domingo, 29 de abril de 2012

Os contra-interessados no Contencioso Administrativo


O Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) impõe que sejam obrigatoriamente demandados ao processo, os contra-interessados  quem o provimento do recurso possa directamente prejudicar ou que tenham um interesse legítimo na manutenção do acto impugnado e possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo, segundo o disposto no art. 57º, quanto à impugnação de actos administrativos e nos termos do art. 68º, nº2, relativamente à acção de condenação à prática de acto administrativo devido.
Estes são verdadeiros sujeitos de relações jurídicas administrativas multilaterais, que muitas vezes envolvem um conjunto mais ou menos alargado de pessoas cujos interesses são afectados pela conduta da Administração, mesmo não sendo os imediatos destinatários daquele acto. Esta produz decisões cujos efeitos podem lesar os interesses de uns e, simultaneamente, beneficiar outros, circunstância esta que se irá reflectir na própria configuração das garantias contenciosas dos diferente interessados, na medida em que a uns importa obter a destruição das decisões, e a outros importa a sua manutenção. Por isso, surge um conjunto de posições jurídicas de terceiros, que não sendo “terceiros” na verdadeira acepção do termo, passam a integrar com o imediato destinatário da decisão e com a Administração uma verdadeira relação jurídica multilateral ou multipolar. É um sistema diferente do alemão ou italiano em que os contra-interessados são vistos como partes secundárias, enquanto o recorrente e a autoridade recorrida são partes principais.
Eles devem receber protecção jurídica procedimental e contencioso, uma vez que, de tais decisões da Administração, podem decorrer efeitos lesivos ou benéficos para os mesmos.
Mas qual o fundamento de tal chamamento? Terá previsão constitucional?
Por um lado, decorre dos seus interesses próprios,uma vez qu pode ser directamente prejudicado com uma determinada actuação, mas, por outro lado, tem efectivamente previsão constitucional no art. 20º da CRP que consagra o Direito Fundamental de acesso à justiça, desenvolvido e completado pelo art. 268º, nº 4 da CRP, que consagra o direito a tutela jurisdicional efectiva dos administrados. Pode ainda falar-se no art. 266º, nº1 da CRP, na medida em que, a prosecução do interesse público deve ser seguido com respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. E, por fim, decorre do príncipio geral do contraditório e da igualdade das partes, visto que, sempre que a actuação processual de alguém se mostra passível de lesar directamente direitos ou interesses legítimos de terceiros, é indispensável, de acordo com o Estado de Direito, que a estes seja assegurada a possibilidade de participar no processo e garantidos os meios processuais de influenciar activamente o seu êxito.
Uma questão igualmente importante refere-se ao âmbito subjectivo de caso julgado, ou seja, será que se existir uma decisão judicial de provimento que directamente prejudique terceiros e estes nunca tenham sido chamados ao processo, esta decisão lhe será oponível?
A resposta não pode deixar de ser não. O direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva seriam totalmente desrespeitados se aquele a quem não foi assegurada a possibilidade de intervenção processual, designadamente porque nunca foi mandado citar, pudesse ser directamente prejudicado pela anulação do acto recorrido através do provimento do respectivo recurso contencioso. Sublinhe-se que estes Direitos Fundamentais não têm apenas o sentido de abrir a via contenciosa aos particulares, permitem também limitar a eficácia subjectiva das decisões judiciais, excluindo do âmbito dos seus efeitos todos os particulares a quem não foi assegurada em termos efectivos a possibilidade de intervenção processual.
 Este é um entendimento acolhido pela Doutrina[1] e pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[2].
Deste modo,a possibilidade de intervenção processual dos contra-interessados funciona como instrumento de extensão da eficácia subjectiva de caso julgado, verificando-se que a própria utilidade plena da sentença anulatória do acto recorrido depende da susceptibilidade dessa mesma intervenção processual, justificando-se, por isso, o entendimento que estamos aqui perante a imposição legal de um verdadeiro litisconsórcio necessário passivo. A preterição do litisconsórcio passivo tem consequências gravosas para o autor: ilegitimidade passiva que obsta ao conhecimento da causa, nos termos dos arts.78º, nº2, alínea f), 81º, nº1 e  89º, nº1, alínea f).
Em conclusão, os contra-interessados são pessoas a quem a procedência da acção pode prejudicar ou que têm interesse na manutenção da situação contra a qual se insurge o autor.
Há uma situação de litisconsórcio necessário passivo e a sua preterição leva a uma situação de ilegitimidade.
Por fim, há uma inoponibilidade da decisão judicial que porventura venha a ser proferida à revelia dos contra-interessados, nos termos do art. 155º, nº2.
Bibliografia:
-Silva, Vasco Pereira da, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2º Edição, Almedina;
-Almeida, Mário Aroso de , “Manual de Processo Administrativo”, 2010, Almedina
-Otero, Paulo, “Os Contra-Interessados em Contencioso Administrativo: Fundamento, Função e Determinação do Universo em Recurso Contencioso de Acto Final de procedimento Concursal”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares.


[1] Neste sentido, Amaral, Diogo Freitas do, “Direito Administrativo”, IV, pag.227 e 228.
[2] Acórdão da 1ª  Secção do STJ de 9 de Março de 1995.

sábado, 28 de abril de 2012

A articulação do artigo 109º CPTA com o mecanismo previsto no artigo 131º/4 CPTA





  A articulação do artigo 109º CPTA com o mecanismo previsto no artigo 131º/4 CPTA   
 A intimação para protecção de direitas liberdades e garantias prevista no artigo 109º, não é mais do que um processo urgente e principal, caracterizado por uma tramitação sumária e dirigido à produção de uma sentença de mérito e, portanto, definitiva.
Este processo, deve ser “utilizado quando for indispensável para assegurar, em tempo útil, o exercício de um direito, liberdade ou garantia e não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar”.
É pois um processo que se revela muito útil para ocorrer a situações em que seja urgente a obtenção de uma pronúncia definitiva sobre o mérito da causa. Acontece que as situações de urgência que reclamam uma decisão de fundo e uma composição definitiva do litígio são precisamente aquelas em que o tempo obriga à emissão de uma decisão que interfere com o objecto de um eventual processo principal.
Assim se o particular não puder aguardar que o juiz de uma eventual causa principal se pronuncie sobre a situação requerida, sob, pena de ver os seus direitos fundamentais lesados, então deverá lançar mão da intimação urgente. Por conseguinte, não faz sentido recorrer-se ao decretamento provisório de providências cautelares, quando o mérito da causa deva ser resolvido de forma imediata e definitiva, isto é quando a própria natureza das coisas não se compadece com uma definição cautelar.
Aliás, como resulta do próprio código, o processo principal urgente foi de certa forma concebido, para suprir as insuficiências inerentes a um processo cautelar, que resultam precisamente de ele ser cautelar, provisório e instrumental.
No que concerne ao decretamento provisório da providência cautelar que se destina a tutelar direitos, liberdades e garantias do artigo 131º, estamos perante uma decisão urgente, mas que se satisfaz com uma decisão provisória, até que no âmbito do processo principal se decida definitivamente a questão de fundo. Trata-se de uma composição provisória e instrumental do litígio, que é suficiente para proteger o direito, liberdade ou garantia em causa, desde que a providência seja decretada com a máxima urgência, após o momento da sua solicitação.
Ao contrário da intimação urgente, é um processo que se caracteriza essencialmente pela sua Provisoriedade e instrumentalidade. No âmbito deste processo, o juiz verifica a possibilidade de decretar uma providência a título provisório, que vigorará durante a própria pendência do processo cautelar, isto é durante o tempo normal que este processo leva a decorrer. Trata-se de situações urgentes em que não se pode aguardar pela sentença cautelar, tornando-se necessário antecipa-lo, Concluído o processo cautelar, o juiz decidirá se a providência se deve manter durante toda a pendência do processo principal, se deve ser alterada ou se deve pura e simplesmente ser levantada.
Com efeito, estamos perante um processo cautelar urgente, caracterizado pela sua relação de Instrumentalidade e provisoriedade, relativamente ao processo principal, que in casu, é também ele um processo cautelar. Não obstante as diferenças salientadas do ponto de vista estrutural, importa referir um elemento comum aos dois instrumentos processuais, uma vez que em ambos os casos se permite assegurar em curto espaço de tempo o exercício útil de um direito, liberdade ou garantia, de forma a prevenir situações de lesão irreversíveis.                 
Pelo exposto, é coerente afirmar que a problemática da subsidiariedade da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, em última análise, acaba por se reconduzir em saber no caso concreto, quando é que as pronúncias de mérito são necessárias para acautelar a causa, em confronto com uma mera pronúncia provisória e instrumental, providenciada pela tutela cautelar urgente.
Com interesse ainda para a temática em análise, cabe referir, embora alguns autores assim não o entendam, que no caso de o juiz ser chamado a proferir uma intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, e verifique não se encontrarem preenchidos os pressupostos de que depende este meio processual, por “ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131º, ele deve proceder à convolação oficiosa do processo num processo cautelar para efeitos do disposto no artigo 131º. Tal actuação deverá ser compreendida à luz do princípio a tutela judicial efectiva e do imperativo constitucional relativo à efectividade dos direitos, liberdades e garantias.

Mamadu Saliu Djaló, nº 19974


Os Processos Urgentes (Parte III) - Intimações


A segunda parte do Titulo IV abarca os processos de Intimação, processos de imposição, dirigidos à obtenção, com carácter de urgência, de uma pronúncia de condenação da Administração. A necessidade de resolução urgente leva a que estes processos sigam uma tramitação especial, simplificada e acelerada. Ao longo dos anos, a lei tem vindo a instituir processos especiais concebidos para intimar a Administração, denominados intimação para um comportamento ou intimação judicial para a prática de ato legalmente devido. Nos artigos 104º a 111º, o CPTA apenas distingue dois processos deste tipo, existindo outros regulados por lei especial.
O primeiro dos processos dá pelo nome de Intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (art. 104º a 108º), e decorre, por um lado, do reconhecimento, pelos artigos 61º e seguintes do CPA, do direito dos interessados a essas informações, processos ou certidões e por outro, do princípio da transparência dos arquivos e registos administrativos. Trata-se do meio adequado a obter a notificação integral de um ato administrativo (art. 60º nº 2 do CPTA) e a satisfação de todas as pretensões informativas, quer esteja em causa o direito à informação procedimental ou o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos (art. 104º), incluindo o acesso aos ficheiros públicos de dados pessoais.
É de notar que o presente processo pode funcionar tanto como um meio acessório (conceção anterior pela LPTA) ou como um meio autónomo. Na 2ª hipótese, o seu âmbito de intervenção compreende a tutela do direito à informação procedimental (art. 61º a 64º do CPA) e do direito à informação extra-procedimental (art. 268º nº2 da CRP), resultando a sua celeridade da simplicidade do modelo de tramitação (art. 107º), reforçada pela aplicação dos artigos 36º nº2 e 147º.
Admite-se a possibilidade de utilização da ação administrativa comum para este efeito, desde que não esteja em causa a utilização da intimação como meio instrumental, com vista à interrupção do prazo do artigo 106º.
A legitimidade ativa pertence aos titulares dos direitos de informação ou, no caso de impugnação, todos os que tenham legitimidade para usar os meios impugnatórios (art. 104º nº 2). A legitimidade passiva cabe à pessoa coletiva ou ministério a que pertence o órgão em falta (art. 10º nº 2).
O segundo dos processos é a Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias (art. 109º e seguintes), mecanismo que dá resposta às exigências constitucionais definidas pelo art. 20º nº 5, para situações de urgência na obtenção de uma pronúncia definitiva sobre o mérito da causa e reconhece a importância de uma proteção acrescida dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, dada a ligação à dignidade da pessoa humana.
Segundo o professor Vieira de Andrade, não é legítima a extensão para proteção de eventuais interesses ou até direitos, no âmbito de relações jurídicas administrativas, que tenham uma ligação instrumental com a realização de direitos constitucionais.
É importante reter que os processos se devem desenrolar nos moldes mais adequados ao esclarecimento das questões, exigindo o tempo necessário à produção da prova e ao exercício do princípio do contraditório. Daí, a utilização dos métodos urgentes não é aconselhável, porque provocam o sacrifício de alguns valores em prol da celeridade. Dá-se, então prioridade aos processos não-urgentes, complementados pelas providências cautelares, quando as situações forem suscetíveis de provocar danos de difícil reparação ou mesmo irreversíveis, reservando os processos urgentes para situações de verdadeira urgência em obter uma decisão sobre o mérito da causa, e esta não possa ser alcançada através de um processo não urgente.
O professor Mário Aroso de Almeida, no seguimento desta lógica, opina que quando um juiz considere que não estão preenchidos os pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, sendo suficiente decretar uma providência cautelar, este deve proceder à convolação oficiosa do processo de intimação num processo cautelar, pois nunca poderia ser proferida uma decisão de mera absolvição da instância, quando estão em causa direitos, liberdades e garantias. Assim que se der a convolação, o juiz deve verificar o preenchimento dos pressupostos do decretamento provisório (art. 131º); se nem esses se cumprirem, seguirá como um normal pedido de providência cautelar.
Quanto à legitimidade passiva, esta ação pode ser intentada contra a Administração ou contra particulares, nos termos do artigo 109º, definindo-se pelo conteúdo impositivo e condenatório da tutela jurisdicional, que cobre todas as relações jurídico-administrativas e se sobrepõe ao âmbito das ações administrativas comum e especial.
No que diz respeito à tramitação, consagra-se um modelo polivalente que corresponde a situações de urgência normal (art. 109º e 110º) e a situações de especial urgência (art. 111º).
Aplicam-se as regras gerais de execução de sentenças condenatórias, inclusive as relativas à responsabilidade civil, disciplinar e criminal.
Relativamente ao conteúdo da decisão, existem duas situações. Na primeira, ao abrigo do art. 110º nº 4 e 5, o juiz determina um certo comportamento e impõe uma sanção pecuniária compulsória para o caso de incumprimento, na sentença condenatória ou em despacho posterior. A segunda ocorre quando existe um dever de praticar um ato administrativo estritamente vinculado, para a qual o art. 109º nº 3 confere ao tribunal o poder de execução especifica, que em circunstancias normais, apenas se obteria no processo executivo. Esta é então, uma situação excecional.
Finalmente, quanto aos recursos jurisdicionais, estes têm efeito meramente devolutivo, independentemente da ponderação dos danos que esse efeito possa causar. à luz do artigo 142º nº 3 alinha a), a improcedência desta intimação é sempre recorrível, seja qual for o valor da causa.


Bibliografia relativa às três partes:
·         ALMEIDA, Mário Aroso de, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2005

·         ANDRADE, José Carlos Vieira de, Justiça Administrativa (Lições), 10ª edição, Almedina, Coimbra, 2009

Os Processos Urgentes (Parte II) - Impugnações Urgentes


As Impugnações Urgentes previstas nos artigos 97º a 103º, constituem processos especiais de impugnação de atos administrativos. Verificam a legalidade de pronúncias da Administração Pública, embora também se possa pedir a condenação direta desta. Ao abrigo dos artigos 97º nº 1, 99º nº 1, 100º nº 1 e 102º nº 1, é-lhes aplicável o regime do Titulo III, previsto para os processos não-urgentes de impugnação, com as adaptações impostas pelo Titulo IV.
A primeira modalidade deste tipo de processos é o Contencioso Eleitoral, em que está em causa a impugnação, no prazo de 7 dias, dos atos jurídicos respeitantes ao processo eleitoral.
A sua importância é reforçada perante o contexto atual de uma participação democrática mais intensa no âmbito da organização administrativa. A resolução das questões eleitorais não se compadece com a demora normal dos processos – dada a impossibilidade prática de reconstituição da situação hipotética, raramente seriam suscetíveis de execução específica.
Estas eleições respeitam a organizações administrativas, ou seja, designam titulares de órgãos administrativos de pessoas coletivas públicas ou órgãos não burocráticos da Administração direta ou indireta.
 Apenas os atos anteriores ao ato eleitoral relativos à exclusão ou omissão da inscrição nos cadernos ou listas eleitorais, podem ser objeto de impugnação autónoma (art. 98º nº 3). Segundo o professor Vieira de Andrade, deve ser incluída nesta exceção a impugnação autónoma da recusa de admissão de listas ao sufrágio, assim como, dever ser impugnável a inscrição indevida de “eleitores” e a admissão indevida de candidatos ou de candidaturas, de forma a estabilizar o universo eleitoral.
 Têm legitimidade para impugnar quem seja eleitor ou elegível (art.98º nº 1), sendo esta impugnação de plena jurisdição, ou seja, o tribunal não tem apenas poderes de anulação (art. 97º nº 2). O modelo de tramitação aplicável a este processo é o da ação administrativa especial (artigos 78º e seguintes), com as especialidades previstas no artigo 99º.
A impugnação unitária deve interpretar-se como referida a cada ato eleitoral, sem prejuízo da impugnação da eleição final.
A segunda modalidade de processos urgentes de impugnação tem a designação de Contencioso Pré-Contratual, proveniente do conceito de “atos pré-contratuais”, ou seja, atos administrativos praticados durante os procedimentos de formação de contratos de direito público ou privado, celebrados pela Administração Pública. Trata-se de um processo autónomo e urgente para assegurar a transparência e a concorrência, através de proteção adequada e em tempo útil aos interesses dos candidatos à celebração de contratos com as entidades públicas e garantir o início rápido da execução dos contratos e a sua estabilidade depois de celebrados.
Tal como refere, o artigo 46º nº 3, o regime de tramitação especial urgente (art. 100º e seguintes) apenas se aplica à impugnação de atos praticados no âmbito do procedimento de formação de contratos de empreitada e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens, estando previsto um regime específico: sujeição a um prazo mais curto de impugnação, um modelo de tramitação próprio e a aplicação do regime dos processos urgentes, além do regime geral de impugnação de atos administrativos (artigos 51º e seguintes e 78º e seguintes).
Isto deve-se ao facto de estes contratos se incluírem no âmbito de aplicação de duas diretivas comunitárias (Diretivas do Conselho nº 89/665/CEE, de 21 de Dezembro e nº 92/13/CEE, de 25 de Fevereiro – transpostas pelo Decreto-Lei nº 134/98 de 15 de Maio) que exigem aos Estados membros a criação de condições para a rápida resolução dos litígios relacionados com o procedimento de formação destes contratos.
Caso seja celebrado o contrato, o objeto do processo pode ser ampliado à impugnação do próprio contrato, embora apenas quanto às invalidades deste que derivem de invalidades do procedimento pré-contratual.
É importante reter que, neste tipo de processo, os atos de indeferimento não são impugnáveis, ou seja, o regime previsto nos artigos 100º a 103º só abrange as situações de reação contra atos de conteúdo positivo. Os atos de conteúdo negativo só poderão ser combatidos através da ação de condenação à prática de ato devido (artigos 66º e seguintes).
Outra nota importante é o alargamento do âmbito de aplicação do artigo 100º a atos que não são atos administrativos pré-contratuais, mas que o CPTA os equipara, no que toca a esses efeitos (nº2), assim como os atos jurídicos praticados por sujeitos privados, no âmbito de procedimentos pré-contratuais (nº3).
Quanto à tempestividade destas ações, o legislador não estabeleceu um prazo diferente para o Ministério Publico, estando este sujeito ao definido pelo artigo 101º - um mês.
A propositura desta ação não tem efeito suspensivo sobre o procedimento, podendo o interessado interpor a providência cautelar especial do artigo 132º.

Os Processos Urgentes (Parte I)


As exigências do direito fundamental à tutela judicial efetiva em matéria jurídico- administrativa passam pela utilização de mecanismos de resolução célere e flexível dos conflitos.
A redação do artigo 20º nº 5 da Constituição da Republica Portuguesa indica isso mesmo: “Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.”
Determinadas questões em função de determinadas circunstâncias próprias, devem ou têm de obter, quanto ao respetivo mérito, uma resolução definitiva pela via judicial, num tempo curto.
Os Processos Urgentes que visam a pronúncia de sentenças de mérito, onde a cognição seja tendencialmente plena, mas com uma tramitação acelerada e simplificada, considerando a natureza dos direitos ou bens jurídicos protegidos ou outras circunstâncias próprias das situações ou até das pessoas envolvidas.
No seu Título IV, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante, CPTA), autonomiza o regime dos processos principais urgentes, ou seja, os mais relevantes, no entanto, existem outros regulados por legislação especial (por exemplo, processos cautelares).
A ação administrativa comum e a ação administrativa especial, previstos nos Títulos II e III do CPTA, respetivamente, correspondem aos processos não-urgentes.
No CPTA estão previstos quatro tipos de situações me que existe necessidade de obter uma decisão de fundo, com urgência, sobre o mérito da causa e para isso institui quatro formas de processos especiais:
1.       Questões do contencioso eleitoral – cuja apreciação é atribuída à jurisdição administrativa (art. 97º a 99º)
2.       Impugnações de atos praticados no âmbito de certos procedimentos pré-contratuais (artigos 100º a 103º)
3.       Pedidos de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (art. 104º a 108º)
4.       Proteção de direitos, liberdades e garantias (art. 109º a 111º)
O artigo 36º nº1 do CPTA qualifica estas formas de processo como processos urgentes, aplicando-lhes o regime do respetivo nº2 e do artigo 147º, quanto à matéria dos recursos.
A possibilidade de “antecipação” da decisão de fundo através da convolação do processo cautelar em processo principal (art. 120º e 132º nº 7), constitui a abertura do sistema para a criação ad hoc de novos processos urgentes, sempre que necessário e possível.
 Ora, o Titulo IV, referido anteriormente, estabelece numa bipartição entre “Impugnações Urgentes” e “Intimações”.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Tutela jurisdicional efectiva



 “Não é suficiente garantia o direito de acesso aos tribunais ou o direito de acção. A tutela através dos tribunais deve ser efectiva.”
                                                                                          Gomes Canotilho e Vital Moreira

 Análise breve do direito à tutela jurisdicional efectiva no contencioso administrativo

          O princípio do direito à tutela jurisdicional efectiva constitui, sem sombras de dúvidas, uma das pedras basilares do Estado moderno, encontrando-se consagrado no artigo 20º e 268º, nº 4 e nº 5 da Constituição da República Portuguesa, assim como no artigo 6º da Convenção para a protecção dos Direitos do Homem e das liberdades fundamentais, ou Convenção Europeia dos Direitos do Homem como é geralmente conhecida, e no artigo 2º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Para além disso e sendo claramente o principal instrumento de defesa dos particulares face à Administração, assume igual importância em muitas ordens jurídicas europeias[1].
         No que toca à concretização deste princípio, nada melhor do que começar a sua análise pelos artigos referidos da Lei Fundamental. Com efeito, verificamos que de acordo com o artigo 20º, nº 1, a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, bem como os direitos à informação e consulta jurídica e ao patrocínio judiciário[2]. Deste preceito, resulta que o legislador deve assegurar aos particulares a existência de meios processuais aptos a defender os direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo ignorar tal imposição. Se o fizer, a sua conduta reflecte um caso de inconstitucionalidade por omissão, prevista no disposto do artigo 283º da CRP. A lei deve então assegurar os interesses e direitos legalmente protegidos, podendo, no entanto em última instancia, em caso de lacuna por parte do legislador, essa garantia ser dada pelo tribunal, em decorrência da aplicação directa dos preceitos constitucionais. Tendo em conta tal conjuntura, o núcleo desta garantia é então claramente constituído pelo direito à protecção pela via judicial. Suscita-se então neste âmbito uma questão: este direito implica a reapreciação das decisões judiciais? No fundo, será que existe um duplo grau de jurisdição? A maioria da doutrina e mesmo a jurisprudência tem entendido que não, a não ser se estivermos perante matéria que afecte directamente direitos, liberdades e garantias. Fora destas hipóteses, o recurso não estabelece um bem absoluto, porque apesar de constituir uma garantia decisiva na boa administração da justiça, traduz-se numa demora na realização da mesma, o que não se mostra apropriado.
          Este direito dos particulares traduz-se posteriormente em várias vertentes, sendo uma delas, referente à protecção de direitos e interesses face aos poderes públicos, que encontra consagração no artigo 268º, nº 4 (norma que consagra um direito de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias) e nº 5 da CRP[3]. O que estes artigos pretendem é criar regras claras que ditem o acesso dos administrados aos tribunais, sempre que os mesmos sejam lesados nas relações estabelecidas com a Administração. Assim, todas as pretensões deduzidas, desde que fundamentadas no ordenamento jurídico, devem ser analisadas por um órgão estatal independente, através de um processo que possua as garantias necessárias a permitir uma defesa adequada das posições jurídicas do demandante.
         No fundo, aquilo que se pretende com o recurso aos tribunais é salvaguardar a tutela integral de todas as situações jurídicas, mas também permitir que os particulares consigam obter uma solução em tempo útil, o que faz com que ela se repercuta na esfera jurídica individual dos cidadãos de forma proveitosa. Integra como tal este direito, o acesso às medidas cautelares adequadas ou necessárias para acautelar os direitos dos particulares, incluindo o acesso a medidas cautelares atípicas. Se assim não fosse, a verdade é que o fim deste princípio era um mero formalismo constitucional. E isso não é de permitir. Aquilo que é necessário é que este princípio não se encontre limitado pela necessidade de adopção de meios específicos de impugnação nem pela possibilidade de se reagir apenas a determinadas formas de actuação da Administração. Pelo contrário, deve-se sim proceder à institucionalização de acções administrativas a título principal, que permitam aos particulares obter a condenação da Administração em diversas situações. Acções, essas, que podem comportar pedidos declarativos, constitutivos e condenatórios, devendo recorrer-se à aplicação por analogia das normas processuais civis, se tal for necessário[4]. O conteúdo desde direito implica assim a possibilidade de se reagir contra todos e quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma. Quanto à possibilidade de impugnação dos regulamentos administrativos, este princípio também se assume como decisivo. Se não vejamos: Presentemente aquando da elaboração de um regulamento podemos ter como afectados os destinatários directos da norma regulamentar, mas não só. Eventuais terceiros podem igualmente ser lesados pela sua disciplina, ainda que indirectamente. Mas a verdade é que o são e não podemos por isso recusar o seu acesso à justiça administrativa. Também eles têm de ter oportunidade de defender os seus direitos e interesses legalmente protegidos. Aliás, tal conjuntura foi mesmo observada na realização de um caso prático nas aulas da cadeira.
        Tendo em conta o objectivo claro deste direito dos particulares, todos os actos praticados por toda e qualquer entidade dotada de poderes de administração, mesmo que não se trate de um órgão ou agente organicamente integrado na Administração pública estão sujeitos à tutela judicial. Como tal, também o Presidente da República, os órgãos do Tribunal Constitucional e demais Tribunais, podem ver os actos que praticaram em matéria administrativa judicialmente sindicados.

Concretização no Código de Processo nos Tribunais Administrativos

       O Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro do mesmo ano, foi sem dúvida nenhuma, uma lufada de ar fresco para o contencioso administrativo português, uma vez que este se adequou à exigência constitucional da consagração do Estado de direito democrático. Também no âmbito do direito em análise, esta reforma foi indispensável. Como defende Mário Aroso de Almeida, o propósito do CPTA é assegurar que os tribunais administrativos proporcionem uma tutela jurisdicional efectiva a quem a eles se dirige em busca de protecção[5]. Assim, prevê-se tal conjuntura no artigo 2º, que concretiza materialmente este direito. Também o artigo 37º, nº 2 lhe faz jus. Através destes dois artigos, estabelece-se de forma evidente em que consiste este princípio, de modo a que a jurisprudência não tenha a oportunidade de lhe vir a dar uma interpretação contrária ao espirito que teve por base a sua preparação. Tal receio não é de todo insensato, já que tal realidade já ocorreu em anos passados[6]. Deste modo, o artigo 2º do Código, no seu nº 1 vem estabelecer o conteúdo deste princípio, enquanto o nº 2 procede à elaboração de um elenco a titulo meramente exemplificativo, dos tipos de pretensões que poderão ser deduzidas junto dos Tribunais Administrativos. Sendo então um elenco elucidativo[7], neste momento, podem ser deduzidos todo o tipo de pretensões no âmbito da jurisdição administrativa, que deixa de ter uma jurisdição de poderes limitados, como ocorria antes na LPTA. Deste modo, o particular perante uma actuação administrativa deve olhar para os casos exemplificativos enumerados no artigo e optar por aquele que melhor tutelar os seus direitos e interesses. Todavia, caso entenda que nenhuma pretensão indicada se adequa aquilo que deseja, pode deduzir outra pretensão, respeitando apenas os limites da jurisdição contenciosa administrativa.
        De acordo com a pretensão deduzida determina-se posteriormente o tipo de acção administrativa a seguir. Em termos gerais e de acordo com um princípio pouco simplista, pode-se dizer que quando esteja em causa uma actuação da administração ao abrigo do ius imperii que lhe é característico, haverá de recorrer às acções administrativas especiais consagradas nos artigos 46º e seguintes do CPTA. Pelo contrário, quando estejamos perante relações jurídicas em que as partes se encontram em posição de igualdade, será aplicada a acção administrativa comum. Em relação a esta última, podemos mesmo afirmar que a sua relação com a concretização da tutela jurisdicional efectiva se traduz no facto de se evitar, como antes sucedia, que os tribunais venham decidir que uma determinada pretensão não poderá ser apresentada a juízo, porque carece de uma forma específica para ser accionada.
      Quanto à admissibilidade das pretensões atípicas pode, no entanto, ser suscitada uma questão. O recurso a estas pretensões será sempre admitido ou só pode ter lugar quando as pretensões previstas no artigo 2º e no artigo 37º não tutelem os direitos dos particulares? A este respeito e pela pesquisa efectuada parece que a melhor solução se traduz na denominada tese de alcance médio. O particular pode então recorrer à acção administrativa comum quando inexistir outra pretensão que tutele o seu direito ou quando existindo uma pretensão apta a tutelar o seu direito, esta ainda assim não se traduz na maior tutela que o particular pode vir a obter. Através desta acção, encontra-se previsto um meio processual apto a preencher lacunas de protecção que eventualmente surjam no futuro, cabendo a sua concretização à doutrina e à jurisprudência.
       O último dos planos em que se joga de modo decisivo a efectividade da tutela judicial é o da execução das sentenças. Com a reforma do contencioso administrativo, é pela primeira vez consagrado o poder de os tribunais administrativos adoptarem verdadeiras providências de execução das suas decisões. A execução de sentenças de condenação ao pagamento de quantias em dinheiro passa assim, a poder ter lugar por três vias: A primeira é a de pedir ao tribunal que decrete a compensação do crédito detido sobre a Administração com eventuais dívidas que onerem o exequente para com a mesma pessoas colectiva ou o mesmo ministério; a segunda é a de solicitar que o tribunal proceda ao pagamento da dívida através da emissão de uma ordem de pagamento por conta da dotação que deve ser anualmente inscrita no Orçamento Geral do Estado, à ordem do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, afecta ao pagamento de quantias devidas a título de cumprimento de decisões jurisdicionais e a terceira é subsidiária (para o caso das primeiras não funcionarem), o denominado recurso às disposições que no Código de Processo Civil, regulam os processos de execução para pagamento de quantia certa, para obter a penhora e venda em hasta pública de bens pertencentes à entidade devedora (172º, nº 8 do CPTA). No domínio das execuções para prestação de factos ou de coisas, destaca-se pela sua importância, a introdução  do poder de o tribunal providenciar a concretização material do que foi determinado na sentença, podendo para o efeito recorrer com as adaptações que forem devidas, à aplicação das disposições que no Código de Processo Civil, regulam os processos executivos para entrega de coisa certa e para prestação de facto fungível (artigo 167º, nº 5 do CPTA).
     Como concretização deste princípio de referir ainda o artigo 4º do CPTA e a correspondente possibilidade de acumulação de pedidos tradicionalmente respeitantes a meios processuais diferentes, assim como o artigo 7º. No que toca à primeira realidade, quem pretende impugnar um acto administrativo ou uma norma, pode desde logo deduzir um pedido de indemnização respeitante aos prejuízos derivados da prática de tal acto ou da aprovação da norma, não sendo necessário aguardar pelo trânsito em julgado da decisão respeitante à impugnação para requerer a atribuição da indemnização. Deste modo, um contencioso administrativo baseado na mera anulação ou declaração de nulidade de actos administrativos assumia-se como consagrador de uma tutela insuficiente para assegurar os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Já em relação ao artigo 7º, este explicita ainda, que o conteúdo do princípio da tutela efectiva implica o direito a uma justiça material, que se pronuncie sobre o mérito das pretensões formuladas, não se limitando a uma mera apreciação formal do litígio. 
        Em suma, podemos mesmo concluir que todas estas alterações dirigiram-se essencialmente por forma a dar cumprimento ao imperativo constitucional de que os tribunais administrativos deveriam proporcionar uma tutela jurisdicional efectiva a quem tivesse necessidade de a eles recorrer em busca de protecção, procedendo o legislador, para o efeito, a um claro reforço dos poderes dos tribunais administrativos. Note-se neste contexto a faculdade atribuída aos Tribunais Administrativos de aplicar sanções pecuniárias compulsórias à Administração, quando sejam chamados a condenar a mesma, a fim de forçar ao cumprimento dos deveres das decisões judiciais. Deste modo, este princípio constitui, melhor dizendo, um postulador informador de toda a reforma do contencioso administrativo, nos seus vários planos incluindo o da reordenação do mapa judiciário. É assim, de forma evidente, um dos elementos que permite a cada um de nós sentir segurança e confiança no futuro, mas terá de ser, como é manifesto uma tutela efectiva. 




[1] Artigo 24º da Constituição Espanhola; artigos 24º e 113º da Constituição italiana e artigo 19º, nº 4 da Constituição de Bona.
[2] Segundo Vieira de Andrade: A tutela judicial efectiva não se refere apenas aos direitos dos cidadãos, na sequência da previsão constitucional, mas estende-se à protecção do interesse público e dos valores colectivos.
[3] Com a revisão constitucional de 1997, o legislador consagrou no nº 4 deste artigo um elenco meramente indicativo de alguns dos meios contenciosos ao alcance dos particulares, enquanto o nº 5 estabelece a regra da impugnabilidade judicial de normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
[4] Posição defendida por Gomes Canotilho, mas que já resultava do disposto do artigo 1º da LPTA.
[5] O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, 2003, pág. 12.
[6] Com a Revisão Constitucional de 1989, o texto constitucional permitiu a interposição de recurso contencioso contra qualquer acto lesivo. Todavia, a jurisprudência veio defender a tese de que, mesmo assim, somente os actos definitivos e executórios seriam lesivos.
[7] João Tiago da Silveira refere: O sistema proposto assenta na unificação de um conjunto de meios processuais actualmente existente em torno de dois grandes blocos e na adopção de novos tipos de pedidos, assente numa enumeração exemplificativa”. In Revista Jurídica da AAFDL, nº 25, Lisboa, 2002, página 452.



Bibliografia:
  • ALMEIDA, Mário Aroso, "Manual de Processo Administrativo", Almedina, 2010.
  • ANDRADE, Vieira de, "A Justiça Administrativa - Lições, Almedina, 2009.
  • MAÇÃS, Maria Fernanda dos Santos, "A suspensão judicial da eficácia dos actos administrativos e a garantia constitucional da tutela judicial efectiva", Coimbra Editora, 1996.
  • SILVA, Vasco Pereira da, "O contencioso administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as acções no novo processo administrativo", 2º edição, Coimbra, Almedina, 2009.

Princípio da estabilidade objectiva da instância


O pedido e causa de pedir, (objecto do processo) em regra, são apresentados no inicio do processo, na petição inicial art. 268.º CPC, todavia existem situações em que assim não acontece art. 272.º e 273.º. Situação semelhante ocorre no contencioso administrativo, nomeadamente na acção administrativa especial. O art. 51/4 CPTA determina que quando o pedido seja de anulação de um indeferimento o juiz convida o autor a substituir o pedido inicial pelo de condenação à prática do acto devido.

É concedida a possibilidade de alargar ou substituir o pedido inicial de impugnação de actos quando na pendência do processo ocorram situações, nomeadamente quando sejam celebrados contratos, conexas com o acto impugnado que venham a justificar uma cumulação de pedidos prevista no art.63.º e ainda quando ocorra a revogação, alteração ou substituição (ainda que parcial) do acto impugnado concedendo-se a possibilidade do seguimento do processo contra o novo acto art. 64.º.

Pode também ocorrer uma alteração da causa de pedir na acção de condenação à prática do acto devido sempre que ocorre um indeferimento expresso art. 70/1. Assim, permite-se uma cumulação com um pedido impugnatório desde que o acto sobrevindo não contente de modo integral a solicitação do interessado (n.º2).

Relativamente à acção administrativa especial, em regra, admite-se a alteração da causa de pedir, quer restrição quer ampliação, mediante a alegação de novos vícios ou fundamentos se trouxerem factos supervenientes art.86.º e 91/5.

No que diz respeito à impugnação de normas ou actos, o Ministério Público pode arguir vícios que impliquem a nulidade ou inexistência do acto e ainda de outras causas que ponham em causa direitos fundamentais art. 85/2,3 e 4.

Existe ainda outra hipótese de alteração superveniente do objecto do processo, prevista no art.45.º, em que se confere ao juiz o poder de convidar as partes a acordarem uma indemnização, antecipando a execução da sentença.

Podem ocorrer modificações da situação de facto ou direito (factos jurídicos constitutivos, modificativos e extintivos), ao longo do processo, pelo que é necessário averiguar se o juiz deve atender a tais modificações. A resposta não é única, visto que dependerá do tipo de acção em causa e da sentença que se pretende obter. 

Relativamente às acções de reconhecimento de uma situação jurídica subjectiva, é pacifico o entendimento de que se deve atender às modificações e o mesmo se pode dizer quanto às acções em que se pretenda a condenação do demandado no cumprimento de um dever, adopção e ou abstenção de um comportamento.
No que diz respeito às sentenças constitutivas, a resposta já é diferente.

Quando se pretenda a anulação de um acto, o momento relevante para a apreciação da validade, corresponde ao da sua prática pelo que não seriam de considerar modificações supervenientes. Esta resposta vale inteiramente para os actos de eficácia instantânea ou que já tenham produzido todos os seus efeitos.

Relativamente aos actos de eficácia duradoura e aqueles que ainda não tenham sido executados será relevante atender aos factos supervenientes, de modo a não se produzirem decisões inúteis.
Importa separar os casos em que a mudança tornaria válido um acto originariamente inválido dos casos em que um acto originariamente válido se tornaria inválido.

No primeiro conjunto de situações, deve defender-se a não atendibilidade das novas circunstâncias tendo em conta que pode existir sério interesse em anular os efeitos produzidos, além de haver a possibilidade do interessado pedir um novo acto semelhante ao anterior. Ainda assim, podem existir situações em que seja defensável a atendibilidade das novas circunstancias, caso a anulabilidade seja intolerável. Nestes casos deve atender-se aos princípios da proporcionalidade, boa fé e protecção da confiança.

Por seu turno, no segundo conjunto de situações, é defensável a atendibilidade das modificações que tornaram o acto inválido mas apenas produz efeitos a partir do momento em que se tornou inválido. Esta será a solução quando for possível determinar com segurança a ilegalidade da manutenção dos efeitos do acto. Se esta certeza não existir, nomeadamente se restar uma margem de discricionariedade à administração, o juiz não deve anular o acto. 

O contencioso pré-contratual da contratação pública - uma breve análise "à queima-roupa"


O contencioso pré-contratual vem previsto nos art. 100 e ss. do CPTA, contudo, a grande discussão em torno desse mecanismo prende-se sobre a sua relativa prevalência sobre o constante no D.L. nº 134/98 de 15 de Maio, que transpõe as Directivas 89/665/CEE e 92/13/CEE contendo importantes regras de regulação da contratação publica. A tramitação seguida por este mecanismo urgente, baseia-se no disposto para a acção administrativa especial, art. 78 e ss. do CPTA, porém, mediado com alguns critérios do art. 102 do CPTA.

A. Quais os procedimentos pré-contratuais abrangidos pelo regime constante do CPTA? No nº1 do art. 100 do CPTA, temos que estão abrangidos os litígios que se verifiquem no âmbito de procedimentos de formação de contratos de empreitada e de concessão de obras públicas, de aquisição de serviços e de fornecimento de bens móveis, independentemente da forma privada ou publica do contrato, desde que, contudo, seja o mesmo regulado por normas de Direito Publico. Com isto, ficam excluídos os procedimentos adjudicatórios de direito privado e os procedimentos administrativos tendentes à celebração de quaisquer outros contratos de espécie diferente da dos supra referidos, como os contratos de concessão de serviços públicos ou as parcerias publico-privadas institucionalizadas.

B. Quais os fundamentos invocáveis para procedibilidade deste instituto? Tem-se entendido  poderem ser invocadas as actuações realizadas com violação de qualquer regra ou princípio de cariz pré-contratual, desde que tenha com objecto a conformação jurídica do procedimento que leve à formação do contrato em causa. Porém, tem sido admitida a possibilidade de invocar tudo o que ponha em causa a própria validade do procedimento de adjudicação (v.g., não se ter realizado um necessário procedimento de impacto ambiental).

C. Já quanto à legitimidade, caberá em primeira linha aos candidatos e concorrentes participantes no processo de adjudicação. Porém, é discutível a sua extensão ao Ministério Publico e mesmo aos interessados nas situações de “adopção de procedimento ilegal” e dos casos de “concurso lesivo”. Isto é, será que a remissão feita, pelo art. 100 nº1 do CPTA, para a secção da impugnação de actos administrativos (que serve de regime supletivo a este processo urgente, embora deva ser aplicado de forma adaptada, especialmente nos casos dos art. 58 nº3 e 4 e art. 60 nº3 do CPTA) inclui o constante no art. 55 nº1 do CPTA, podendo abranger casos como os litígios populares sociais (v.g., o caso do túnel do Marquês) e mesmo os litígios populares locais (art. 55 nº2 do CPTA)? Autores como RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA têm entendido que sim atendendo aos interesses em jogo no processo de adjudicação.

D. Podem ser formulados pedidos de impugnação de actos de conteúdo positivo, art. 100 nº3, pedidos de invalidação de documentos conformadores, art. 100 nº2 (v.g., o caderno de encargos), a própria invalidade do contrato, embora deva ser cumulado com um dos pedidos anterior, art. 102 nº4 e art. 63, sendo ainda possível pedir uma indemnização na hipótese previsto no art. 102 nº5, todos do CPTA. Tem sido também admitida a formulação de pedidos que não estejam consagrados neste mecanismo como o pedido de condenação à prática de acto procedimental devido que tenha sido omitido ou recusado (v.g., Ac. do STA nº1/2005 P. 903/2004). Porém, surge a dúvida quanto à aceitação de pedidos de condenação à abstenção de acto administrativo pré-contratual neste instituto, embora tal venha a ser admitido, apenas e só, quando se demonstre que o sistema de garantias principais e cautelares não tutele de forma suficiente o caso em concreto. É de referir, por fim, que tudo o que aqui não caiba, poderá seguir em acção administrativa comum ou outro qualquer processo especial.

E. No que toca à tempestividade deste mecanismo processual, cabe considerar as seguintes notas.

Um dos primeiros problemas é-nos colocado pelo art. 101 do CPTA e qual a sua influência em sede de revogação das decisões pré-contratuais. Aqui, o prazo de 1 mês vale da mesma forma para o Ministério Publico, mas, cabe referir que o prazo só termina 1 mês após a adjudicação e corre desde a prática do acto adjudicatório tido como ilegal, ou seja, apesar de se remeter para a secção onde se localizam os art. 50 a 65 do CPTA, o art. 58 nº2 do CPTA não será de se  aplicar.

Outro problema será aquele que se prende em saber se o âmbito de aplicação do art. 101 do CPTA, vale apenas para a impugnação de actos administrativos anuláveis ou também para os actos feridos de nulidade, já que, atendendo à letra e localização sistemática do preceito, tudo caberia no carácter urgente do processo, seguindo a tese do alcance máximo, sendo de afastar o constante nos art. 58 nº1 do CPTA e art. 134 nº2 do CPA, ou seja, sendo permitido a impugnação do acto nulo a todo o tempo. São conhecidas, e aceites, as preocupações com a necessidade de se obter estabilidade nas relações ou situações pré-contratuais, contudo, junta-se ao problema o facto de não se fazer qualquer distinção conforme a invalidade do acto. Mais, o art. 283 nº1 do CCP prevê que “os contratos são nulos se a nulidade do acto procedimental em que tenha assentado a sua celebração tenha sido judicialmente declarada ou possa ainda sê-lo”, o que leva a pressupor que se aceita a inimpugnabilidade de actos nulos, ficando sujeitos ao prazo constante do regime em estudo, o que prefigura um resultado inadmissível. Por isto, autores como RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, entendem que, de iure condendo, seria de admitir que os actos nulos fossem impugnáveis a todo o tempo, contudo, refere o mesmo autor que, ainda que assim não seja, essa mesma nulidade poderá ser invocada a todo o tempo, desde que com tal pedido, não se pretenda a declaração da nulidade do acto.

O referido prazo vale, da mesma forma, para os pedidos de condenação à pratica do acto devido (com o afastamento do art. 69 nº1 do CPTA), contando-se o mesmo desde a notificação do acto de recusa ou do decurso do prazo estabelecido para a emissão do acto ilegalmente omitido. No caso de condenação à abstenção da prática de um determinado acto, caso isto seja admissivel no contencioso pré-contratual, tem-se que: ou não haverá prazo, ou então este dever-se-á contar desde a notificação ou do conhecimento do projecto de acto que não se quer ver praticado. É ainda de sublinhar a admissibilidade da aplicação do art. 59 nº4 do CPTA.

F. Cabe ainda um apontamento, muito breve, quanto à impugnação do contrato em si. A celebração do contrato não leva à inutilidade superveniente da lide pré-contratual, mesmo que o contrato não seja, a posteriori, impugnado (cf. art. 63 nº2 do CPTA). Mais, se na pendência do processo pré-contratual, o contrato vier a ser celebrado, poderá o autor, para além de fazer estender o objecto do processo à impugnação do contrato, pode requerer a substituição da providência cautelar de suspensão do procedimento cautelar por outro, que vise suspender a execução do contrato, entretanto, celebrado (se apesar de celebrado, não estiver em execução, não se verificará uma situação de impossibilidade absoluta justificativa de se convolar o pedido de anulação em pedido de indemnização. E quanto aos fundamentos invocáveis para atacar a validade do contrato? Uma solução possível, que esteja em conformidade com o disposto no art. 63 nº2 do CPTA, é que o pedido de invalidação do contrato terá que se um pedido que derive, ou surja em consequência dos fundamentos que foram invocados contra o acto ou documento pré-contratual, i.e., a invalidade do de um qualquer acto pré-contratual irá projectar-se na própria validade do contrato. 

G. Por fim, cabe uma ultima referência ao constante no art. 103 do CPTA, que vem permitir a realização de uma audiência pública sobre a matéria de facto, e mesmo de direito, isto a requerimento das partes ou é permitido tal a título oficioso. Porém, é reconhecida a fraca utilização deste mecanismo, referindo MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, que seria melhor repensar a mesma.
Bibliografia consultada:

  • ALMEIDA, Mário Aroso, "Manual de Processo Administrativo", Almedina, 2010;
  • OLIVEIRA, Rodrigo Esteves de, "O contencioso urgente da contratação públicain Cadernos de Justiça Administrativa nº 78, 2009