quarta-feira, 23 de maio de 2012

A responsabilidade civil da Administração por actos ilegais


A lei 67/2007, de 31 de Dezembro, aprovou o regime da responsabilidade extracontratual do Estado e das demais entidades públicas, tendo revogado o diploma que há mais de 40 anos regulava esta matéria: o DL 48 051, de 21 de Novembro de 1967.

Este novo regime, sem prejuízo do capítulo dedicado às disposições gerais, apresenta uma estrutura tripartida, tendo em conta as funções do Estado: função legislativa, judicial e administrativa, definindo as situações de dano decorrentes do exercício dos referidos poderes, podendo gerar um dever de indemnizar.

Cumpre analisar a responsabilidade no âmbito da função administrativa do Estado, prevista no artigo 7º e segs. da lei 67/2007 (RRCEEP).  

O princípio constitucional da responsabilidade civil do Estado vem previsto no artigo 22º da CRP, que consagra a responsabilidade civil solidária do Estado e das demais entidades públicas pelos danos causados pelos respectivos órgãos, funcionários ou agentes, decorrentes de acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício. Sendo, assim, necessário um diploma que concretizasse este preceito, sendo essa a função do Lei 67/2007, e que o DL 48 051 também já desempenhava.



Cumpre analisar os pressupostos desta responsabilidade civil em relação à administração, começando então pela ilicitude:



O RRCEEP vem, no seu artigo 9º n.º1, exigir a ilicitude subjectiva, na medida em que dispõe que ‘’ Consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos’’.

Assim, a ilicitude não se basta com a mera ilegalidade, antes pressupõe a violação de um direito subjectivo ou interesse legalmente protegido, ou seja, exige a violação de uma norma que se destine a proteger o interessado de outrem.

Para que haja ilicitude é necessário que a norma violada tenha entre os seus fins o de proteger o interesse do particular, ou seja, tem que ser uma norma de protecção. Só assim poderá haver lesão de uma posição jurídica subjectiva.     

A ilicitude não se basta com a genérica antijuridicidade, uma vez que pressupõe a violação de uma posição jurídica substantiva (direito subjectivo ou interesse legalmente protegido) do particular.

Não é qualquer ilegalidade que determina o surgimento de um acto ilícito gerador de responsabilidade. É necessário para que haja ilicitude a presença de uma ilegalidade ‘’qualificada’’, exigindo-se que as normas ou princípios violados revelem uma intenção normativa de protecção do interesse do particular.

Para determinar as ilegalidades relevantes em matéria de ilicitude, faz-se a distinção entre normas instrumentais (formais) e normas substantivas (materiais). Nas primeiras estão em causa normas que regulam aspectos funcionais, formais e organizacionais do exercício do poder. São, essencialmente, normas sobre a competência e sobre a forma que estão aqui em causa, é o procedimento e modo de formação do acto administrativo em si.

Estas normas instrumentais não fixam a disciplina dos interesses públicos e privados e não incidem directamente sobre o conteúdo dos actos administrativos, mas isso não impede que possam influenciar indirectamente o conteúdo dos actos. Simplesmente não são estas normas que procedem ao acerto de interesses.

Já as normas substantivas conformam o conteúdo dos actos administrativos, identificam o interesse público que deve presidir à actividade administrativa, concretizam-no ao enunciar os pressupostos abstractos da acção e estabelecem as providências a adoptar perante a situação em concreto desse interesse.

Aquilo que é importante determinar é se a violação das normas instrumentais, nomeadamente o vício de competência, forma, procedimento, ou seja, as ilegalidades formais, permitem configurar uma ilicitude.

Relativamente às normas que regulam a competência ou a forma dos actos administrativos, a sua violação não é, à partida, causadora de ilicitude, pois dificilmente estas normas podem ser configuradas como disposições legais que façam uma referência específica a direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares. Só assim não será se se demonstrar que as normas violadas tinham por fim a protecção de direitos e interesses legalmente protegidos.  

Quanto aos actos inválidos por vício do procedimento é maior a probabilidade em configurar um ilícito se tivermos em conta que estas normas respeitantes ao procedimento têm muitas vezes por fim a tutela preventiva de direitos ou interesses legalmente protegidos do interessado, por exemplo o art.º 100º CPA. Só que tal relação de ilegalidade e ilicitude não é automática, é necessário provar esse fim da norma.

Quanto à relação de ilegalidades substantivas e ilicitude, temos que ter presente que, apesar de estas regularem o conteúdo dos actos administrativos, a violação de normas substantivas não consubstancia necessariamente uma ilicitude, pois pode acontecer que o interesse cuja lesão o particular invoca não figure no âmbito de protecção da norma substantiva violada. É necessário que a norma revele uma intenção normativa de protecção de protecção desse interesse, ou seja, tem que haver uma conexão de ilicitude entre a norma ou principio violado e a posição juridicamente do particular.  



Ilicitude da conduta ou do resultado?

                                                                                                

É discutido se estamos perante uma ilicitude da conduta ou do resultado, no sentido em que se se entender que é suficiente a violação de um comando ou de uma proibição, com a consequente lesão de um direito ou interesse legalmente protegido, para desencadear um juízo de reprovação da ordem jurídica, para haver ilicitude basta a verificação do resultado.

A ilicitude da conduta reporta-se a um determinado comportamento, sendo necessário que a conduta esteja em contradição com uma proibição ou imposição da própria norma jurídica no próprio momento da acção e não apenas aquando do resultado lesivo posteriormente verificado.

Podemos atender à ilicitude da conduta, no sentido em que o art.º 9º n.1, refere que são ilícitas as acções ou omissões que infrinjam ‘’regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado,’’ o que demonstra uma alusão ao dever de cuidado. No entanto, também encontramos referência no mesmo artigo ao resultado, quando a lei considera ilícitos os actos que violam as normas legais e regulamentares ou os princípios constitucionais.

Assim, cumpre apenas notar que na referência feita pelo artigo 9º n.1, tanto a conduta como o resultado fazem parte do âmbito do pressuposto do facto ilícito, uma vez que este nunca dispensa o resultado lesivo. Para além de que não se pode excluir o resultado no sentido em que o propósito principal da responsabilidade civil é reparar danos e não o sancionar condutas.



A aceitação do acto como exclusão da ilicitude:



A aceitação do acto por parte do interessado não equivale a uma convalidação do acto administrativo, pois o acto administrativo permanece tal qual era antes do assentimento do interessado, estando ainda ao alcance do poder de impugnação por parte de outros interessados.

A aceitação do acto por parte do interessado exprime a adesão deste à disciplina fixada num acto administrativo, na concordância da disciplina desfavorável ao seu interesse material, independentemente da sua conformidade à lei. Assim sendo, o efeito da aceitação é preclusivo, pois esta constitui um facto incompatível com o exercício do poder de impugnar. Se o interessado aceita não faz sentido que depois venha a impugnar o acto, seria contraditório.

Esta aceitação do acto administrativo vai implicar no seio da responsabilidade civil da administração por danos provocados por actos ilegais, uma causa de exclusão da ilicitude.



Quanto ao segundo pressuposto da responsabilidade: Culpa:



A culpa define o nexo existente entre o acto ilícito e a vontade do autor. É o elemento subjectivo da responsabilidade.

Agir com culpa implica reprovação e censura da conduta por parte do direito.

O artigo 10º do RRCEEP estabelece em que termos a culpa é apreciada. Assim sendo, a culpa deve ser apreciada pela ‘’diligência e aptidão que seja razoável exigir’’ e em ‘’função das circunstâncias de cada caso’’, a um agente zeloso e cumpridor.

Nós temos que atender ao caso concreto em si e ainda às qualidades pessoais do agente, devendo apreciar-se a sua diligência no âmbito da sua qualidade de titular de órgão que praticou o acto ilegal causador dos danos.  Para além de que não nos podemos esquecer que a qualidade de titular de um órgão gera expectativas em terceiros de que ele age com a diligência que é suposto e exigível, tendo em conta a sua aptidão para o exercício de funções que desempenha.



A ‘’culpa do serviço’’:



A culpa do serviço é uma ficção jurídica criada e que se recorre nas hipóteses em que não é possível identificar o autor material do acto lesivo.

Estão em causa situações reveladoras de um funcionamento defeituoso dos serviços, seja por mau funcionamento ou por falta deste.

Segundo o artigo 7 º n.º3 do RRCEEP, o Estado e as demais pessoas colectivas públicas continuam a ser responsáveis pelos danos mesmo quando não seja possível provar a autoria pessoal da acção ou omissão. O que significa que a responsabilidade permanece mesmo quando não haja um agente determinado.



Presunções de culpa:



É ao lesado que cumpre a prova da culpa do autor dos danos, uma vez que é elemento constitutivo da responsabilidade que fundamenta o direito à indeminização.

Para facilitar este encargo a lei estabelece presunções de culpa, é o caso do artigo 10º n.º2 e n.º3, em que se presume a existência de culpa leva na prática de actos jurídicos ilícitos e também sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância.

Estas presunções liberam o lesado do facto presumido, no entanto elas podem ser afastadas, pois são ilidíveis, não são presunções absolutas, apenas facilitam o lesado de provar a culpa do lesante.

Com a presunção não se elimina o requisito da culpa, mas liberta-se o lesado do ónus da sua prova.

A culpa será sempre dos titulares de órgãos, funcionários e agentes públicos, como estabelece o artigo 10º.



Cont.

A indagação da culpa é referida à violação da lei, à ilicitude do acto ou facto que originou os danos.

Não é suficiente a mera ilegalidade para se poder inferir culpa, e isto porque por um lado, é a ilegalidade substantiva que é relevante para a responsabilização da administração, dado que visam tutelar a posição do lesado e por outro lado, é necessário que as normas violados sejam precisas e inequívocas, que não levantem dúvidas quanto à sua aplicação e interpretação, pois a culpa existe quando as disposições são interpretadas de forma manifestamente errada.



Quanto ao terceiro pressuposto: Dano:



O dano é a lesão a um direito subjectivo ou interesse legalmente protegido que afecta o particular.

É fundamento e limite da obrigação de indemnizar, pois só há indemnização se houver dano, até porque a função de reparação está subjacente á responsabilidade.

O dano deve considerar-se indemnizável quando se incluir no escopo de protecção da norma violada, quer de forma directa, indirecta ou instrumental. Sendo ainda necessário que o dano seja produzido em realização do risco que a norma violada visava prevenir.



Quanto ao nexo de causalidade:



O nexo causal é uma relação entre o acto lesivo e o dano. Os danos resultantes do acto ilícito só serão indemnizáveis se constituírem consequência desse acto.

O acto lesivo é o acto administrativo no seu todo, não a ilegalidade isoladamente considerada, pois é todo o acto que é ilícito, e não apenas alguns dos seus elementos.

O critério que costuma ser utilizado para aferir quais os danos que devem ser reparados é o da causalidade adequada, ou seja, o acto tem que ser causa adequada desse dano.



É obrigatória indemnização quando haja dano e que o facto ilícito tenha causado um prejuízo a outrem, sendo para isso necessário que todos os pressupostos que determinam a aplicação da responsabilidade civil da administração por actos ilegais estejam preenchidos.








O direito de acesso aos tribunais administrativos

O direito de acesso aos tribunais administrativos
O Princípio da tutela jurisdicional efectiva


O artigo 20º da nossa CRP garante aos cidadãos direito de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. O direito à protecção judicial é ainda reforçado, ao nível constitucional, determinando a obrigatoriedade das sentenças para todas as autoridades e a imposição de legislação que garanta a sua execução efectiva.

O Princípio da tutela jurisdicional efectiva em matéria administrativa artigo 268º/4 e seguintes da CRP e artigo 2º n.º 2 do CPTA. Esta tutela efectiva concretiza-se pela disponibilidade de acções ou meios principais adequados e também no plano cautelar e executivo.
É principalmente neste princípio que se demarca o “ novo” Contencioso, visto que o anterior era ancorado no clássico recurso contencioso de anulação e destinado à mera defesa da legalidade, passamos assim a ter um contencioso de plena jurisdição proporcionando a mais efectiva tutela a quem quer que se lhe dirija. O Ministério Publico deste modo passou a ter um papel mais relevante tal como as entidades públicas, as associações civis e os próprios cidadãos.

A tutela jurisdicional efectiva acaba por tutelar posições subjectivas dos interessados fazendo assim uma correspondência entre o direito ou interesse legalmente protegido do particular e o meio adequado de defesa em juízo.

No que respeita ao art.55º /1 a) do CPTA, existe uma clivagem doutrinária no que toca à interpretação deste artigo, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA sustenta dever ser adoptada uma visão mais objectivista. Assim sendo, não só é legítimo o autor que tem um direito a defender, como também o é aquele que tem um interesse legalmente protegido e que vê esse mesmo interesse ser prejudicado por um acto administrativo. O Sr. Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, por sua vez, defende uma solução subjectivista, afirmando que, para ser parte legítima, deve o autor ser titular de uma situação de vantagem, atribuída por um direito subjectivo, que é lesada ou susceptível de ser lesada com um acto administrativo, não se tutelando, segundo esta doutrina, meros interesses de facto.

Perante as dificuldades interpretativas deste normativo, há quem elabore um re-tratamento hermenêutico e valorativo da sua interpretação, nos seguintes termos:
i) a postura subjectivista na interpretação do art. 55º/1-a) não deve provocar uma subalternização do princípio da legalidade;
ii) adopte-se uma ou outra perspectiva, o direito de acesso à justiça administrativa e o princípio da tutela jurisdicional efectiva não devem ser postos em causa.


Procedimento Cautelar


          Após a reforma do contencioso administrativo, quem se dirige as instâncias administrativas em busca de tutela jurisdicional, pode também requerer uma providência que tenha por fim acautelar o efeito útil da decisão do pedido principal, enquanto este (de cariz declarativo) estiver pendente, tenta assegurar-se assim que a sentença que venha a por termo ao processo possa vir a executar-se e não venha a ser uma «declaração de direito meramente platónica», inexequível. Esta novidade advém da efetiva transposição para o nosso contencioso administrativo, do princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, plasmado no art.º 20º da Constituição da República Portuguesa, dando-se assim cumprimento ao previsto no art.º 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa.


Características


         Em primeiro lugar cabe salientar o seu carácter instrumental ou acessório, nº 1 do art.º 113º do CPTA, traduzido na sua dependência quanto ao processo principal, ainda que este não tenha sido intentado. Como consequência desta característica temos que este processo perderá a sua eficácia apos a prolação da sentença no processo principal, vindo por isso a caducar, art.º 123º, nº 1, alíneas c) e e). Compreende-se assim que tenha de se desatender à pretensão, no caso de o circunstancialismo factual relatado no requerimento da providência cautelar não compreender ou aludir à causa de pedir que se invoca na acção principal. Outra das consequências desta instrumentalidade é a possibilidade de se vir a obter uma vantagem superior, através do decretamento da providência, à que resultaria do


      Como segunda característica, temos a provisoriedade, consequentemente confere-lhe, a redação do art.º 124º, a possibilidade de ser modificada, substituída ou revogada na pendencia da causa principal, caso se hajam alterado as circunstâncias de facto que a motivaram.


      A terceira característica é a sumariedade, art.º 120º, servindo para expressar o tipo de cognição superficial que é suposto verificar-se, obedecendo aos critérios que o art.º 120º define, quanto ao preenchimento dos requisitos do periculum in mora e do fumus bonus iuris, relativamente à situação jurídica invocada, esperando-se, em síntese, do julgador, que fundamente a decisão de índole cautelar num mero juízo de verosimilhança quanto à existência do direito objecto de alegação.


       Finalmente, temos como traço típico a urgência na sua tramitação, arts. 113º, nº 2 e 36º, nºs, alínea e) e 2, podendo retirar-se a mesma conclusão dos arts 118º e 119º.



Inovações


        Grande amplitude substancial de medidas cautelares, adveniente do direito à tutela judicial efectiva dos arts 20.º e 268.º n.º 4 que veio abrir “portas’’ a este processo. Esta inovação caracteriza-se pelo facto de para além das providências cautelares especificadas no código de processo civil, serem ainda legítimas outras, não tipificadas na lei, apenas tendo de se mostrar adequadas a assegurar a utilidade do pedido principal, art.º 112º, nº 1. Não existem quaisquer limitações que não sejam as que decorrem da natureza e função das providências cautelares e do princípio da separação de poderes.


     Há assim hoje em dia a possibilidade de adoptar quaisquer medidas cautelares, mesmo que não nomeadas nem de curso adjectivo concretamente individualizado na lei.



       Enunciação exemplificativa, aferindo-a, passando pela letra do art. 112, nº 2, onde nos apercebemo que comporta toda uma vasta gama de providências cautelares, que podem ir até à intimação da Administração a realizar prestações de fazer ou não fazer, de pagar, ou de dar, e que designadamente podem incluir a intimação, que é como quem diz a condenação, da Administração, a não praticar um acto administrativo, etc".



       Processo uniforme para a generalidade das providências. Todas elas devem ser desde logo formuladas em requerimento próprio, cujos requisitos externos (isto é, a identificação da entidade demandada e dos contra-interessados a quem a adopção da providência em concreto possa directamente prejudicar, art. 114, nº 3, alineas c) e d)) são detalhadamente elencados; regulando-se, a seguir, a respeito da eventual dificuldade de acesso à identificação dos contra-interessados, um sistema garantístico do direito à informação procedimental, art.º 115º, podendo até desencadear na intimação da autoridade requerida; restringindo-se o proferimento de despacho liminar a situações extremas de manifesta falta de fundamento material de pretensão ou à detecção de excepções dilatórias insupríveis, de conhecimento oficioso, art.º 116º; regulando-se a citação dos contra-interessados, art.º 117º; e estabelecendo-se uma organização comum relativa à produção e eficácia da prova, no qual se destaca, o efeito típico da revelia, inexistindo oposição.

Contudo ressalvam-se alguns casos isolados concretamente enunciados, de que é exemplo Desse a suspensão de eficácia de actos administrativos (arts 128.º e 129.º).



       Aditamento de duas novas providências cautelares tipificadas, reguladas nos arts 132º e 133º, justificando-se esta adição pela especificidade das relações jurídico-administrativas em causa, as relativas à apreciação dos vícios dos actos administrativos relativos à formação de contratos e à “regulação provisória do pagamento de quantias ".

Quanto á primeira relação, este procedimento aplica-se independentemente da natureza do contrato e dos sujeitos que o celebram, sendo apenas exigido, que os procedimentos contratuais sejam de direito público, nº 2, art.º 132º.

Pode justificar-se, neste domínio, para além de uma providência de cariz meramente correctivo da ilegalidade, a suspensão do procedimento de formação contratual, nº 1, art.º132º.


Relativamente à concreta e específica tramitação remete o n.º 3 do preceito supracitado, para o procedimento comum dos arts 114.º e seguintes, com as ressalvas logo enunciadas nos nºs seguintes do artigo.



     Poder de adequação material do tribunal, nos termos do art.º 120º, nº 3, temos como inovação a faculdade de o juiz modelar os contornos da providência concretamente requerida, ou mesmo de a configurar diversamente, desde que a desejada tutela se revele mais eficazmente assegurada através desse meio, reunidos que se mostrem os respectivos pressupostos processuais.

Trata-se de uma novidade que cria alguma discussão, pela dúvida quanto a saber se poderá ser decretada outra qualquer providência que seja mais lesiva do interesse público, nada se opondo, naturalmente, em caso de menor lesão, por ainda se compreender a solução do julgador, no âmbito do que foi pedido.



     Livre cumulação de pretensões cautelares (112.º n.º 1 e 120.º 3).Trazendo a colação os art.ºs 4.º, 5.º e 21.º e consoante as necessidades de cada caso, faculta-te esta possibilidade ao juiz, nos uso dos referidos poderes de conformação do art 120º, nº 3, desde que seja adequado à protecção dos interesses do requerente, sem particular agravamento para os demais interesses conflituantes, públicos ou privados.



    Possibilidade de dedução do requerimento da providência cautelar, também, na pendência do processo principal, tal como depois de intentado o processo principal. Dá-se assim a faculdade de desencadear o processo cautelar na pendência do processo dominante, até que ocorra caducidade, com o respectivo trânsito em julgado, art.º 123º, nº 1, alínea f).



      Convolação do processo cautelar em processo principal, isto é, assiste-se, no art.º 121º, n.º 1 à possibilidade de o tribunal antecipar, definitivamente, no processo cautelar, a decisão sobre o mérito da causa, como que transformando a tutela cautelar em tutela final urgente, nas situações excepcionais em que, por manifesta urgência na resolução definitiva do caso, sobretudo por alteração das circunstâncias de facto, se não compadeça, aquele, com o mero decretamento provisório da providência requerida.
Esta possibilidade é admitida desde que o tribunal considere, com base apenas num exercício sumário, mas suficientemente claro de apreciação das circunstâncias de facto definidas e da pertinente aplicação do mérito, ouvidas as partes, em condições de estabelecer o quadro final essencial de aplicação do direito que é peticionado na acção principal; já não se, porventura, puder ainda figurar-se, nesse processo, mediante a produção de outras provas, a alteração sensível da base factual e, consequentemente, da incidência de diferente regime de aplicação do direito, hipótese em que, então, deverá ser observado o critério legal que consta do art.º 120.º, sem prejuízo, caso se mostre ainda evidente a procedência da pretensão principal, do recurso excepcional ao mecanismo do n.º 1, alínea a) do referido preceito.



       Decretamento provisório da própria providência cautelar, art.º 131.º, ou seja, abre-se a possibilidade, de um célere regime de decretamento provisório da providência - 48 horas - de aplicação não tipificada mas subordinado, para além da tutela de direitos fundamentais, também a "situações de especial urgência", com o intuito de se evitar o periculum in mora do próprio processo cautelar. Este periculum in mora, é mais exigente do que o que consta do art. 120º nº1, alineas b) e c), a produção de uma primeira decisão provisoria, bastará sobre o mérito.

Este decretamento tem de ser quase imediato, sob pena de se esgotar o interesse da própria pretensão principal.

A Suspensão do Prazo para a Impugnação Judicial de Atos Administrativos


A revisão constitucional de 1997 determinou a consagração expressa do direito à tutela jurisdicional efetiva dos administrados[1], não obstante este direito já se encontrasse previsto, em termos amplos, no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), o qual garantia já a todos os cidadãos o acesso ao Direito e aos tribunais, bem como o direito a um processo célere e equitativo.
A necessidade de consagração, em particular, da tutela jurisdicional efetiva dos administrados encontra justificação, segundo a doutrina, no facto de, tradicionalmente entre nós, a lei reconduzir a efetivação dessa tutela à utilização de meios processuais próprios, atribuídos à competência de uma ordem jurisdicional específica, a jurisdição administrativa.
Reconhece-se agora, especificamente, a todos os cidadãos que vejam os seus direitos ou interesses legalmente protegidos ser por alguma forma lesados, por via de atos administrativos ilegais, independentemente da sua forma, a possibilidade de impugnar judicialmente a validade desses mesmos atos. Conforme afirmam Jorge Miranda e Rui Medeiros, esta “garantia (de impugnação judicial dos atos administrativos) vale em relação a todo e qualquer ato administrativo, independentemente da entidade que o pratique ou do contexto procedimental em que ele seja produzido: basta que um ato seja passível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos, para que esse ato possa ser objecto de impugnação contenciosa”.
Dispõe o artigo 51.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA) que, “são impugnáveis os atos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos”. A impugnabilidade consubstancia, assim, o primeiro pressuposto processual da impugnação de um ato administrativo, a que se associa, desde logo, o requisito da legitimidade, intimamente conectado com o interesse em agir[2].
O princípio da segurança jurídica autoriza, no entanto, que, nalgumas situações, o princípio do acesso aos tribunais, bem como o princípio da tutela jurisdicional efetiva, estejam condicionados pela atuação do particular, e mesmo do Ministério Público, num determinado tempo, de modo a não deixar perpetuar situações de incerteza quanto à legalidade e estabilidade do quadro jurídico aplicável.
Nestes termos, a propósito do requisito da tempestividade da impugnação judicial, prevê o artigo 58.º do CPTA, estabelecendo a distinção entre os atos nulos e os atos anuláveis, que os primeiros podem ser impugnados a todo o tempo e os segundo apenas num prazo de um ano, quando a impugnação for promovida pelo Ministério Público, ou no prazo de três meses, quando a impugnação for promovida pelos demais sujeitos com legitimidade para o fazer.
Quanto ao modo de contar o prazo para a impugnação judicial dos atos administrativos anuláveis, é o próprio CPTA que remete, no n.º 3 do artigo 58.º, para as regras previstas no Código de Processo Civil (CPC), mandado aplicar os prazos de impugnação dos atos administrativos, o regime disposto no CPC para a propositura de ações.
Tratando-se embora aqui de um prazo substantivo (de caducidade), fica o mesmo sujeito, por determinação legal, a um regime de contagem caracterizado pela continuidade dos prazos e pela sua suspensão em férias judiciais, salvo se tratar de prazos iguais ou superiores a seis meses ou se se estiver perante processos que a lei considere urgentes.
Existem, no entanto, duas excepções a este regime de contagem dos prazos de impugnação judicial dos atos administrativos: a suspensão e a interrupção do prazo de impugnação judicial dos atos administrativos.


I. A suspensão e a interrupção do prazo de impugnação judicial dos atos administrativos
Do princípio da continuidade dos prazos judiciais (salvo no caso das férias judiciais) previsto no CPTA, excepcionam-se duas situações particulares  que permitem que o prazo de impugnação judicial dos atos administrativos anuláveis se possa estender para além dos três meses, seja através da suspensão, seja através da interrupção do referido prazo.
Assim, nos termos do n.º 4 do artigo 59.º do CPTA, pode ler-se que “a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal”.
Por outro lado, nos termos do n.º 3 do artigo 60.º do CPTA, aplicável a casos de notificações deficientes de atos administrativos impugnáveis, prevê-se que, “a apresentação, no prazo de 30 dias, de requerimento dirigido ao autor do ato, ao abrigo do disposto no número anterior, interrompe o prazo de impugnação, mantendo-se a interrupção se vier a ser pedida a intimação judicial a que se refere o mesmo número”.
Neste breve trabalho iremos apenas abordar a situação de suspensão do prazo de impugnação judicial dos atos administrativos.


II. A utilização de meios de impugnação administrativa e a suspensão de prazo de impugnação judicial
Dispõe o n.º 4 do artigo 59.º do CPTA, como se viu, que, “a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal” (ou seja, em regra, em 30 dias úteis, nos termos dos artigos 165.º e 175.º do Código do Procedimento Administrativo).
A inclusão de uma norma como a prevista no n.º4 do artigo 59.º no CPTA tem, assim, na sua génese, um objetivo claramente perceptível, no sentido de promover e recomendar o recurso por parte dos particulares aos meios de impugnação administrativa (sejam reclamações, sejam recursos administrativos), procurando, desta forma, resolver os litígios, emergentes da aprovação de atos administrativos, intra Administração, evitando e adiando tanto quanto possível o recurso aos tribunais administrativos.
Importa esclarecer se a decisão de rejeição de um recurso administrativo por falta de preenchimento dos pressupostos procedimentais, nos termos do artigo 173.º do CPA, é de molde a afastar a aplicação do n.º4 do artigo 59.º do CPTA, ou se, pelo contrário, esta norma, se aplica sempre que (e desde que) o particular utilize efetivamente os meios de impugnação administrativa, independentemente do resultado da decisão que venha a ser tomada, e mesmo que o recurso venha a ser rejeitado sem dar lugar a uma apreciação do mérito do mesmo.
A questão da rejeição das impugnações administrativas é, assim, a questão mais relevante, no que concerne à amplitude da referida norma, já que, quando o órgão administrativo competente profere, efetivamente, uma decisão de mérito no sentido de indeferimento da pretensão do administrado parece não se levantar quaisquer problemas quanto à aplicação do referido dispositivo legal.
Importa dizer que numa leitura meramente literal do n.º4 do artigo 59.º do CPTA, que faz referencia à “notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa”, poderia ser-se levado a pensar que apenas uma decisão de mérito é uma verdadeira decisão, tanto mais que apenas o artigo 174.º do CPA (relativo às decisões de mérito) tem a palavra “decisão” na epígrafe, enquanto o artigo 173.º do CPA, relativo a casos em que não há uma decisão de mérito, usa as palavras “rejeição do recurso” na respectiva epígrafe.
Com efeito, nos termos do artigo 173.º do CPA, os recursos devem ser rejeitados quando hajam sido interpostos para o órgão incompetente, não sejam susceptíveis de impugnação, o recorrente careça de legitimidade, o recurso haja sido interposto fora do prazo ou quando ocorra qualquer outra causa que obste ao seu conhecimento. Tratam-se, pois, aí, de situações em que não há uma decisão da Administração que tem lugar numa fase preliminar à apreciação material, distinção que pode levar a entender não se estar aqui no âmbito das situações previstas pelo legislador no n.º4 do artigo 59.º do CPTA.
Não parece, no entanto, que este elemento literal seja determinante, tanto mais que o n.4 do artigo 59.º do CPTA também encontra o seu campo de aplicação no caso em que não exista qualquer decisão (seja de mérito, seja de rejeição do recurso), desde que passe o prazo legal para a Administração se pronunciar sobre a impugnação administrativa.
Com efeito, crê-se que a decisão de rejeição do recurso, prevista no artigo 173.º do CPA, é ainda uma decisão, sendo inclusivamente uma decisão impugnável, pelo que se defende que o n.º4 do artigo 59.º do CPTA quando se reporta à “notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa”, também abrange os casos em que essa decisão é uma decisão de rejeição da impugnação administrativa.
Como decorre da própria interpretação do enunciado da norma, o que suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo é “a utilização de meios de impugnação administrativa”, independentemente do resultado que essa utilização vier a merecer.
Do mesmo modo, é ainda o próprio enunciado da norma que deixa claro que, fora dos casos em que transcorreu o prazo legal de decisão, é “a decisão proferida sobre a impugnação administrativa” (independentemente do sentido dessa mesma decisão, que pode ser de rejeição do recurso) que determina o final da suspensão do prazo para a impugnação contenciosa.
Refira-se que, não somente o elemento literal aponta no sentido de que a aplicação do n.º4 do artigo 59.º do CPTA depende exclusivamente da “utilização de meios de impugnação administrativa” e não do sucesso ou insucesso que essa utilização venha a ter, como também os elementos teleológico e histórico militam no mesmo sentido.
No que respeita ao elemento teleológico, esta norma visa essencialmente a promoção da resolução não judicial dos eventuais conflitos que possam surgir entre a Administração e os administrados.
Quanto ao elemento histórico, referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, a propósito desta norma, que, o n.º4 do artigo 59.º “modifica este regime jurídico (regra existente antes do CPTA, segundo a qual a interposição do recurso hierárquico facultativo não suspendia o prazo para o recurso contencioso), ao estatuir que a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação de uma decisão expressa proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do prazo legalmente estipulado para decidir (esse prazo é, em geral, de 30 dias úteis – artigos 165.º e 175.º do CPA)”.
Esta é, assim, uma norma marcadamente garantística do particular que pretenda impugnar um ato administrativo. A norma em causa apenas poderá cumprir o seu objectivo se a suspensão do prazo para a impugnação contenciosa for independente do resultado da impugnação administrativa.
A valer a interpretação contrária, ficaria completamente inviabilizado o desígnio procurado pelo legislador ao estabelecer uma norma como a que se encontra no n.º4 do artigo 59.º do CPTA, já que a incerteza relativa ao quadro legislativo aplicável, associada à ainda maior incerteza relativa ao sentido da decisão da entidade administrativa, implicariam que a opção de utilizar meios de impugnação administrativa fosse demasiado arriscada, podendo levar que o particular viesse a final a “perder” o prazo para a impugnação contenciosa, por estar dependente do teor da decisão administrativa para saber se o prazo da impugnação contenciosa havia ou não ficado suspenso.
Com efeito, se a efetiva suspensão do prazo para a impugnação contenciosa só fosse conhecida com a decisão da impugnação administrativa, estando dependente, não apenas da utilização de meios de impugnação administrativa, mas também do sentido da decisão dessa mesma impugnação, então perdia qualquer utilidade prática,         antes instalando uma intolerável incerteza e insegurança relativamente à suspensão ou não do prazo para a impugnação contenciosa, que, em vez de ficar nas mãos do particular que decidisse usar essa possibilidade, acabava por ficar nas mãos da entidade administrativa[3], numa altura em que o prazo para a impugnação contenciosa já poderia ter expirado, circunstância que afecta de modo muito relevante o princípio da tutela jurisdicional efetiva e da segurança jurídica.
Não acompanhamos a posição de Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, quando afirmam que, para fazer operar a suspensão do prazo prevista no n.º4 do artigo 59.º do CPTA, é preciso que se esteja perante uma verdadeira impugnação e que a impugnação administrativa tenha sido tempestivamente deduzida.
Com efeito, não só defendemos que, de acordo com a redação atual do n.º4 do artigo 59.º do CPTA, a suspensão do prazo de impugnação não pode ficar dependente da decisão de recurso, qualquer que seja, como também não compreendemos quais os motivos que levaram estes autores a estabelecer in limine aquele diferenciação, entre motivos de rejeição da impugnação administrativa, que inviabilizariam o efeito suspensivo previsto no n.º4 do artigo 59.º e motivos de rejeição que não inviabilizariam ainda assim aquele efeito.
A este propósito, importa referir a recente posição assumida pelo STA sobre esta matéria, em acórdão datado de 16 de Abril de 2008 (Proc. 0743/07). O STA discorda, assim, “da ideia que a utilização de meios de impugnação contenciosa suspende sempre o prazo de impugnação contenciosa. Neste ponto consideramos que, sob pena de a reação administrativa degenerar em mero expediente para obter a dilação injustificada do prazo de impugnação contenciosa, o efeito suspensivo previsto no artigo 59.º/4 do CPTA, não ocorre”.
Face ao exposto, não se acompanha esta posição do STA, ainda que se possa retirar da mesma que, nos casos em que o meio de impugnação administrativa estiver legalmente previsto, mas a impugnação tiver sido apresentada intempestivamente (por haver prazo especial de impugnação mais curto do que os três meses, tal situação seria porventura aceite pelo STA).
Ainda assim, crê-se que uma correta aplicação do princípio da proporcionalidade não permitirá que, para evitar o risco de eventuais comportamentos dilatórios, se inviabilize a impugnação judicial das decisões administrativas, pondo em causa o princípio da tutela jurisdicional efetiva.
A situação torna-se particularmente grave nos casos em que o particular tenha lançado mão de um recurso abstratamente existente, que o tenha feito no prazo-regra previsto no CPA e que seja surpreendido pela existência de um prazo de impugnação administrativa mais curto, previsto em lei especial, que este desconhecesse.
Importa referir que não se desconhece, naturalmente, que a suspensão automática do prazo de impugnação judicial dos atos administrativos pelo mero uso dos meios de impugnação administrativa, independentemente da decisão que daí resulte poderá dar azo a alguns abusos, com intuito meramente dilatórios.
Com efeito, será possível apresentar impugnações administrativas fora do prazo (pense-se por exemplo em reclamações apresentadas fora do prazo de 15 dias previstos no artigo 162.º do CPA ou em recursos hierárquicos com prazos mais curtos do que o previsto no n.º 2 do artigo 168.º do CPA) ou mesmo apresentar recursos administrativos que não sejam aplicáveis ao caso concreto, tudo com o intuito de assim prolongar o prazo para a impugnação judicial do ato administrativo[4].
Diga-se ainda que o máximo de suspensão do prazo de impugnação judicial dos atos administrativos que o particular conseguirá obter é de 30 dias úteis, na medida em que é esse, em regra, o prazo legal para a decisão das impugnações administrativas, nos termos do artigo 165.º e 175.º do CPA, findo qual a impugnação administrativa se tem por tacitamente indeferida, implicando o termo do período de suspensão do prazo para a impugnação judicial do ato em causa, tudo de acordo com o n.º 4 do artigo 59.º do CPTA. Entende-se que a suspensão do prazo termina com a decisão de indeferimento expresso ou com o termo do prazo legal de resposta, qual deles ocorra primeiro, pelo que se a Administração indeferir expressamente o pedido passados mais do que 30 dias úteis, tal não terá reflexos no prazo de impugnação, que deixou de estar suspenso quando passaram os 30 dias da apresentação do recurso. Esta decisão de indeferimento expresso do recurso não é, de resto, em regra, um ato impugnável, por ser um ato meramente confirmativo.
Neste contexto, e face ao exposto, conclui-se estarmos aqui, claramente, perante uma situação de conflito e de ponderação de valores e bens jurídicos, tendo, de um lado, o bem jurídico da segurança e da tutela das expectativas dos particulares, confiantes no facto de a utilização dos meios de impugnação administrativa implicar (por si só) a suspensão do prazo para a impugnação judicial do mesmo ato e assim incentivados a procurarem resolver o litígio através dos meios de impugnação administrativa e, do outro lado, o bem jurídico da adequada, célere e não abusiva utilização dos meios procedimentais e processuais.
Do mesmo modo, mas na perspectiva inversa, encontramos, de um lado a insegurança e a eventual falácia de uma suposta suspensão do prazo a final colocada nas mãos da Administração e do outro o potencial abuso que os mecanismos como este sempre deixam aos administrados, diferindo, ainda que limitadamente, os prazos legais de utilização dos meios judiciais.
Convocando o princípio da proporcionalidade, o princípio do favorecimento do processo e o princípio pro actione, conclui-se que a leitura garantística da norma prevista no n.º4 do artigo 59.º do CPTA é a que melhor se adapta ao intuito com que o preceito foi criado, evitando uma corrida para os tribunais, sob pena da “ditadura” do prazo de impugnação judicial.
Acrescenta-se que, é a incerteza do quadro jurídico traçado pelo teor do n.º4 do artigo 59.º do CPTA que pode deixar margem para que se possa defender (ainda que assim sem razão), que a rejeição da impugnação administrativa ou a utilização de uma impugnação administrativa não legalmente admitida in casu não determina a suspensão do prazo de impugnação judicial dos atos administrativos.

Face ao exposto, e tendo em consideração a incerteza do quadro jurídico, crê-se ser oportuno sugerir algumas formas de evitar ou, pelo menos, contrariar esta possível utilização abusiva dos meios de impugnação administrativa com o único fito de procurar obter uma “moratória” quanto ao prazo de impugnação judicial do mesmo ato, garantindo a certeza da atuação da Administração e evitando a constituição, para os particulares, de situações de intolerável indeterminação.
Assim, em primeiro lugar, a maior diligência da Administração na apreciação forma das impugnações administrativas, rejeitando com rapidez aquelas que não preencham os requisitos que lhes permitam ser objecto de uma decisão de mérito poderá reduzir, em muito, o período de suspensão do prazo de impugnação judicial, de modo a que deixe de valer a pena usar este mecanismo com efeitos meramente dilatórios.
Por outro lado, deveria passar a exigir-se, tal como sucede na alínea c) do n.º1 do artigo 68.º do CPA, que, da notificação do ato constasse menção obrigatória ao órgão competente para apreciar a impugnação administrativa, bem como ao prazo da mesma ,mesmo no caso de impugnações administrativas facultativas e não somente no caso de impugnações administrativas obrigatórias.
Com efeito, nessa hipótese, tendo sido dada aos particulares indicação exata do prazo e do órgão para o qual poderá ser dirigida impugnação administrativa, qualquer erro nesta matéria que viesse a conduzir à rejeição do recurso deixaria de ser desculpável, deixando então de haver quaisquer legítimas expectativas jurídicas a tutelar.
Crê-se que só assim se conseguirá uma composição adequada dos diversos interesses envolvidos, evitando que a utilização dos meios de impugnação administrativa, recomendada pelo legislador, se torne, ao fim e ao cabo, num exercício demasiado arriscado para os particulares.




[1] Nos termos do n.º4 do artigo 268.º da Constituição, estabelece-se que, “é garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem,, independentemente da sua forma, a determinação da prática dos atos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.
[2] Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2007, pág. 306.
[3] Naturalmente que, em última instância, fica dependente do cumprimento ou não da lei aplicável relativamente àquela impugnação administrativa em concreto, mas a verdade é que quando o particular se vê confrontado com a decisão administrativa que aplica o quadro legal em vigor, pode já ser tarde para lançar mão dos meios de impugnação contenciosa, no caso de não se aceitar a suspensão do respectivo prazo até à decisão da impugnação administrativa.
[4] Note-se, no entanto, que o intuito manifestamente dilatório também pode ser obtido através da utilização de meios de impugnação administrativa que preencham todos os pressupostos de modo a obterem uma decisão de mérito mas que, tendo em conta a sua insuficiente fundamentação, estejam condenados à partida a ser indeferidos tendo apenas o propósito de permitir “ganhar” tempo para melhor preparar a petição inicial da ação administrativa especial. O mesmo acontecerá no caso de reclamações ou de recursos tacitamente indeferidos pelo decurso do prazo legal.


Execução de sentenças de anulação de actos administrativos





De acordo com o disposto no art.4º/1 do CPC as acções dividem-se entre acções declarativas e acções executivas, sendo que, para a análise a que aqui se vai proceder importa atentar apenas às primeiras que, por sua vez, se subdividem em acções de simples apreciação – art.4º/2, al. a) -, acções de condenação – art.4º/2, al. b) - e, por último, acções constitutivas – art.4º/2, al. c), sendo que, nesta exposição iremos apreciar o caso da execução de sentenças de anulação de actos administrativos e não mais.



Só com a Reforma do contencioso Administrativo é que se consagrou o poder de os Tribunais Administrativos adoptarem verdadeiras providências de execução das suas decisões, pois não se previa, até aqui, nenhum verdadeiro processo executivo. Ainda que, uma vez obtida a anulação de um acto administrativo, fosse possível, em novo processo declarativo, pedir ao tribunal que decretou a anulação que se pronunciasse sobre o conteúdo dos actos que a Administração devia adoptar para extrair as devidas consequências da anulação, a verdade é que não era possível obter nenhuma providência de execução, destinada a conseguir que essas consequências fossem efectivamente extraídas.



Não é o que acontece nos nossos dias. O CPTA consagra agora especificamente o dever da Administração de executar as sentenças de anulação, conforma resulta do art.173º deste mesmo Diploma. Esta disposição terá aplicação quer se trate de uma situação de cumulação entre o pedido de anulação de actos Administrativos e pretensões dirigidas à prática de determinados actos e operações, quer se trate de um pedido autónomo depois da anulação do acto. Decorre do n.1 deste art.173º que quando se dê procedência ao processo de impugnação de acto Administrativo pode a Administração ficar vinculado numa de três coisas:

·         Reconstituição da situação anterior que existiria sem a prática do acto ilegal – é o chamado efeito repristinatório (art.173º/1 e art.95º/2);

·         Cumprimento dos deveres que não tenha cumprido durante a vigência do acto ilegal, pois este acto disso a dispensava;

·         Substituição do acto ilegal, claro está sem o/os seu/seus anterior/anteriores vício/vícios – efeito preclusivo.



Dir-se-á que o mecanismo da causa legítima de inexecução só funcionará em situações limite e não em regra, tendo em conta as dimensões declarativas  do processo e as potencialidades reconstrutivas por parte da Administração.

Antes de mais qualquer análise há que fazer referência ao art.174º que nos diz qual o órgão competente para esta execução, bem como ao art.175º que estabelece o lapso temporal em que o mesmo deve ser feito. Caso a aAdministração não cumpra o que lhe é imposto nestes termos, pode o interessado pedir a condenação da Administração a esse cumprimento – art.176º.



É claramente de louvar a opção do legislador em consagrar o mecanismo em causa, pois, no meu entender, tratou-se aqui de um reforço da garantia dos particulares, na medida em que a Administração pode não só ver os seus actos anulados, como é garantido, com celeridade, que as consequências desses actos são imputadas efectivamente e com justiça na Administração. Consagração desta lógica parece-me ser igualmente a solução de protecção de terceiros efectivada no art.173º/3 e 4; dispôs o legislador nestes dois artigos que, por um lado, podem os beneficiários de actos consequentes aos que foram ilicitamente praticados pela Administração ser indemnizados, nos termos do nº3 e, por outro lado, ver mesmo a sua situação reconstituída de acordo com o nº 4.





Em especial: art.173º nºs 3 e 4 - A questão que se coloca na análise destes dois artigos é saber como compatibilizar a aplicação dos mesmos, ou seja, saber quando se aplica um ou outro. A questão é que se consagram duas soluções diferentes, pois numa “apenas” se dá ao terceiro a possibilidade de ser indemnizado pelos danos que possa ter sofrido, desde que, esse beneficiário desconhecesse sem culpa que existiria um processo impugnatório a correr, caso contrário, ele teria tido oportunidade de defender os seus interesses em sede própria – art..57º -, enquanto no art.173º/4, o beneficiário mantém a sua situação, articulando-se o seu interesse com o interesse do sujeito que obteve a anulação do acto.



De acordo com uma interpretação literal de ambos os preceitos e conforme explica o ilustre professor Mário Aroso de Almeida, a diferença entre estes dois artigos reside no facto de o n.4 ser especial face ao n.3, no sentido de que se destina especificamente aos funcionários públicos, enquanto o n.3 se destina aos restantes funcionários, ou seja, em termos práticos enquanto na função pública, se a Administração demitir ilicitamente um seu funcionário e, em consequência de tal acto, contratar um novo funcionário para o posto que vagou, aquilo que acontece, nos termos do n.4 do artigo já referido, é que tratando-se de uma situação já constituída há mais de um ano, a anulação do acto administrativo não põe em causa a posição daquele terceiro investindo antes a Administração no dever de proceder a integração do funcionário lesado em categoria igual ou equivalente à que deveria ser colocado, ou quando isso não seja possível, integrá-lo em funções fora do quadro até à sua integração neste, sem nunca dispensar o novo funcionário.



Ora, com o devido respeito, cumpre-me discordar desta interpretação, pelo que proponho uma interpretação integrada do art.173º/3 e 4. Em que é que consiste esta interpretação e em que se baseia?



Em primeiro lugar, parece-me que a interpretação que é feita deste artigo não assegura de uma forma correcta o princípio da igualdade entre os cidadãos, designadamente, no que diz respeito ao seu tratamento pela Administração Pública. Como é sabido, tratando-se de funcionário público, ou não, os princípios inerentes à actuação Administrativa são aplicáveis a TODOS, daí que não faça sentido esta diferenciação, até porque, em caso algum, o artigo fala de funcionários públicos. Aquilo que deverá ser feito então é uma aplicação conjunta dos preceitos; assim, quando os beneficiários desconhecessem sem culpa a precariedade da sua situação, ou seja, quando não tenham tido oportunidade de defender os seus interesses, terão direito a ser indemnizados pelos danos que possam ter sofrido. No entanto, a sua situação jurídica não poderá ser posta em causa se esses danos forem de difícil ou impossível reparação e for manifesta a desproporção existente entre o seu interesse na manutenção da situação e o interesse na execução da sentença anulatória – art.173º/3. E como assegurar que essa situação não é posta em causa? A meu ver é aqui que deve integrar-se a aplicação do art.173º/4, ou seja, quando a situação posta ser posta em causa nos termos acima descritos e isso se traduza numa situação de incompatibilidade, já que os funcionários novos ocupam a função por via de um acto indevidamente praticado pela Administração, então a solução passará pela adopção da medida já supracitada consagrada no art.173º/4. Obviamente que não quero dizer com isto que derrogo a aplicação tradicional deste artigo. Entendo que ele é directamente aplicável aos funcionários públicos; só entendo que não deverá limitar-se a aplicação deste artigo a essa categoria. Embora com mais exigências, pois terá de ter por base a aplicação do n.3 do art.173º, este artigo dever-se-á aplicar aos restantes funcionários.




A aceitação do acto administrativo – Efeitos


        A questão que se coloca quanto aos efeitos da figura da aceitação do acto administrativo, prevista no artigo 56º do CPTA é sobretudo uma: será que este instituto se cinge meramente à simples preclusão do direito de impugnação? Isso é o que tentarei responder neste breve comentário, tendo em conta quer os efeitos substantivos, quer os efeitos processuais que decorrem da respectiva aceitação.
         No que toca aos efeitos substantivos, cabe desde já de salientar que a aceitação do acto administrativo (lesivo de um direito ou interesse) apenas produz efeitos em relação ao particular que o aceita, ficando excluídas outras pessoas que também tenham interesse neste. Deste modo, fixado fica a perda do direito de impugnação em relação a este, auto vinculando-se posteriormente a não agir em sentido contrário à sua posição inicial. De seguida, deve então proceder em conformidade com o conteúdo do acto de aceitação, sob pena de venire contra factum proprium, violando as expectativas da Administração e de terceiros interessados no acto. Em consequência, esta conjuntura leva que na prática se extinga o correspondente direito subjectivo ou interesse legítimo, com base no respeito do princípio da boa-fé, da protecção da confiança e da segurança jurídica. A verdade, é que podemos ser positivistas e achar excessivo a perda destas posições substantivas do sujeito, já que da própria lei apenas decorre a extinção do direito de impugnação. Todavia, não vejo razão para não se retirarem outros efeitos, nomeadamente o que foi referido precedentemente. Aliás, o próprio legislador não teria andado nada mal se o tivesse feito, esclarecido a natureza da aceitação em análise. Ora, como não o fez, cabe concretizar que devemos ter presente o princípio da proporcionalidade e afirmar que a aceitação deve implicar a restrição da posição jurídica substantiva na medida em que o acto administrativo aceite a prejudique e de modo a que o exercício do direito ou interesse seja contraditório com uma anterior aceitação.
         Urge equitativamente determinar, o momento em que a aceitação produz efeitos. Parece que pela pesquisa executada, a aceitação, produz efeitos desde o início da sua vigência, já que traduz um acolhimento não só dos efeitos que o acto produz no momento da aceitação, mas também com todos os que já produziu e que em condições normais venha a produzir. Se assim não fosse, o que ocorreria é que se estaria a frustrar os valores em cima defendidos, nomeadamente o princípio da boa-fé, ignorando o facto de estes tutelarem a positivação desta figura.
        Questão que ainda se coloca quanto a estes efeitos é de saber se com a aceitação teremos ou não a convalidação do conteúdo do acto administrativo? No fundo, se o vício que afecta o acto inválido é eliminado, de modo a que este possa ficar em conformidade com o Direito. A primeira posição que podemos ter em conta, demonstra que tal pode ocorrer, consolidando-se o acto na ordem jurídica, sendo tratado com válido. Tal orientação, só pode ser aceite quando a aceitação do acto se verifique por parte de todos os interessados, isto é se a sanação do acto tiver eficácia erga ommes. Ora, se tal não ocorrer, o que é provável, há sempre a probabilidade de alguém, nomeadamente o Ministério Público[1] e a Administração, de ainda o vir a impugnar, tornando-se este inválido. O primeiro, porque tem legitimidade processual ao abrigo dos artigos 9º, nº 2 e 62º do CPTA, a segunda porque pode proceder à revogação do acto com fundamento na sua invalidade (141º do CPTA) ou proceder à sua ratificação, reforma ou conversão (artigo 137º do CPTA). Logo é de concluir que é defensável que a aceitação nunca deve implicar uma convalidação, nem quanto ao conteúdo do acto, nem em relação aos seus efeitos e que o grau de estabilização que esta figura confere ao mesmo não é absoluto, mas sim relativo, devido ao facto de poder ser posto em causa. 
         No âmbito dos efeitos processuais, é de referir, sem sombra de dúvidas, a perda do direito de impugnação, já que é este que está expressamente previsto no artigo que consagra esta figura no CPTA. Em relação a esta realidade, é de verificar se a aceitação se pode reconduzir ao pressuposto do interesse em agir. Ao aceitar o acto, parece que o sujeito aceitante não tem qualquer interesse na sua impugnação. Todavia, já vimos que esta figura se reconduz a actos que apresentem um conteúdo favorável e desfavorável, o que demonstra que em relação aos últimos, o sujeito terá sempre necessidade de protecção judicial, havendo sempre um interesse em agir. Assim, não é de aceitar a recondução feita desta figura ao requisito negativo do interesse em agir, posição esta que não é corroborada por Vasco Pereira da Silva, que defende exactamente o contrário. Para além desta hipótese, a aceitação pode ainda ser reconduzida a um requisito negativo de legitimidade, pois esta vem positivada nos preceitos relativos a esta matéria e implica a perda do interesse no recurso. Todavia, o positivismo não deve mais uma vez prevalecer. É preciso ir mais longe e debruçar-nos sobre a essência da figura. Deste modo, esta deve ser considerada como um pressuposto processual autónomo, já que com ela exige-se que o recorrente não se encontre na situação de ter aceitado um acto, pois se o tiver feito já não o poderá impugnar. Aqui pelo que é perceptível, não se defende nem se exige que o recorrente se encontre numa determinada posição (situação de legitimidade, interesse em agir), bem antes pelo contrário.
         Nesta matéria, é ainda preciso responder se todos os meios de tutela que o ordenamento jurídico concedia ao titular aceitante são perdidos? Entende-se que sim e que para além da perda do direito de impugnação, também todos os meios processuais que sejam contraditórios com a aceitação, seguirão o mesmo caminho. A verdade, é que não se pode obter por outros meios o mesmo efeito que resultava da impugnação, sob pena de se estar a subverter a própria lei. Cabe desenvolver.
          A nível gracioso, o artigo 53º, nº 4 do CPA dá-nos a resposta: aquando da aceitação não se pode usar qualquer meio impugnatório, isto é, não se pode impugnar um acto nem pela via da reclamação, nem pela via dos recursos. Já no que diz respeito às garantias contenciosas, esta figura apesar de impedir o uso do meio processual da acção administrativa especial, relativa à impugnação de actos (artigo 46º, nº 2, alínea a) do CPTA, pode se estender aos restantes meios processuais. Como exemplo destaco a acção de condenação à prática do acto devido, a aceitação poderá ser importante nos casos em que haja uma recusa da pretensão do sujeito, o que poderá ocorrer com a prática de um acto expresso de indeferimento, ou então com a prática de um outro acto que não satisfaça a tal pretensão. Já nos casos de omissões administrativas, à partida, parece que não será relevante uma aceitação porque, como verificamos, a aceitação pressupõe a existência de um acto administrativo, o que decorre da expressão prevista no artigo 56º do CPTA, “acto praticado”. Mas, esta posição não pode ser acolhida assim, pois é de admitir a aceitação de actos tácitos, isto é, de condutas omissivas a que a lei atribui um valor jurídico. E quando tal acontece é como se existisse um acto administrativo para todos os efeitos. Por isso, diante de uma situação em que a omissão da actuação se reconduza a um acto tácito, considera-se ser relevante a aceitação.
          Realidade prática que ainda se coloca é a seguinte: se tivermos um acto desfavorável que é aceite por um sujeito, sendo tal acto impugnado por outro que se sente prejudicado, os efeitos de uma eventual sentença de anulação do acto, estendem-se ao sujeito aceitante? Só faz sentido colocar a questão nos casos em que a eficácia da sentença é erga ommes, visto que estando o sujeito aceitante impedido de impugnar o acto não poderia intervir como parte num processo de impugnação do acto aceite, razão pela qual, os efeitos das sentenças inter partes nunca se lhe poderiam aplicar, pelo que a aceitação também não os poderia afastar. Já em relação aos casos de sentenças com eficácia erga ommes, a aceitação não obsta a que tais efeitos incidam sobre o sujeito aceitante. Em primeiro lugar, porque a aceitação apenas impede este sujeito de agir em contrariedade com uma posição inicial. A extensão dos efeitos da sentença nestes casos não se configuraria como um comportamento contrário, porque tal extensão não dependeria de uma manifestação de vontade do sujeito, e como tal não haveria expectativas para tutelar. Em segundo lugar, porque os valores que estão subjacentes à consagração dos efeitos erga ommes que são a defesa da legalidade e a própria utilidade da sentença de anulação do acto, justificam os efeitos de tal anulação também se apliquem ao sujeito aceitante
      Para concluir, a aceitação é assim um acto jurídico, através do qual se revela uma manifestação de concordância com o conteúdo do acto, desde que este seja desfavorável e lesivo dos direitos do sujeito aceitante. Assim, extingue-se na esfera jurídica do sujeito, não só a possibilidade de impugnação do acto, mas igualmente o direito ou interesse lesado, o que contribui, sem sombra de dúvidas, para a estabilização dos efeitos do acto administrativo na ordem jurídica.



[1] Tem uma missão de defesa da legalidade da acção administrativa.


Bibliografia:


  • ALMEIDA, Mário Aroso de, "O Novo Regime dos Tribunais Administrativos", Almedina, 2005.
  • AMARAL, Diogo Freitas do, "Curso de Direito Administrativo", Volume II, Almedina, Coimbra, 2002.
  • ANDRADE, José Carlos Vieira de, "A Justiça Administrativa - Lições", Almedina, 2009.
  • ANDRADE, José Carlos Vieira de, "A Aceitação do Acto Administrativo", Boletim da Faculdade - Volume Comemorativo, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2003.
  • LUÍS, Sandra Lopes, "A Aceitação do acto administrativo", 2008, Tese de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas 
  • SILVA, Vasco Pereira da, "O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise", Almedina, 2005.
  • SILVA, Vasco Pereira da, "Em busca do Acto Administrativo Perdido", Almedina, Coimbra, 1996, páginas 458 a 624