à figura da intimidação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, sediada no artigo 109º CPTA, afastando-nos do domínio estrito das providências cautelares.

Há uma lógica de numerus apertus de providências cautelares disposta do CPTA, de flexibilidade das modalidades de tutela e de vocação abrangente relativamente às formas de actuação administrativa tem, contudo, uma contrapartida, a complexidade, a segunda característica que se irá abordar.

- Complexidade

Tentando qua haja uma correspondência a critérios de ponderação da necessidade, adequação e equilíbrio das providências cujo decretamento se requer, o artigo 120º/1 CPTA apresenta três situações:

1. Quando se trate de providências dirigidas contra actos manifestamente ilegais, por si ou por referência a actos idênticos já anteriormente anulados, declarados nulos ou inexistentes e contra actos de aplicação de normas já anuladas – alínea a). O decretamento quase automático baseia-se num critério de evidência que incorpora também a salvaguarda do interesse público e a tutela de interesses privados.

Ficam algumas dúvidas sobre a sua aplicabilidade quanto aos casos de impugnação de actos e perante regulamentos – a lei parece vedar mas há que considerar o artigo 130º/4 (há argumentos que reforçam a possibilidade de enquadrar o artigo 120º/1/a) com a providência de suspensão de eficácia de normas regulamentares).

2. Quando fora das situações alíneas a) se requeira a concessão de providência conservatória ou antecipatória. O legislador elegeu um critério de apreciação da necessidade de tutela em função da procedimentalidade da pretensão cautelar.

3. A razão da distinção quanto aos critérios de ponderação da possibilidade de decretamento da providência reside na maior responsabilidade do julgador perante a emissão de uma providência antecipatória – que consumirá, total ou parcialmente, a decisão final (nestes casos o juiz tem que ter especial atenção à ponderação a ser feita, necessariamente na forma sumária).

A estes critérios de verificação da necessidade da providência, acrescem a ponderação da sua adequação e do seu equilíbrio, nos termos do artigo 120º/2 e 3 do CPTA, efectivando-se o sistema de protecção cautelar.

O juiz goza, neste casos, de uma margem de livre decisão, limitada somente à necessidade de fundamentação da sua decisão – artigo 659º/2 e 668º/1/b) CPC.

Apesar de alguma doutrina entender que há um verdadeiro “cheque em branco” ou uma verdadeira inutilização prática deste novo regime, é de constatar que o CPTA, traz de facto uma nova estrutura de protecção cautelar mais equilibrada – que na prática não é tão equilibrada como na teoria, tendendo em grande parte para o interesse público.

Outro ponto a ter em conta, prende-se com a complexidade na articulação entre providências cautelares e restantes processos urgentes, nomeadamente, impugnações e intimidações.

E, por fim, encontra-se outro novo mecanismo, introduzido pela reforma, de extrema complexidade e que deve ser utilizado com grande cautela: a interpenetrabilidade entre processos cautelares e processos sumários, através da possibilidade de convolação processual disposta pelo artigo 121º do CPTA. Tal inovação é utilizada quando há manifesta urgência na resolução definitiva do caso, atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos, que permite a simples providência cautelar, desde que para tanto, tenham sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para o efeito. O juiz pode, nestes casos, antecipar o juízo sobre a causa principal – artigo 121º/1 e 120º/1/a) do CPTA – sendo tal decisão passível de recurso – artigo 121º/2.

A complexidade inerente ao novo sistema de protecção cautelar é inevitável, sobretudo se o confrontarmos com o regime ainda vigente. Será ainda de verificar, se tal complexidade se traduzirá em efectiva tutela.

Conclusão:

Estas são algumas das conclusões que merece o sistema de protecção cautelar a introduzir pelo CPTA.

Três notas de risco:

i)O risco da inundação da jurisdição administrativa por pedidos cautelares 112º/2 do CPTA;

ii) O risco de sumarização da jurisdição administrativa proporcionado pelo mecanismos do artigo 121.º/1 do CPTA;

iii) O risco de subversão dos critérios de ponderação previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 120.º do CPTA

O recurso exaustivo à justiça cautelar apresenta-se manifestamente apelativo perante o facilitismo no acesso que oferece aos particulares. Contrariamente, o juiz, perante a espécie de psicose pela urgência que está subentendida nas normas dos títulos IV e V do CPTA, ver-se-á eventualmente envolvido em “constrangimentos retroactivos”.

Contudo, será ele que terá a responsabilidade de refrear, sem extinguir a aspiração à plenitude da tutela a que a Constituição convoca – artigos 20º/4 e 268º/4), confirmando a sua tarefa de guardião da legalidade que, por imperativo constitucional, tem por objectivo a prossecução dos interesses públicos, com respeito pelos direitos dos particulares – artigo 266º/1 da CRP.



[1] CARLA AMADO GOMES, “Texto Dispersos de Direito do Contencioso Administrativo”, AAFDL, p.360
[2] VASCO PEREIRA DA SILVA “…dentro de cada um dos meios processuais referidos, podem existir tantas espécies de efeitos das sentenças quantos pedidos susceptíveis de serem formulados…” do Todo o contencioso administrativo se tornou de plena jurisdição.

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